History of Social Work--Recuperating a history of women/ Historia do Servico Social--resgatando uma historia de mulheres.

AutorFreitas, Rita

Introducao (1)

O Servico Social e uma profissao inserida na divisao social e tecnica do trabalho, que emerge e se gesta entre os anos de 1930 e 1940, no contexto de aprofundamento do capitalismo monopolista brasileiro e do reconhecimento da questao social. Recentemente, comemoramos 80 anos de uma profissao legitimada e reconhecida na sociedade brasileira, que contou com a presenca e atuacao de muitas mulheres para que isso acontecesse. Todavia, isso parece nao ter visibilidade e reconhecimento no meio profissional.

Acreditamos ser importante, quando estudamos a historia do Servico Social, aprofundar os estudos e pesquisas sobre a presenca e o papel dos diferentes atores politicos que participaram ativamente da efetivacao e continuidade do Servico Social. Estamos afirmando que poucos estudos dao notoriedade aos caminhos percorridos por essas mulheres e as estrategias (politicas, economicas, etc.) usadas, ao longo dos anos, para a institucionalizacao da profissao. Nesse sentido, revisitar e resgatar a trajetoria historica da profissao se torna importante diante da particularidade que o Servico Social tem de ser uma profissao majoritariamente feminina e construida por mulheres (2).

Assim, temos como objetivo resgatar a participacao feminina nessa historia, dando visibilidade aos caminhos percorridos e papeis desempenhados por algumas mulheres. Para isso, analisamos o caso das pioneiras da Escola de Servico Social de Niteroi, da Universidade Federal Fluminense (ESSN/UFF (3)). Nosso argumento parte da compreensao de que a historia nao pode ser apenas dos "grandes acontecimentos", dos grandes eventos, mas tambem dos processos cotidianos, dos espacos micros, do dia a dia dos diferentes sujeitos sociais. Afinal, como afirmou Walter Benjamim (1994) nada do que aconteceu um dia pode ser considerado perdido para a humanidade (4).

Dessa forma, o foco da analise esta no surgimento da profissao do Servico Social e no papel desempenhado pelas mulheres que a pratogonizaram, tendo como ponto de partida uma epistemologia feminista (5). Tal epistemologia, alem da preocupacao em resgatar as mulheres como sujeitos historicos, tem como pressuposto a negacao das nocoes de neutralidade, objetividade, racionalidade e universalidade da ciencia--pressupostos tambem partilhados por boa parte da literatura atual do Servico Social. Partimos do entendimento de que a historia do Servico Social e, tambem, uma historia de mulheres que construiram e ainda constroem essa profissao (6).

A historia oral (7) foi a metodologia utilizada nessa pesquisa por possibilitar o resgate da fala desses sujeitos--habitualmente esquecidos na "historia oficial" (8). Uma vez que as mulheres e os homens fazem a sua historia a partir de condicoes concretas, nao podemos esquecer que estas sao atravessadas pelas dimensoes de genero, raca, classe social, cultura, geracao, entre outras. Dentre elas, neste texto, enfatizaremos a dimensao de genero.

Sobre essa metodologia, uma observacao e importante de ser feita. Os estudos do cotidiano ajudam no reconhecimento do carater publico do mundo privado, o que ate a decada de 1960 nao era discutido pela historiografia. Como afirmam Freitas e Braga (2012, p. 14),

esses estudos junto com as producoes intelectuais historicas - concentrada na micro-historia--ressaltaram a conexao inseparavel entre as esferas privada e publica. Para Costa (2003) o que realmente mudou foi a perspectiva--ja nao interessa mais narrar apenas os 'grandes feitos' dos 'grandes homens'. Como afirma essa autora, os estudos biograficos, as historias de vida, que se referem a diversidade das pessoas e a sua pluralidade muitas vezes esquecida, representam uma dupla mudanca nas abordagens no campo da historia: do homem incomum para o comum; do sujeito unico para o multiplo. Um dos maiores desafios esta na constatacao de que homens e mulheres comuns ou incomuns vivem experiencias diversas em relacao aos processos sociais. Dessa forma, dividimos o texto em tres partes. Na primeira secao, revisitamos a historia profissional, dando enfase as analises atualmente hegemonicas que estudam o momento de criacao do Servico Social. Em seguida, buscamos resgatar o papel das mulheres enquanto sujeitos nesse processo, atraves da pesquisa realizada sobre a historia das pioneiras da ESSN/UFF. Por fim, concluimos com algumas consideracoes acerca dos desafios a serem enfrentados na construcao da historia do Servico Social, em que as mulheres sejam reconhecidas e facam parte desse processo.

Revisitando a historia profissional

Nos ultimos anos, tem havido uma extensa producao bibliografica sobre a historia do Servico Social no Brasil (9). O livro de Iamamoto e Carvalho (1996) e fundamental para compreender o significado historico da profissao no processo de reproducao das relacoes sociais na sociedade capitalista brasileira e sua insercao na divisao social e tecnica do trabalho, mediante o uso de categorias fundamentais da analise marxista. Como afirmam os autores, "a apreensao do significado historico da profissao so e desvendada em sua insercao na sociedade capitalista, pois ela se afirma como instituicao peculiar na e a partir da divisao social do trabalho" (IAMAMOTO; CARVALHO, 1996, p. 16). Esse tipo de analise permitiu apreender as implicacoes politicas, historicas e sociais do exercicio profissional, como tambem as dimensoes objetivas e subjetivas que permeiam o trabalho do assistente social.

No Brasil, com o avanco do chamado Movimento de Reconceituacao do Servico Social (10), a vertente critico-dialetica (NETTO, 2011), paulatinamente, consegue hegemonia na direcao da categoria profissional atraves de um amplo movimento de revisao global, em diferentes niveis: teorico, metodologico, operativo e politico. Isso marcou a aproximacao cada vez maior com a teoria de Marx como forma de entender a realidade e o Servico Social, ocasionando a construcao das Diretrizes Gerais para o Curso de Servico Social de 1996, na efetivacao do novo Codigo de Etica Profissional de 1993 e na revisao da Lei de Regulamentacao da Profissao, de 1996.

Para Iamamoto e Carvalho (1996), durante o periodo de surgimento do Servico Social brasileiro, o pais vivia um momento de intensa agitacao politica, economica e social. O contexto era de generalizacao do trabalho livre, do aumento da imigracao, do desenvolvimento urbano, do processo de industrializacao e de organizacao da classe trabalhadora. O surgimento de uma classe trabalhadora mais consciente de sua situacao de exploracao e organizada fez com que se desse notoriedade a situacao de pobreza e miseria que se vivia, ou seja, a questao social. Conforme Iamamoto e Carvalho (1996, p. 77),

a questao social nao e senao as expressoes do processo de formacao e desenvolvimento da classe operaria e de seu ingresso no cenario politico da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. E a manifestacao, no cotidiano da vida social, da contradicao entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervencao, mais alem da caridade e repressao. Tais apontamentos deixam clara a efervescencia e tensao social presentes no momento de emergencia do Servico Social. Isso levou a uma acao conjunta entre Estado, empresariado e Igreja, ainda que com interesses divergentes, com objetivo de formar uma alianca de cariz moralizador e disciplinador frente a sociedade e suas demandas postas. Desse modo, o Estado assumiu a regulacao das tensoes entre capital e trabalho atraves da efetivacao de um conjunto de iniciativas (como a criacao de leis sindicais, sociais e trabalhistas e de grandes instituicoes assistenciais), visando ao atendimento das necessidades sociais das classes trabalhadoras. Foi nesse movimento de controle dos conflitos sociais que ocorreu o reconhecimento da questao social e, com isso, o surgimento do Servico Social.

Nesse contexto, os assistentes sociais trabalhariam diretamente na contradicao existente na relacao capital-trabalho, nas situacoes de pobreza e miseria postas aos trabalhadores e sua familia. A atuacao profissional sera orientada por uma pratica "de cunho humanista conservador contrario aos idearios liberal e marxista na busca de superacao da hegemonia do pensamento social da Igreja em face da 'questao social'" (YAZBECK, 2009, p. 131).

O que a literatura, de forma geral, nos mostra e que as intervencoes estavam pautadas nas concepcoes ideopoliticas da classe dominante, em seus valores morais e sociais, no ajustamento individual as normas e no combate a ociosidade e a vadiagem como elementos constitutivos dessa formacao. Todo esse cenario desencadeou a fundacao da primeira escola de Servico Social no Brasil em 1936, sediada em Sao Paulo, e, em 1937, no Estado do Rio de Janeiro (11).

Backx (1994) e Iamamoto e Carvalho (1996) concluem que a institucionalizacao do Servico Social, no Brasil, foi feita de forma interligada as atividades e a doutrina social da Igreja Catolica, com o respaldo do Estado brasileiro. Essa perspectiva de analise, ainda que fundamental, precisa relativizar o contexto cultural da epoca e as limitacoes de genero existentes. Por isso, destacamos a importancia de se pensar as diversas experiencias, no espaco das microrrelacoes, no qual se desenvolve o processo de construcao das identidades.

A literatura da historia das mulheres tem buscado problematizar o fato de que foi nas profissoes ligadas ao "cuidado" (como e o caso do Servico Social, enfermagem, pedagogia) que muitas mulheres conseguiram uma primeira forma de "saida" (12) de seus lares para os espacos publicos. Isso pode e deve ser pensado como estrategia politica de ruptura dos papeis que lhes eram atribuidos socialmente por uma sociedade conservadora, machista, sexista, heteronormativa.

Cabe ressaltar que o sexismo e o machismo repousam na crenca naturalizada de que as caracteristicas biologicas justificam a diferenciacao social entre homens e mulheres, resultando na subordinacao da mulher e no...

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