Homonationalism and LGBT citizenship in times of neoliberalism: dilemmas and impasses of the struggle for sexual rights in Brazil/Homonacionalismo e cidadania LGBT em tempos de neoliberalismo: dilemas e impasses as lutas por direitos sexuais no Brasil.

AutorIrineu, Bruna Andrade
CargoLutas, Cidadania e Direitos Humanos

Introducao

E nosso interesse, neste artigo, analisar os processos que tem envolvido as lutas pelo reconhecimento dos direitos sexuais de lesbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Ao tratar sobre as lutas e demandas por cidadania e direitos humanos desta populacao, torna-se necessario refletir sobre democracia e justica no contexto brasileiro.

As lutas envolvendo genero e sexualidade se instituem como movimento social organizado com o movimento feminista, no final do seculo XIX, no Ocidente, ampliando-se com a emergencia do movimento homossexual na decada de 1960. Estes movimentos questionaram a opressao e a subordinacao das mulheres, confrontaram os modelos de familia e o padrao de sexualidade, bem como instituiram uma "politica do corpo" com capacidade de tensionar a biologizacao do sexo e o binarismo de genero (1).

A formacao socio-historica e cultural da nacao brasileira e marcada pelo poder oligarquico, por patrimonialismos, pelo clientelismo, pelo panico a mesticagem, envolto no racismo e no desejo pela branquitude, e pelo estabelecimento de um modelo familiar que delineou um padrao de masculinidade e (hetero)sexualidade, ancorado na dominacao das mulheres (CARVALHO, 2008; MISCKOLCI, 2012). Essas caracteristicas das relacoes sociais no Brasil tambem estao imbricadas em uma logica de subalternizacao da sociedade civil em oposicao a hipervalorizacao do Estado, o que Carvalho (2008) nomeou de estadadania. A excessiva valorizacao do Poder Executivo e apontada pelo autor como um fator significativo para a debilidade da democracia brasileira.

Em consonancia, Chaui (2007), ao retomar os processos de formacao de nosso pais, revela o autoritarismo do Estado a partir do indicativo de negligenciamento e corrosao da democracia. O proprio Estado tornase, assim, o maior perpetuador da violencia. Para a autora, as raizes deste autoritarismo se localizam no liberalismo, que emerge atraves destas lacunas da democracia, perpassando-a. Assim, as praticas sociais, politicas e eco nomicas sao marcadas por relacoes de privilegio, despotismo e clientelismo, incapazes de reconhecer os direitos humanos " nem em seus aspectos de igualdade juridica.

Portanto, a violencia do Estado, sendo superior a do individuo, abre um grande espaco para a violacao dos direitos humanos. Isto ocasiona, tambem, o que lamamoto (2009) chamou de radicalizacao da questao social, que se traduz pela expressao contraditoria das relacoes de producao e reproducao social no capitalismo. Isto envolve a constante exclusao das classes subalternas dos processos decisorios de poder e a criminalizacao das manifestacoes e dos movimentos sociais que criticam a ordem social vigente.

Ainda para lamamoto (2009, p. 123), a questao social tem uma raiz comum que correlaciona o fato de a producao social tornar-se cada vez mais coletiva enquanto o trabalho fica mais amplamente social, ao passo que a apropriacao dos seus frutos permanece privada e monopolizada pela elite burguesa. A sua radicalizacao agrava a exploracao e as desigualdades sociais, segregando as classes subalternas que nao conseguem se inserir no mercado. A essa classe, "as alternativas que se lhes restam, na otica oficial, sao a violencia e a solidariedade".

Todavia, e necessario ressaltar a resistencia a exploracao e a dominacao, enquanto face politizada da "questao social", que se expressa no processo de organizacao das lutas sociais. Essa politizacao se da em torno da ampliacao da democracia e da cidadania, e e percebida por Coutinho (1997) como elemento que entra em choque com o ideario do sistema capitalista. Esse embate reforca a critica que Mascaro (2013, p. 84) faz ao senso comum atual, que costuma vincular capitalismo a democracia. Retomando momentos da Grecia e de Atenas durante o modo de producao escravista e de sociedades capitalistas, este autor aponta que nao havia democracia, como nas ditaduras instauradas na America Latina. Assim, em sociedades capitalistas, a democracia acaba sendo "mais excecao, do que regra".

Mascaro (2013, p. 85) argumenta que, no capitalismo, a forma politica democratica esta imbricada a forma juridica, o que denota sua limitacao. "Os agentes economicos sao tornados sujeitos de direitos e, como extensao dessa subjetividade para o plano politico, cidadaos." Assim, a acao politica e norteada pela liberdade de negociacao/mercado, pela igualdade formal e propriedade privada. Democracia estaria condicionada, nas sociedades contemporaneas, a forma politica estatal que vincula o "plano eleitoral e o plano constitucional e da garantia da subjetividade juridica" necessaria a reproducao do capital, reforcando o direito como locus fundamental da vida politica. (MASCARO, 2013, p. 85).

Neste sentido, a democracia, ancorada no direito e na sociabilidade do capital, representa um espaco de liberdade deliberativa (pela possibilidade do sufragio universal) e tambem de interdicao as lutas sociais (pelo bloqueio das lutas que nao estejam previstas em termos juridicos exatos). Isto gera uma sensacao falaciosa--ou liberal--de democracia e cidadania (MASCARO, 2013; COUTINHO, 1997).

Sob o prisma desta critica, pretende-se abordar, neste texto, o percurso para o reconhecimento dos direitos sexuais, no campo dos direitos humanos, e a configuracao das lutas sociais LGBT no contexto brasileiro. Observa-se um avanco na insercao das demandas LGBT no ambito das politicas publicas. Ao mesmo tempo, mostra-se a ineficacia destas respostas governamentais frente aos altos indices de violencia letal a essa populacao, apos os dez anos de lancamento do Programa Brasil sem Homofobia (BSH).

Articulam-se, neste cenario, os constantes retrocessos das pautas por reconhecimento da diversidade sexual devido ao recrudescimento dos grupos conservadores, especialmente no Legislativo. Como forma de ilustrar essa conjuntura, retoma-se episodios de conquista e recuo das pautas LGBT. Ao final, propoe-se uma conclusao assentada na critica ao homonacionalismo.

Um panorama da insercao dos direitos sexuais na pauta global dos direitos humanos

Os direitos humanos tem seu nascimento nas lutas burguesas pela queda do absolutismo feudal, dos privilegios da nobreza e do clero, no final do seculo XVIII. Forti (2012, p. 274) considera nao ser possivel negar que ha avancos na proposta destas lutas, decorrentes da "perspectiva de autonomia, ou seja, das leis como produto da razao humana, se comparada a logica da heteronomia--preponderante no mundo feudal--e da possibilidade de Direitos Humanos (civis e politicos)".

Todavia, e importante lembrar que, embora seja considerada o marco dos direitos humanos, a Revolucao Francesa conforma seu legado a uma perspectiva liberal. Inspirada em um direito "natural", que incorre numa nocao individualista e a-historica da humanidade, reforcou uma concepcao de ser humano eurocentrica, branca e masculinista. Determinou o dominio de uma elite a partir do estabelecimento da propriedade privada e da igualdade civil (perante a lei), assegurando a liberdade individual, mas nao de forma universal. Assim, "a instituicao do binomio legal--igualdade/liberdade --permitiu que emergisse a figura juridica do 'sujeito de direitos', viabilizando a livre contratacao, imprescindivel a sociedade capitalista." (FORTI, 2012, p. 275). Os argumentos apresentados por Forti (2012) reiteram o que ja haviamos apontado na introducao, ao referirmo-nos sobre democracia e acompanhando Mascaro (2013).

Em outra perspectiva, Vieira (2005, p. 21) apontou que a transicao do Estado Absolutista para o Estado de Direito, invertendo a "relacao tradicional de direitos dos governantes e deveres dos suditos, agora o individuo tem direitos, e o governo obriga-se a garanti-los". O autor afirma que a concepcao jusnaturalista presente na Declaracao Francesa tambem foi incorporada na Declaracao Universal dos Direitos do Homem, da Organizacao das Nacoes Unidas (ONU), em seu primeiro artigo "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Apoiando-se em Hanna Arendt, Vieira (2005, p. 21) reitera que a igualdade "nao e um dado, e um construido". E afirma que "e com o nascimento do Estado de Direito que o ponto de vista do principe se transforma em ponto de vista do cidadao", passando a ter nao so "direitos privados", mas tambem "direitos publicos".

Neste bojo, trataremos da internacionalizacao dos direitos humanos em sua constituicao juridica, que se institui no periodo posterior a Segunda Guerra Mundial, como "resposta as atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo [...] que resultou no exterminio de 11 milhoes de pessoas". (PIOVESAN, 2014, p.02).

Para Piovesan (2014), o maior marco do "processo de reconstrucao dos direitos humanos" e a Declaracao Universal dos Direitos Humanos de 1948, da ONU, cuja formulacao foi arenosa, o que se expressou em seu carater "generalizante" sobre vida, desigualdade e discriminacao, por exemplo. Pereira (2011) afirma que os "direitos sociais" so foram inseridos na Declaracao de 1948 por pressao do Terceiro Mundo e do mundo comunista. No entanto, a afirmacao de Piovesan (2014) baseia-se no fato de que esta Declaracao introduziria, na concepcao contemporanea de direitos humanos, a universalidade e a indivisibilidade destes direitos.

Universalidade porque clama pela extensao universal dos direitos humanos, sob a crenca de que a condicao de pessoa e o requisito unico para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e politicos e condicao para a observancia dos direitos sociais, economicos e culturais e vice-versa. Quando um deles e violado, os demais tambem o sao. Os direitos humanos compoem assim uma unidade indivisivel, interdependente e inter-relacionada. (PIOVESAN, 2014, p. 03).

Essa perspectiva universalista e indivisivel, apresentada na Declaracao de 1948, trouxe pressupostos generalizados acerca do direito a vida, integridade fisica, saude, igualdade e nao discriminacao. Em um processo de democratizacao e...

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