Homofobia no futebol masculino

AutorThaís Marafanti
Páginas159-168

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O futebol sem dúvida é considerado como paixão nacional e até mesmo mundial. A cada quatro anos o mundo se volta a um determinado país, para acompanhar a Copa do Mundo, que nada mais é do que trinta e duas seleções, compostas por jogadores homens, disputando o troféu de melhor futebol do mundo.

O ambiente do futebol é reconhecido como a “casa dos homens”, ou seja, um lugar de homem para homem, onde eles mostram sua virilidade e competitividade, exercitam a sociabilidade e é usado para fortalecer o corpo. Diferente do ballet ou da ginástica, que é um esporte delicado, voltado para a mulher, modelar o corpo.

E nesse ambiente em que se necessita afirmar tanto a masculinidade, será que há espaço para os homossexuais?

É justamente sobre esse assunto que passaremos a tecer alguns comentários.

1. Diferenças entre sexo, orientação sexual e identidade de gênero

Inicialmente é necessário fazer, em apertada síntese, uma distinção entre as expressões sexo, sexualidade e gênero1.

O sexo biológico é conjunto de informações cromossômicas, órgãos genitais, capacidade reprodutiva, que distinguem o macho da fêmea.

A identidade ou papel de gênero é um comportamento social, culturalmente e historicamente deter-minado que revela como a pessoa se identifica. Eles não nascem com a pessoa, mas são impostos pelos meios sociais e culturais que a pessoa é inserida. Assim, a sociedade padroniza o que é ser masculino e o que é ser feminino. E a pessoa pode concordar ou não com o gênero que lhe é atribuído. Para ficar mais claro, vamos exemplificar: a mulher é atribuída a cor rosa e brincadeiras com bonecas, casinhas, enfim voltadas para a “família”, já ao homem é atribuído a cor azul, brincadeiras mais ágeis, como dirigir um carro e jogar futebol.

Já a sexualidade ou orientação sexual é atração, seja física e/ou emocionalmente, que a pessoa se manifesta em relação à outra para satisfação dos seus desejos. Há três tipos de orientação sexual, sendo o heterossexual, que é aquele que sente atração por pessoas dos sexo/gênero oposto; o homossexual que é a pessoa que tem atração por pessoas do mesmo sexo ou gênero e o bissexual, que é a pessoa que tem atração por pessoas de ambos os sexos. E por fim, há ainda a assexual, que são pessoas que não tem atração sexual por nenhum dos sexos ou gêneros.

Feita essa distinção, verificamos que o assunto em tela se relaciona tanto a questões da identidade ou papel de gênero, construída na sociedade, que sempre “pré-determinou” o futebol como um esporte de homem com gênero masculino, como no tocante a orientação sexual e o grande preconceito que há em relação à homossexualidade entre os jogadores e torcedores, principalmente de futebol e a sua rejeição pela torcida, trazendo atitudes homofóbicas graves.

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2. A homossexualidade

A história da homossexualidade é tão antiga quanto à humanidade. Nas civilizações antigas há registro de sua prática, nas figuras e esculturas. A depender dos valores culturais vigentes, ela passou a ser tolerada ou condenada pelos povos. Na Grécia Antiga, o amor entre homens era considerado como a mais alta forma de afeição, sendo que as relações entre homem-mulher tinham apenas a finalidade de reprodução. Em Esparta era comum os homens guerrear juntos, pois com essa afetividade e que se aumentava a capacidade de luta. Já em Portugal, por influência da Igreja Católica, na época da Inquisição, foi fortemente proibida e punida, por ser considerada “coisa do demônio”.2

Durante toda a evolução de valores que ora classificavam como crime, ora como doença, permeava a angústia de buscar a causa da diversidade nas orientações sexuais.

2.1. Movimento homossexual

Os primeiros estudos do homossexualismo come-çaram no século XIX, quando o modelo biológico, superou o religioso, e os homossexuais passaram a ser considerados “doentes”, portanto que precisavam ser curados. Assim foram usados tratamento para a “cura gay”, como a aplicação de choque, esterilização, castração, aplicação de hormônios masculinos.

Nos Estados Unidos da América, na década de 1960, impulsionado pelo movimento negro que estava organizado e forte, trazendo a tona discussão sobre a igualdade do homem branco e negro, surgem os primeiro movimentos contra a homofobia e a liberdade sexual.

Só que o movimento dos homossexuais ainda era bem atrasado em relação aos negros. No ano de 1968, na cidade de Nova York, ainda era considerado crime “contra a natureza” e ensejava a prisão, a prática de relação sexual, entre pessoas do mesmo sexo. Nessa época, os homossexuais não tinham qualquer representação política e eram vítimas de assassinatos, sendo justificados como uma forma de “limpeza gay”. Assim, a falta de apoio político, somada as leis homofóbicas, fez com que a população odiasse e perseguisse a população homossexual3. O único refúgio eram os bares gays.

Até que no ano 1969, teve o grande marco do movimento gay. A polícia nova iorquina, invadiu um bar chamado Stonewall frequentado pela população homos-sexual, dando voz de prisão a todos. Uma mulher se rebelou e foi espancada quase até a morte. Pessoas que passaram pela rua, vendo a ação policial e a gritaria, fecharam a entrada do bar, colocando barricadas. A polícia ficou acuada e a reação ganhou força. A batalha durou duas noites e pela primeira vez uma parcela da população se uniu aos gays, organizando uma passeata, onde os homens se vestiram de terno e gravata e as mulheres de vestido, com o intuito de mostrar que eles eram iguais a todas as pessoas. Após esse dia, a comunidade LGBT4 ganhou força e notoriedade5.

Alguns ano depois, em 1973, a homossexualidade deixou de ser uma doença pela Associação Americana de Psiquiatria6.

Além disso, com o surgimento das democracias liberais nas décadas de 1980 e 1990, surgiram as condições socioeconômicas para o desenvolvimento de uma atividade política em torno da sexualidade.

No entanto, somente em 1993, a Organização Mun-dial de Saúde retirou o termo “homossexualismo”7 da

Classificação Internacional de Doenças. Em 1998, a Associação Americana de Psiquiatria se posicionou contra as terapias de cura, como eram chamadas, para tentar converter os homossexuais em heterossexuais.

2.2. A proteção legal da homossexualidade no direito internacional

O art. 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que:

“Todos os seres humanos devem proclamar os direitos e a liberdade, sem distinção, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.

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A proteção da diversidade sexual é um tema cada vez mais em pauta, pois as pessoas estão assumindo a sua sexualidade e lutando pelos direitos de receberem igual tratamento jurídico e social. De uma maneira geral, as normas vedam a discriminação por qualquer motivo e pregam a igualdade de todos. No entanto, quando o assunto é proteção à homossexualidade não há lei regulando, nem vedando, portanto, tem-se uma lacuna legislativa.

A Organização das Nações Unidas, no âmbito do seu Conselho de Direitos Humanos, tem elaborado resoluções voltadas a este grupo vulnerável, como por exemplo o texto feito na conferência realizada 2006, na Indonésia, na cidade de Yogyakarta, para discutir assuntos relacionados à orientação sexual e diversidade de gênero, sendo produzido ao final um documento que serve de orientação para os Estados, no tocante a legislação interna sobre o assunto. Ressalta que tal documento não foi produzido por força dos Estados, mas por humanistas e organizações preocupadas com os direitos da população LGBT.

Merecem destaques dois princípios: o segundo que tratou dos direitos à igualdade e a não discriminação, prevendo que é dever do Estado a implementação de todas as ações apropriadas, inclusive programas de educação e treinamento com a perspectiva de eliminar atitude ou comportamento preconceituosos ou discriminatórios relacionados à ideia de inferioridade ou superioridade de qualquer que seja a orientação sexual e o vigésimo sexto, o qual garante a todos o direito de participar livremente da vida cultural, devendo o Estado assegurar essa oportunidade, bem como de promover o diálogo e o respeito mútuo.

Como se vê esse documento serve apenas de orientação, não tendo força cogente, portanto não é lei em sentido estrito.

2.3. A proteção legal da homossexualidade no direito brasileiro

No âmbito constitucional brasileiro, um dos princípios da República Federativa do Brasil é a Dignidade da Pessoa Humana e entre os objetivos fundamentais está a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer forma de discriminação.

Dentre os direitos e garantias fundamentais, destaca-se o art. 5º, caput, da Constituição Federal, que estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, fundamentado constitucionalmente o princípio da igualdade, que veda toda e qualquer discriminação.

Além disso, o art. 5º, inciso II, da Carta Magna, prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Essa restrição da liberdade, portanto somente pode se operar por meio de lei. A autonomia privada é algo amplo e consiste na capacidade de autodeterminação de comportamento, o que inclui a liberdade de fazer escolhas existenciais, como: com quem casar, onde viver...

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