Subsídios sob a ótica do direito internacional econômico

AutorKarla Margarida
Páginas527-550

Karla Margarida. Professora do UNICEUB. Pesquisadora do Grupo Integrado de Pesquisa em Direito Internacional Econômico em Sistemas de Integração. Procuradora federal, lotada no CADE desde 1996, aonde responde pela Chefia de Estudos e Pareceres. Mestranda em Direito das Relações Internacionais; Especialista em Direito Econômico e Das Empresas (FGV), Bacharel em Direito pelo UniCEUB; Bacharel em Administração de Empresas pela UnB; Licenciada para magistério profissionalizante pela Universidade Católica de Brasília, tendo cursado a Escola da Magistratura do Distrito Federal. karlasantos@uol.com.br

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Introdução

Como signatário da declaração ministerial de Doha, no Qatar, em 14 de dezembro de 2001, o Brasil tem se mostrado um partícipe ativo das negociações que têm por objetivo incrementar o comércio mundial, imprimindo esforços na melhoria de condições de acesso aos mercados, bem como na eliminação progressiva de subsídios à exportação, elementos considerados nocivos ao salutar processo competitivo, em âmbito mundial.

A Rodada Uruguai caracterizou-se pelo alcance e definição de temas importantes para o comércio mundial, destacando-se a definição de subsídios.

Na rodada de Tóquio, apesar de ter se objetivado impedir a utilização de subsídios como prática nociva ao comércio entre os Estados membros, não se logrou êxito em definir como seriam aplicados os subsídios domésticos, cuja utilização também repercute no comércio transnacional.

Desde o estabelecimento do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Trade and Tariffs – GATT) verifica-se um propósito de criação de um mercado globalizado, com a manifesta intenção de eliminação de artifícios impeditivos ao livre comércio, como os subsídios, cuja consolidação foi anunciada com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1998, com base em um sistema de normas que objetiva garantir aos seus membros a segurança jurídica necessária para o incremento do comércio internacional entre firmas e nações.

O processo de globalização teve uma grande evolução com o incremento de acumulação de capitais e sua internacionalização, possibilitando a empresas, nações e indivíduos investirem em países onde não estejam fisicamente instalados, atribuindo um novo perfil à distribuição de capitais e ao poder dela decorrente.

No que tange às empresas e aos países detentores de um nível de renda elevado, pode-se dizer que a concentração de capitais em suas mãos viabiliza a formulação de estudos e cenários econômicos que lhes dão projeções seguras acerca do processo decisório, minimizando os riscos e viabilizando não apenas o acerto, mas muitas vezes uma concentração cada vez mais incisiva de capitais nas mãos de pequenos grupos, gerando os denominados oligopólios e possíveis distorções decorrentes, como os cartéis transnacionais.

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A estrutura de mercado prevalecente em praticamente todo o mundo é extremamente oligopolizada, gerando uma interdependência entre as empresas, que já não reagem mais a forças impessoais provenientes do mercado, mas sim pessoalmente a suas rivais1, no intuito de concentrar cada vez mais a oferta de produtos e serviços, podendo, por força das distorções, auferir lucros supracompetitivos. Diversos Estados têm interesse de que as empresas instaladas em seus territórios respondam por parcela significativa da oferta de produtos. O auxílio estatal, consubstanciado muitas vezes na forma de subsídios, revelase tentador às empresas que passam a auferir lucros de forma mais vantajosa que as firmas instaladas em outros países. Para os países a concessão de subsídios pode representar não apenas a circulação de mais capital em sua economia, com a geração de empregos, recolhimento de tributos e incremento das exportações, mas forte instrumento de barganha em processos de sucessão política.

Há muitas dificuldades no procedimento de investigação e punição de cartéis internacionais, provenientes das divergências encontradas nas legislações de cada país e, muitas vezes, da ausência de interesses desses entes estatais em, na verdade, ver punidas empresas que estão contribuindo, mesmo que com práticas questionáveis, para o crescimento de suas economias nacionais.

Outro fator que causa preocupação no cenário internacional e de certa forma, conseqüente do processo de globalização, diz respeito à capacidade de alguns governos de sustentarem práticas anticompetitivas via preços subsidiados, o que torna práticas comerciais subsidiadas por governos muitas vezes mais perigosas do que o dumping propriamente dito. De fato, alguns governos possuem condições de sustentar uma prática anticoncorrencial por mais tempo e de forma mais sutil do que muitas empresas privadas, via preços subsidiados, inclusive por intermédio da concessão de incentivos fiscais a empresas sem a menor vantagem competitiva2.

Não se pode negar, por conseguinte, que deve ser dada maior ênfase a processos em que a participação governamental está presente, haja vista a possibilidade de dano à indústria doméstica do país importador, diante da competição com produtos subsidiados.

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Apesar de algumas práticas consideradas desleais no comércio como subsídios repercutirem de forma significativa no cenário concorrencial, não há nenhuma norma em vigor no âmbito da OMC que contemple a proteção da concorrência.

O presente trabalho pretende demonstrar que os subsídios podem constituir uma forma de dano à indústria doméstica do país importador, haja vista o auxílio dos governos de sustentar uma determinada prática via preços subsidiados, contribuindo, muitas vezes para a criação ou reforço de figuras nocivas como os cartéis transnacionais. Para tanto, é feita uma análise da legislação que trata de subsídios, apresentando-se sua definição e classificação, comentando-se ao final recentes decisões da OMC sobre o tema.

1. Subsídios
1. 1 Origem remota

Há vários relatos na história econômica de intervenções efetuadas pelos Estados Nacionais em situações tipicamente comerciais como forma de proteção de interesses nacionais e de expressão de poder, nos impérios gregos e romanos3.

A adoção de algumas medidas protecionistas era justificada pela geração de riquezas à economia aos Estados, o que fomentava o desenvolvimento comercial, inclusive para além das fronteiras, exteriorizando-se durante diversos séculos por intermédio de modelos como o mercantilista.

No século XVII, o modelo capitalista de produção efetua uma revolução em diversos cenários das relações economias. A produção passa a ser voltada para o mercado, não se fazendo mais presente a atuação estatal protecionista. Rompe-se, o modelo dirigido pela vontade estatal, estando o novo modelo calcado na liberdade de atuação e na concorrência de mercado.

Em 1776 Adam Smith, escreve “A Riqueza das Nações”, obra em que defende a produção voltada para o mercado livre da atuação do Estado. O pensamento liberal de Adam Smith postula a atuação da mão invisível do mercado, fornecendo o Estado a base legal para a promoção de uma maior liberdade de atuação dos agentes nele instalados, tornando-lhes possível o alcance de maior bem-estar pelas condições adquiridas pelo seu desempenho nas relações mantidas por força de seus trabalhos. No cenário internacional, osPage 531 liberais postulam a eliminação das barreiras ao comércio internacional, sob a crença de que seriam assim reduzidos os custos de transações, levando a um maior desenvolvimento das economias envolvidas.

O tema, entretanto, está longe de ser pacífico. O surgimento da escola do Intervencionismo Nacional, em meados do século XIX, defendendo a substituição do livrecambismo por uma política protencionista, retornando o fator nação a assumir novamente papel primordial, é uma reação ao liberalismo4. Apesar das discussões no campo teórico quanto às vantagens ou desvantagens do liberalismo, o livre comércio entre as nações ganhou renovado fôlego após a Segunda Guerra Mundial.

1. 2 Disciplina no GATT

A tentativa de criação de um órgão regulamentador do comércio internacional remonta ao encontro de Bretton Woods, no final da II Grande Guerra, quando os países do bloco vencedor previram a criação de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização Internacional do Comércio (OIC).5

A Carta de Havana de 1948 tentou delimitar os objetivos e funções da Organização Internacional do Comércio, restando infrutíferos os esforços diante da não ratificação do texto pelo congresso norte-americano, onde se encontrava, à ocasião, uma maioria republicana6.

Diante de tal fato, aprovou-se o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), ou o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, assinado pelo Brasil7 e mais 22 países, constituindo-se, então, no único acordo multilateral com regras destinadas ao comércio internacional, objetivando não apenas a redução das tarifas alfandegárias no comércio internacional, mas também sendo mecanismo importante pra a solução de controvérsias e disputas comerciais.

A realização de rodadas periódicas passou a envolver um número cada vez mais crescente de Estados e matérias não tarifárias passaram a ser objeto de negociação. O GATT passou a abranger um conjunto considerável de normas, em diversos setores doPage 532 comércio internacional, por intermédio de uma prática consolidada de negociação e de solução de controvérsias (panels). Em referido acordo...

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