Homeschooling é um prejuízo aos direitos da criança e do adolescente

O ensino domiciliar no Brasil foi objeto de decis ão do Supremo Tribunal Federal em setembro de 2018. No Recurso Extraordinário 888.815-RS, submetido à sistemática da repercussão geral, o tribunal adotou tese com o seguinte teor: “Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira” (Tema 822).

A simplicidade da tese proclamada esconde a riqueza do debate realizado no tribunal. No julgamento, tr ês orientações foram assumidas pelos ministros da corte.

Para a primeira linha de compreensão, inaugurada pelo ministro Luís Roberto Barroso, a Constituição Federal cuida exclusivamente do ensino oficial escolar, ministrado em estabelecimento público ou privado, mas não proíbe o ensino domiciliar, de que resulta uma autorização implícita. Para essa orientação, uma leitura não paternalista e oficialista da Constituição permite reconhecer o direito de opção dos pais para recusarem as instituições formais de ensino e assumirem a responsabilidade pela formação educacional de crianças ou adolescentes na intimidade do lar, mantida a obrigação de avaliações oficiais periódicas.

Nesse primeiro intelecção, normas vagas sobre educação constantes da Constituição devem ser densificadas pelo intérprete, sendo viável encontrar fundamento para o homeschooling em seu artigo 227 (“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito (..) à educação”) e no artigo 229 (“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”).

O ensino domiciliar, ainda nessa primeira orientação, é compatível com a Constituição Federal e pode ser implementado mesmo antes de sua disciplina pelo Congresso Nacional, desde que os pais notifiquem as secretarias municipais previamente da opção realizada, observem as unidades curriculares oficiais e os educandos domésticos sejam submetidos às mesmas avaliações periódicas a que se submetem os demais estudantes de escolas públicas ou privadas. O homeschooling nessa leitura deve ser considerado modalidade específica de “ensino oficial e curricular”, embora realizado no lar, e não se traduz em segregação domiciliar do educando porque este pode socializar com outros estudantes em atividades extraclasse.

Para uma segunda orienta ção, de sentido oposto, inaugurada pelo ministro Luiz Fux, o ensino domiciliar “não pode ser considerado meio de cumprimento do dever de educação”, sendo proibido pela Constituição Federal, pois a carta estabelece a obrigatoriedade do ensino escolar, exigindo dos pais a matrícula dos filhos em instituições oficiais de ensino, públicas ou privadas, assim como o dever de zelar pela frequência do educando à escola no ensino fundamental (artigo 208, parágrafo 3º, da CF: “Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazendo-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola”).

Para essa segunda linha de compreensão, o princípio do melhor interesse da criança, a função socializadora da escola, o princípio do pluralismo ideológico, religioso e moral inviabilizam inclusive o legislador infraconstitucional a autorizar modalidades de homeschooling. Práticas de desescolarização não se compatibilizam com o imperativo constitucional de formação integral e de socialização do educando.

Segundo ainda esta segunda orientação, a escolarização obrigatória encontra suporte em diversas normas constitucionais que valorizam a formação plural e complexa da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT