Pluralismo jurídico – um estudo de caso sobre a universalidade parcial dos direitos humanos na questão indígena e o multiculturalismo
Autor | Vaancklin dos Santos Figueredo |
Páginas | 67-72 |
Vaancklin dos Santos Figueredo. Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Graduado em Tecnologia em Processamento de Dados pelo Instituto de Tecnologia do Amazonas.
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A história da humanidade é cercada por uma gama de fatores que, em decorrência de relações complexas e muitas vezes difíceis de identificar, permeiam o conhecimento humano e traduzem em uma linguagem monista de seus interlocutores que a registraram sob sua ótica.
Dessas trajetórias historicizadas, percebemos uma preocupação primordial pela soberania das instituições dominantes, sejam religiosas, políticas ou econômicas que não só definem as organizações sociais e as relações dela existentes, como também, marginalizam as demais sociedades e suas respectivas culturas como pagãs ou selvagens.
Dentro dessa sistemática, as nações e países dominantes ou de maior influência econômica e política passaram a definir as estruturas sociais e determinar pelo arcabouço jurídico de sua sociedade, comportamento e ações tidas como certas, permitidas ou proibidas.
Nesse contexto, surge o direito como o instrumento coercitivo do Estado para exercer o controle que a ele pertence e padronizar os modos de vida.
Todavia, com o evoluir da história e a solidificação dos Direitos Humanos, várias garantias fundamentais passaram a ser tutelados pelo Estado, com o respeito à Cultura, ao combate ao Racismo e à adoção de ações para combater o etnocentrismo e o etnocídio de populações tradicionais.
Desta forma, foram criados mecanismos tanto pela comunidade internacional como pelo Brasil na defesa do Multiculturalismo e o respeito a cultura e a as suas formas de expressão.
Com isso, uma vez reconhecida na Constituição Federal a multiculturalidade da população brasileira, passou-se a adotar mecanismos para reduzir os comportamentos endêmicos de desrespeito ou desvalorização de manifestações culturais.
Dentre as inúmeras garantias fundamentais contidas na Constituição Federal, merece destaque a que reconhece o "Direito originário dos índios as suas terras tradicionalmente ocupadas" e a imprescindibilidade da existência de um território para o desenvolvimento da cultura indígena.
Vários casos polêmicos sobre o assunto chegaram a ser alvo de disputas judiciais, tais como o "Caso Ana Hanaki da Tribo dos Suruwaha" que segundo a tradição dessa tribo, todas as crianças que nasciam com problemas físicos deveriam ser sacrificadas.
O artigo será dividido em cinco seções, sendo esta primiera introdutória. A segunda seção tratará da universalidade parcial dos direitos humanos, no qual será discutida questões relacionadas à vida e a cultura. A seção seguinte abordará o caso "Caso Ana Hanaki da Tribo dos Suruwaha" e até que ponto o direito manutenção da cultura de um povo indígena deverá ser respeitado. Por fim, será mencionado a solução já apontada por vários autores que discorreram sobre os direitos fundamentais dos indígenas.
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Diante dessa nova realidade, principalmente com o processo de mundialização das relações sociais, sempre complexa e interligada a vários fenômenos de caráter localistas e que com universalização das informações e do conhecimento passaram por um processo revalorização e redescoberta.
A partir daí, o direito sempre estatal e rígido teve que enfrentar realidades distintas e novas para sua estrutura social, política e religiosa, mas, para a sua fonte nascedoura, secular e corriqueira, no qual o "direito imposto" já não mais supre o paradigma do Estado Soberano com agente capaz de garantir a Dignidade Humana e a manutenção das instituições democráticas.
O respeito à Dignidade Humana passa pelo respeito a muitos desses hábitos e costumes, de comunidades "nativas ou aborígenas1" incompreensíveis a primeira vista, foram frutos de uma evolução cultural, no qual é externada por complexas relações sociais, sempre descritas pelos historiadores através de opiniões e preconceitos já sedimentados, descrevendo uma cultura como selvagem.
Em contrapartida, MALINOWSKI2 já defendia que as sociedades nativas têm uma organização bem definida, governadas por leis, autoridade e ordem em suas relações públicas e particulares, e que estão, além de tudo, sob o controle de laços extremamente complexos de raça e parentesco.
Essa organização social, conforme demonstrou a ciência moderna é um entrelaçado de deveres, funções e privilégios intimamente associados, baseados em crença e costumes coerentes, pois seu surgimento e aperfeiçoamento nada mais é do que a forma como essas comunidades enxergam o mundo exterior.
Partindo dessa idéia, MALINOWSKI explica que selvagem é3:
A palavra "selvagem", qualquer que tenha sido sua acepção primitiva, conota liberdade ilimitada, algo irregular, mas extremamente, extraordinariamente original. A idéia geral que se faz é a de que os nativos vivem no seio da natureza, fazendo mais ou menos aquilo que podem e querem, mas presos a crenças e apreensões irregulares e fantasmagóricas.
O Brasil por ser um país de dimensões continentais possui inúmeras regionalidades culturais em um mesmo espaço geográfico, sustentadas não só por leis positivadas e codificadas, mas também por várias hábitos e costumes, válidos em pequenas organizações sociais.
CUNHA, melhor traduz essa idéia da singularidade de nosso território, ao descrever em seus relatos a Amazônia e o paradigma de homogeneidade e o pluralismo jurídico existente4:
[...] à ficção de direito estabelecendo por vezes a extraterritorialidade, que é a pátria sem a terra, contrapõe-se uma outra, rudemente física: a terra sem a pátria. É o efeito maravilhoso de uma espécie de imigração telúrica. A terra abandona o homem. Vai em busca de outras latitudes. E o Amazonas, nesse construir o seu verdadeiro delta em zonas tão remotas do outro hemisfério, traduz, de fato, a viagem incógnita de um território em marcha, mudando-se pelos tempos adiante, sem parar um segundo, e tornando cada vez menores, num esgastamento ininterrupto, as largas superfícies que atravessa.
Esse paradigma, fruto de um movimento sociológico do direito, passa a reconhecer e se preocupar essas manifestações normativas informais, como...
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