Honorários advocatícios de sucumbência recíproca e parcial no processo trabalhista (art. 791-A, § 3º, CLT)

AutorMarcos Cesar Rampazzo Filho
Páginas302-307

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Ver Nota1

1. Da Introdução

A denominada “reforma trabalhista” (Lei n. 13.467/2017) promoveu alterações substanciais no Direito Processual do Trabalho, sendo que, entre as principais mudanças, se destaca a instituição, em caráter geral, dos honorários advocatícios sucumbenciais.

A novidade consta do recém-criado art. 791-A da CLT, cuja redação é inegavelmente inspirada no Código de Processo Civil. O novel dispositivo (que, vale dizer, é de questionável constitucionalidade – pois cria significativo óbice ao acesso à justiça2), assim prevê:

“Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

§ 1º – Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.

§ 2º – Ao fixar os honorários, o juízo observará:

I – o grau de zelo do profissional;

II – o lugar de prestação do serviço;

III – a natureza e a importância da causa;

IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

§ 3º – Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.

§ 4º – Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

§ 5º – São devidos honorários de sucumbência na reconvenção.”

Wagner D. Giglio, certa vez, repudiou o art. 5º da Instrução Normativa n. 27/2005 do TST (que dispõe: “exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência”), aduzindo que tal dispositivo “causa espécie por sujeitar o trabalhador sucumbente ao pagamento dos honorários advocatícios do tomador de serviços vitorioso”3 e que, “se vier a prevalecer, esse preceito violará o princípio protecionista do trabalhador, que informa toda legislação laboral, infringirá a regra geral de gratuidade do processo e, assim, oporá sério obstáculo à facilitação do acesso ao organismo jurisdicional que sempre foi o apanágio da Justiça do Trabalho”4. A citada crítica é, hoje, oportuna e integral-mente dirigida ao art. 791-A da CLT.

Ultrapassada, contudo, a ânsia de censurar o instituto, a pretensão deste estudo é contribuir para a construção de entendimento adequado acerca dos honorários advocatícios sucumbenciais, levando em consideração que o processo trabalhista possui relevantes peculiaridades, não encontradas no processo civil. Serão, primeiramente, analisadas questões elementares a respeito dos honorários advocatícios de sucumbência, passando pela necessária distinção entre sucumbência recíproca e parcial, para, ao final, se tentar encontrar resposta ao seguinte problema: no que tange aos honorários advocatícios sucumbenciais, o processo trabalhista admitirá a sucumbência recíproca e, também, a sucumbência parcial?

2. Da responsabilidade pelos honorários advocatícios sucumbenciais

A ideia de que o litigante derrotado deve custelar as despesas que o vencedor teve com a contratação de advogado remonta ao direito romano, para o qual a medida constituía “uma pena imposta ao litigante temerário”5.

No entanto, muito embora não se tenha abandonado completamente a concepção de que o vencido é penalizado com a imposição de patrocínio dos honorários advocatícios da parte contrária, prevaleceu o entendimento de que esta obrigação decorre, na verdade, do fato de que o vencedor sofre prejuízos materiais em razão da demanda,

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os quais devem ser ressarcidos pelo derrotado6. Giuseppe Chiovenda, nesse sentido, afirma que o fundamento da condenação nos honorários advocatícios de sucumbência “está em que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva”7. Sobre o caráter ressarcitório dos honorários sucumbenciais, Cândido Rangel Dinamarco elucida que:

“Quem tem direito a um bem material, a determinada quantidade pecuniária, a uma situação jurídica nova etc., tem o direito de receber integralmente o que lhe é devido; mas, se tiver de gastar com o processo e não vier a ser reembolsado, ele receberá aquilo a que tinha direito menos o que houver gasto. Também aquele que não tinha obrigação alguma, mas para manter o status quo precisou despender dinheiro para defender-se da demanda de outrem, acabaria por ficar desfalcado desse valor apesar de ter razão”8.

Árdua missão, contudo, sempre foi definir qual é o litigante responsável pelo custeio dos honorários advocatícios sucumbenciais. Chiovenda, à vista disso, elaborou o intitulado “princípio da sucumbência”, segundo o qual, para se determinar a responsabilidade pelos honorários de sucumbência, importava apenas o “fato objetivo da derrota”9. Em outras palavras, para o jurista italiano, deveria responder pelo pagamento dos honorários de sucumbência tão somente aquele que foi derrotado na demanda, independentemente de sua conduta. Logo se percebeu, porém, que condicionar a responsabilidade pelos honorários “alla soccombenza pura e semplice10 não era suficiente para resolver, de forma adequada, todas situações, como, por exemplo, quando a própria parte vencedora dava causa à demanda11.

A doutrina desenvolveu, então, a ideia de que a definição do litigante responsável pelos honorários advocatícios de sucumbência deveria ir além do mero resultado objetivo da demanda, considerando a conduta das partes e a causa eficiente do processo ou de seu desenvolvimento12. Tal concepção, que ainda hoje (com singelas modificações) perdura13, ficou conhecida como “princípio da causalidade”, sendo considerada mais justa (do que o “princípio da sucumbência”), porque atribui ao litigante que tenha tornado necessário o processo a obrigação de pagar os honorários sucumbenciais14. Dinamarco, mais uma vez, esclarece a questão, ensinando que “responde pelo custo do processo aquele que haja dado causa a ele, seja ao propor demanda inadmissível ou sem ter razão, seja obrigando quem tem razão a vir a juízo para obter ou manter aquilo que já tinha direito”15.

O “princípio da causalidade”, entretando, não exclui nem está dissociado do “princípio da sucumbência”16. O primeiro é apenas mais amplo do que o segundo, de modo que a sucumbência (ora entendida como derrota) é um indício de causalidade, pois, conforme Youssef Said Cahali, “quando se responde à indagação singela a respeito de qual das partes terá dado causa ao processo, o bom senso sugere, imediatamente, a resposta: a parte que estava errada”17. Dinamarco adverte, todavia, que “a sucumbência é um excelente indicador dessa relação causal, mas nada mais que um indicador18.

A fim de que não restem dúvidas de que a responsabilidade pelos honorários advocatícios sucumbenciais é, também no processo trabalhista, regida pelo chamado “princípio da causalidade”, cabe transcrever parte da justificação do art. 791-A da CLT, constante do parecer do relator do Projeto de Lei n. 6.787/2016 na Câmara dos Deputados (que deu origem à Lei n. 13.467/2017):

[...] “Além disso, o estabelecimento do sistema de sucumbência coaduna-se com o princípio da boa-fé processual e tira o processo do trabalho da sua ultrapassada posição administrativista, para aproximá-lo dos demais ramos processuais, onde vigora a teoria clássica da causalidade, segundo a qual quem é sucumbente deu causa ao processo indevidamente e deve arcar com os custos de tal conduta”. (grifamos)

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Conclui-se, assim, que, em regra, o litigante vencido é quem terá dado causa ao processo e, por conseguinte, deverá responder pelos honorários do advogado do vencedor19. Existirão, contudo, situações em que o próprio vencedor terá causado o processo, quando, então, mesmo tendo obtido êxito na demanda, responderá pelos honorários do advogado do vencido.

Dito isso, passa-se ao exame da sucumbência recíproca e parcial, nas quais, ambos os litigantes terão dado causa ao processo e, por conta disso, responderão concomitantemente pelos honorários advocatícios sucumbenciais.

3. Da necessária distinção entre a sucumbência recíproca e a parcial

A sucumbência recíproca (ou mútua), de acordo com Cahali, pressupõe existência, simultânea, de mais de uma demanda (e.g., ação principal e reconvenção), cada uma com um único pedido, ou a existência de vários pedidos cumulados em uma só...

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