Mobilidade Social na Idade Média: um breve estudo sobre os ministeriales na Alemanha

AutorJosé Henrique Rollo
CargoUniversidade Estadual de Maringá, Maringá/PR, Brasil
Páginas289-305
289
Revista de Ciências HUMANAS, v. 47, n. 2, p. 289-305, out. 2013
Mobilidade Social na Idade Média: um breve estudo sobre os
ministeriales na Alemanha
Social Mobility in the Middle Ages: a brief study on the ministeriales
in Germany
http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2013v47n2p289
José Henrique Rollo
Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR, Brasil
A imagem veiculada pelos manuais de histó-
ria da sociedade europeia medieval como uma or-
ganização piramidal rígida usualmente negligencia
alguns grupos sociais que experimentaram alguma
forma de mobilidade social vertical. Um desses
grupos foram os ministeriales ou dienstmänner,
homens não-livres empregados pela Igreja e pela
nobreza como burocratas e soldados. Embora te-
nham existido em diversos países, eles foram par-
ticularmente importantes na Alemanha dos séculos
IX a XIII. Este artigo apresenta algumas de suas
principais características como grupo social, ana-
lisa brevemente os padrões de mobilidade e expõe
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respeito.
Palavras-chave: Europa medieval - Alemanha
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nisteriales.
The image medieval European society con-
veyed by the history textbooks as a rigid pyra-
midal organization usually neglects some social
groups who have experienced some form of ver-
tical social mobility. One of such groups was the
ministeriales or dienstmänner, composed by unfree
men employed either by the Church and Nobility
as bureaucrats and soldiers. Although they have
existed in various countries, they were particularly
important in Germany from IX to XIII centuries.
This article presents some of its main features as a
  -
bility and exposes some of the historiographical
interpretations on them.
Keywords: medieval Europe - Germany - social
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Introdução
Numa entrevista concedida a Véronique Sales, em 1996, o medievalista
   sociedade feudal é
“uma mistura de concepção fundamentada e de mito”. Segundo ele, “a palavra
e o modelo caminharam lentamente a partir do século XVII, mas atingiram

época feudal como laços de homem a homem (senhor e servo, senhor e vas-
salo)”. Em sua opinião, esse modo de entender o que seria o fator sociológico
      
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que correm. No entanto, ele disse, “a sociedade feudal é bem mais complexa
do que isso, tecida de múltiplos laços de dependência, de solidariedade e de
reciprocidade”. Para ilustrar essa observação ele mencionou a diversidade e a
mutabilidade das situações englobadas pelo termo servidão (servitus), um dos
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ROLLO, José H. Mobilidade Social na Idade Média: um breve estudo sobre os ministeriales na...
muitos que os medievais herdaram da Antiguidade Romana, “sem que eles
correspondessem, contudo, às mesmas realidades”. E lembrou, ainda, que o
uso dessa palavra para indicar somente uma relação entre dois indivíduos obs-
cureceu o fato de que muitos servos estavam atados por laços de dependência
a organizações complexas, como as comunidades eclesiásticas, por exemplo
(BARTHÉLEMY, 1996, p. 40).
Algo similar pode ser dito de outro grupo social que adicionou forte com-
plexidade à sociedade feudal na Europa e escapou do modelo excessivamente
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ministeriales (ou ministerielles). Esta palavra também reme-
te aos romanos, que designavam por minister alguém que desempenhava a
função de servo ou assistente em casas, templos ou órgãos públicos (MAR-
CHANT, 1904, p. 345). Contudo, embora tenha mantido sua acepção original,
ela ganhou colorações diversas na Idade Média, quando foi usada para nomear
indivíduos inicialmente destituídos de liberdade, que tinham em comum o
servir como burocratas e militares a membros do clero, a reis e a nobres, mas
que, ao longo do tempo, passaram por processos profundos de diferenciação
entre si. De fato, a diversidade e a mutabilidade desse grupo social tornam-no
    
sintética, e fazem-no matéria de muitos debates a respeito de seu escopo geo-
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No tocante às regiões, muitos historiadores contemporâneos usam o termo
ministeriales apenas para denominar os indivíduos ligados a processos sócio-
políticos que ocorreram na Alemanha entre os séculos IX e XIII.1 Ecoando
essa perspectiva, Paul Pixton (2001, p. 523) escreveu que eles formavam uma
“classe peculiar à Alemanha medieval”, onde também eram chamados de
dienstmänner,
direção, Christopher Gravett (1997, p. 17) observou, em seu livrinho sobre os
militares durante a era dos Hohenstaufen, que “um aspecto único do exército
alemão era o emprego em largo número de um tipo especial de guerreiro, os
cavaleiros não-livres ou ministeriales (Dienstleute)”. E Barbara Rosenwein
(2009, p. 277) bateu na mesma tecla: “um grupo peculiar à Alemanha”.
Essas constantes observações sobre a localização dos ministeriales feitas nos
livros de divulgação podem gerar a conclusão apressada de que eles somente
existiram na Alemanha, o que não foi o caso, pois existiram servidores desse
tipo na França, na Espanha, nos Países Baixos e na Inglaterra. Porém, nestes
países eles nunca adquiriram a importância numérica e a força sociopolítica
que tiveram no Sacro Império entre séculos X e XIII e, ademais, estiveram
muito longe de possuir traços duradouros de homologia funcional com os
alemães (BLOCKMANS; HOPPENBROUWERS, 2007, p. 144-145; 160).
1 Uma observação geográica: os limites do país que, desde o século XIX, chamamos de Alemanha não correspondem ao
que foi conhecido na Idade Média Central como Germania
da Francia. Naquela época, a área abrangida pelas casas aristocráticas avassaladas pelos reis sálicos estendia-se por parte
do que é hoje a República Checa e o leste da Alemanha e da Áustria (apud BACKMAN, 2003, p. 181 n. 5; MUSTAFA,
2011, p. 17-18).

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