Homossexualidade e educação infantil: bases para a discussão da heterossocialização na infância
Autor | Daniela Finco |
Páginas | 47-63 |
47
Niterói, v.12, n.2, p. 47-63, 1. sem. 2012
HOMOSSEXUALIDADE E EDUCAÇÃO
INFANTIL: BASES PARA A DISCUSSÃO DA
HETEROSSOCIALIZAÇÃO NA INFÂNCIA
Daniela Finco
E-mail: danielafinco@gmail.com
Resumo: Este artigo discute a construção da identidade de gênero na in-
fância e analisa as interações entre professoras e crianças em geral e, espe-
cialmente, as crianças que transgridem os padrões de gênero que lhes são
impostos. Trata de um processo de socialização de gênero caracterizada
por uma disciplina heteronormativa de controle, regulação e normatiza-
ção dos corpos e dos desejos de meninas e meninos na educação infantil.
Revela os espaços da pré-escola como espaços de encontro, confronto e
convívio com a diversidade. Nesse contexto, as possibilidades de produção,
reprodução e resistência à discriminação de gênero interagem de maneira
complexa e colocam-nos muitos desafios.
Palavras-chave: educação infantil; gênero; sexualidade.
Abstract: This article discusses the construction of gender identity during
childhood and analysis the interactions among school teachers and chil-
dren especially those who trespass the imposed gender behavior standar-
ds. Moreover, the article examines a kind of gender socialization process
marked by a controlling heteronormative discipline, regulation and norma-
lization of boys and girls bodies and desires during the early schooling ye-
ars. It also shows how the schools such boys and girls attend are spaces of
encounters and confrontations with diversity. In this context, the possibi-
lities of production, reproduction and resistance to gender discrimination
interact in a complex way and make us face many challenges.
Key words: children education; gender; sexuality
48 Niterói, v.12, n.2, p. 47-63, 1. sem. 2012
Introdução
Este artigo analisa a construção da identidade de gênero na infância e
problematiza o processo de heterossocialização das crianças pequenas em
instituições de educação infantil. As análises aqui apresentadas resultam
de uma pesquisa realizada, no âmbito do doutorado, em uma escola mu-
nicipal de educação infantil da rede municipal de São Paulo – Emei (FINCO,
2010). O objetivo foi observar e interpretar as interações entre professoras e
crianças em geral e, especialmente, as crianças que transgridem os padrões
de gênero que lhes são impostos. Tratou-se de uma investigação qualitati-
va, de inspiração etnográfica, que envolveu quatro turmas de crianças de
três a seis anos e suas professoras, e recorreu-se aos registros das obser-
vações em caderno de campo e às entrevistas realizadas com professoras.
O que podemos ver é um processo de socialização de gênero que pos-
sibilita experiências corporais marcadas por uma relação desigual que diz
respeito às experiências vividas por meninas e meninos. Assim, trata-se de
uma relação – caracterizada por uma disciplina heteronormativa de con-
trole, regulação e normatização dos corpos e dos desejos de meninas e
meninos – forjada por práticas e estratégias de organização dos tempos e
dos espaços na educação infantil. Um ato disciplinar que separa e segrega
meninos e meninas, individualiza a criança que transgredir as fronteiras de
gênero, tratando-a como um “caso” a ser observado, vigiado, examinado
e, se possível, normatizado. Destaco os relatos das professoras sobre as
“transgressões” de meninas e meninos, mostrando aquelas que são ligadas
à futura orientação sexual das crianças e que, por isso, mais incomodam e
afligem essas profissionais.
Para tanto, este artigo aborda as bases médicas e biológicas, discu-
tidas por Anne Fausto-Sterling (2000), que fazem parte dos construtos e
dos conhecimentos nos quais as professoras se baseiam ao lidar com os
conflitos relativos às questões de gênero na infância, tais como a explica-
ção das diferenças baseada na biologia e na genética e a compreensão da
identidade de gênero das crianças como estática e universal. A análise pro-
blematiza a tensão entre o caráter biológico e o caráter social no interior da
construção da identidade de gênero na infância. A proposta é desconstruir
os conceitos tradicionalmente utilizados para a abordagem da infância e
com os quais as crianças têm sido metodicamente tematizadas nas ciências
sociais; discutir as bases teóricas da medicina, da biologia e da psicologia; e
problematizar os fundamentos do determinismo biológico na construção
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO