Ilicitude ou antijuridicidade

AutorCristiano Rodrigues
Páginas251-269
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ILICITUDE OU ANTIJURIDICIDADE
Em palavras simples, ilicitude ou antijuridicidade é a relação de contrariedade de
uma conduta típica em face do ordenamento jurídico, sendo que, de acordo com a estru-
tura adotada por nós, todo fato típico tende a ser ilícito, e será, salvo se houver uma causa
de justificação, ou seja, uma excludente de ilicitude presente na situação concreta.
O modelo adotado pelo finalismo e por nosso CP é chamado de modelo indiciário
da ilicitude, vez que o fato típico é um indício para que se constate a antijuridicidade do
fato, ou seja, um fato típico, provavelmente, será ilícito, mas nem sempre isso se confirma.
Portanto, tipicidade e ilicitude são elementos autônomos, e a relação entre eles é que
a primeira é um indício da segunda. É o que a doutrina clássica chama de teoria da ratio
cognoscendi, isto é, a tipicidade é o “meio para conhecer” “a razão para se reconhecer” a
ilicitude, portanto, tipicidade é a ratio cognoscendi da ilicitude.
Dessa forma conclui-se que o fato típico abstratamente previsto é contrário ao or-
denamento jurídico e será ilícito, salvo se estiver presente uma causa de justificação, ou
seja, uma excludente de ilicitude (art. 23 do CP) que autorize a sua prática diante de certas
situações concertas.
Como observação geral – que se aplica a todas as causas de exclusão – é importante
saber que para o reconhecimento de uma causa de exclusão da ilicitude é preciso preen-
cher não só os elementos objetivos da causa de justificação, quais sejam aqueles presen-
tes na definição técnica da excludente, bem como seu elemento subjetivo, ou seja, é pre-
ciso também que o agente conheça a situação concreta justificante em que se encontra e
que saiba, portanto, que está agindo justificadamente (Claus Roxin).
Assim, se o agente não sabe se está agindo sob a égide de determinada excludente, ele
não poderá ser por ela beneficiado pois, para que isso ocorra, o seu conhecimento acerca
da situação concreta justificante será fundamental. Essa posição é amplamente majoritária
na doutrina e jurisprudência, embora haja divergências.
Trabalhemos agora com as causas excludentes de ilicitude em espécie elencadas no
11.1 EXCLUDENTE DE ILICITUDE
11.1.1 Estado de Necessidade (art. 24 do CP)
Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não
provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas
circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
MANUAL DE DIREITO PENAL • CRISTIANO RODRIGUES
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§1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. (Redação
§2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a
dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
Em sua essência o estado de necessidade configura uma situação de conflito de bens
jurídicos, na qual não há a possibilidade da preservação de ambos, sendo que o agente
precisa optar por um bem em detrimento do outro, estando, portanto, autorizada a lesão
de um bem jurídico alheio diante dessas circunstâncias.
Dessa forma, Estado de Necessidade ocorre em situações de perigo nas quais a pro-
teção do direito penal não foi efetiva, havendo a estrita necessidade de se lesionar um bem
jurídico alheio para que outro seja preservado, logo, haverá uma escolha necessária entre
dois bens em jogo diante de uma situação de perigo, sendo que um terá que ser lesionado
para que outro seja poupado, preservado.
Acerca da natureza jurídica1 do Estado de Necessidade existem duas teorias:
a) Teoria unitária
Para essa teoria, adotada pelo Código Penal nas bases do que preveem os artigos 23 e
24, todo estado de necessidade é justificante e, portanto, quando reconhecido será exclu-
dente da ilicitude, independentemente do bem jurídico preservado ser maior, menor ou
igual ao bem jurídico sacrificado diante da situação concerta de perigo.
Embora essa teoria não faça qualquer limitação ou vedação no que tange a valoração
dos bens jurídicos em jogo, não é aceitável, pelo princípio da razoabilidade e proporcio-
nalidade, que um bem jurídico indisponível (vida) seja sacrificado, em situação de estado
de necessidade, em face da preservação de um bem disponível, como por exemplo o patri-
mônio, e essa conduta deverá ser evidentemente considerada ilícito.
Em face dessa ausência de limitação teórica, nosso Código criou na própria definição
do Estado de Necessidade uma limitação que, tendo como base os referidos princípios
da proporcionalidade e razoabilidade, impede que se aplique a excludente para preservar
bens disponíveis em detrimento de um bem indisponível como a vida.
Dessa forma, na prática, percebemos que de acordo com o código penal (art. 24CP) o
sacrifício da vida humana só estará autorizado por uma situação de estado de necessidade
quando o outro bem jurídico a ser salvo também for uma ou mais vidas, isso se depura da
parte final do artigo 24 do CP, já que a lesão estará autorizada somete quando se tratar de
um bem em perigo“... cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se
Assim, quando houver o sacrifício de um bem indisponível (por exemplo: vida) para
se preservar um outro bem disponível, não haverá estado de necessidade, nem exclusão
da ilicitude, já que neste caso o sacrifício do bem (disponível) em perigo será exigível do
sujeito, e a lesão do bem indisponível não estará autorizada.
No entanto, nesta hipótese, caso o agente opte por preservar o bem disponível sacri-
ficando o bem indisponível, embora não haja exclusão da ilicitude, poderá ocorrer uma
diminuição de pena (1/3 a 2/3), conforme o art. 24 par. 2º do CP.
1. Quando se fala em natureza jurídica de um instituto se quer saber o que ele é, o que representa dentro do direito
penal.

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