Humor e responsabilidade na internet

AutorChiara Spadaccini de Teffé e Jonathan de Oliveira Almeida
Ocupação do AutorDoutoranda e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas125-144
HUMOR E RESPONSABILIDADE
NA INTERNET
Chiara Spadaccini de Teffé
Doutoranda e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professora de Direito Civil e de Direito e Tecnologia na faculdade de Direito
do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). Professora em cursos do CE-
PED-UERJ, da Pós-graduação da PUC-Rio, da EMERJ, do Instituto New Law, do ITS Rio
e da Pós-graduação em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil da EBRADI.
Membro do conselho executivo da revista eletrônica civilistica.com. Coordenadora da
Disciplina Direito e Internet no Instituto New Law. Membro do Fórum permanente de
mídia e liberdade de expressão da EMERJ. Associada ao Instituto Brasileiro de Estudos
em Responsabilidade Civil (IBERC). Foi professora substituta de Direito Civil na UFRJ
e pesquisadora do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio). Parecerista de
periódicos jurídicos e advogada. E-mail: chiaradeteffe@gmail.com
Jonathan de Oliveira Almeida
Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Gra-
duado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do curso
de pós-graduação do Instituto New Law. Advogado. E-mail: jthalmeida@gmail.com
Sumário: 1. Introdução. 2. Humor e liberdade de expressão: vale tudo? 3. Humor e responsa-
bilidade: quem responde pelos excessos? 4. Considerações nais. 5. Referências.
“Imagination was given to man to compensate him for what he is not;
a sense of humor to console him for what he is.”
— Francis Bacon
1. INTRODUÇÃO
Dezembro de 2019, mais um especial de natal do Porta dos Fundos1 é lançado.
Como sempre, ele desperta uma série de questionamentos de religiosos.2 Em “A primeira
tentação de Cristo”, Jesus volta para sua família, 40 dias após uma viagem ao deserto, na
companhia de seu amigo Orlando. À sua espera estão seus pais, familiares e Deus (ou tio
Vitório) para surpreendê-lo com uma festa de aniversário pelos seus 30 anos. Além de
questões relacionadas à sua real paternidade e à sexualidade de Maria, discute-se também
1. Produtora de vídeos de comédia veiculados na internet com mais de 16,3 milhões de inscritos em seu canal no
Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/user/portadosfundos. Acesso em: 31 jan. 20.
2. Em 2013, foi publicado pela primeira vez vídeo intitulado “Especial de Natal”, produzido pelo Porta dos Fundos,
com alguns esquetes que satirizavam o nascimento e a crucif‌icação de Jesus. Se, de um lado, diversos grupos cristãos
criticaram o vídeo e af‌irmaram que se sentiram ofendidos, de outro, a polêmica gerada aumentou a notoriedade do
grupo e elevou, expressivamente, o número de visualizações do mencionado vídeo. As denúncias propostas em face
do grupo, em razão do conteúdo exibido nos vídeos, acabaram sendo arquivadas ou julgadas improcedentes. Cf.
TEFFÉ, Chiara Spadaccini de. Humor e liberdade de expressão: vale tudo? Medium, 05 jan. 2017. Disponível em:
https://feed.itsrio.org/humor-e-liberdade-de-express%C3%A3o-vale-tudo-3f3e2177b0cc. Acesso em: 15 jan. 20.
CHIARA SPADACCINI DE TEFFÉ E JONATHAN DE OLIVEIRA ALMEIDA
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uma possível relação homossexual entre Jesus e seu companheiro de viagem. Chegando
ao clímax, Deus conta para Jesus que ele é o Messias e deve salvar a humanidade, mas
ele, a princípio, recua: está caidinho por Orlando e quer levar uma vida normal. Ao
f‌inal, descobre-se que Orlando era, na verdade, Lúcifer tentando Jesus. Há, então, uma
batalha do bem contra o mal, se assim é possível dizer, com Jesus aceitando sua missão
e destruindo Satanás.
Nos últimos anos, alguns episódios reacenderam os debates sobre o humor e a
liberdade de expressão, fazendo chegar aos tribunais brasileiros diversos pedidos de
remoção de conteúdo e de responsabilização tanto penal quanto civil dos produtores
do material questionado. O tema da censura e o direito à liberdade religiosa também
foram colocados na mesa e, por vezes, em lados opostos. Sobre a questão, o Supremo
Tribunal Federal (STF) já consolidou entendimento no sentido de permitir, a princípio,
a manifestação dos mais variados discursos humorísticos, seguindo sua tendência de
conferir uma tutela privilegiada para as liberdades de expressão e de manifestação do
pensamento. Af‌irmou-se que programas humorísticos, charges e modo caricatural de
pôr em circulação ideias compõem as atividades de imprensa, sendo protegidos pelo
artigo 220 da Constituição Federal3. Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade
assegurada pela Constituição à imprensa, para que possa exercer o direito de expender
críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico
ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado.4-5
Após a publicação do último especial de natal, a Associação Centro Dom Bosco de
Fé e Cultura ajuizou, em face da Produtora Porta dos Fundos e da plataforma de strea-
ming Netf‌lix, uma Ação Civil Pública requerendo, em resumo, a proibição da exibição
do f‌ilme, bem como a reparação dos danos morais coletivos decorrentes do período em
que o especial esteve no ar.
A Associação alega que o f‌ilme traz agressões e ridiculariza a fé e os valores católicos
e cristãos em geral, representando ofensa deliberada e vil. Fundamenta sua tese na “In-
violabilidade do direito de crença, que inclui o direito do homem de não ser ofendido em
sua prof‌issão de fé, nem ter dolosamente desprezados os seus valores religiosos. Para os
católicos, a Imago Dei constitui o fundamento da dignidade humana. Ultrajado Deus, é o
3. “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. §1º Nenhuma lei conterá
dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de
natureza política, ideológica e artística. (...)”
4. STF. Medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451. Rel. Min. Ayres Britto. Julg. 02/09/2010.
5. Em 2018, na mesma Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Min. Rel. Alexandre de Moraes destacou que: “O
funcionamento ef‌icaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão,
possibilitando a liberdade de opinião, de criação artística, a proliferação de informações, a circulação de ideias;
garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas,
científ‌icos, literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL, é no espaço público de discussão
que a verdade e a falsidade coabitam. A liberdade de expressão permite que os meios de comunicação optem por
determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e
sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se
realiza, não havendo nenhuma justif‌icativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleito-
ral.” Informações disponíveis em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382174.
Acesso em: 21 out. 2019.

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