Discurso e imagem: a representação do trabalho nas capas do Manifesto Comunista

AutorAngela Maria Rubel Fanini
CargoUniversidade Tecnológica Federal do Paraná
Páginas119-130

    Discourse and image: representation of labor universe on the covers of Communist Manifesto

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O universo do trabalho e outros sentidos: a luta, a transformação e a ontologia

Neste artigo, analisou-se a representação imagística do universo do trabalho em seis capas de diferentes edições da obra Manifesto Comunista de autoria de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). O interesse pelo universo do trabalho e sua representação vincula-se à linha de pesquisa Trabalho e Cultura, focalizando diversas formas de aparição do trabalhador nos bens culturais.

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Tendo por base, teóricos que destacam o universo do trabalho como categoria ontológica do ser social, Marx (1986), Engels (1990), Lukács2 (1885-1971) e Antunes (2002), procura-se entender como os intelectuais, sobretudo os responsáveis pelo projeto gráfico das capas de livros, representam o trabalho em discursos imagísticos.

A escolha da obra se dá pela evidência de seu conteúdo, vinculada ao mundo do trabalho em articulação e em confronto com o mundo do capital. A composição discursiva da obra não é apenas descritiva, mas utiliza-se de linguagem argumentativa e persuasiva, visando intervir na realidade. Para Marx e Engels, pensadores da filosofia da práxis revolucionária, o discurso é uma forma de intervenção3 social. Em Manifesto comunista, constrói-se um discurso sobre as condições da vida econômica do século XVIII e XIX, enfocando as contradições entre trabalho e capital, instando os trabalhadores a revolucionarem as condições de existência materiais e sociais. O discurso analisa a realidade concreta fora do discurso, a partir do método dialético-histórico em que o concreto vivido se transforma em concreto pensado, voltando-se para a realidade a fim de transformá-la e se dirige ao trabalhador, conclamando-o a agir.

O estudo se justifica uma vez que a obra ainda é lida haja vista as numerosas edições recentes em âmbito nacional e internacional. Outra questão que justifica a análise sobre o trabalho se vincula à contemporaneidade em que as práticas laborais, embora modificadas pela nova etapa do capitalismo tardio4, ainda são preocupantes e enfrentam dificuldades e desafios. O mundo do trabalho apresenta relevância uma vez que as condições de expropriação de grande parte do conjunto de trabalhadores ainda persistem e tem se intensificado. Agravando esse quadro, vários pensadores da contemporaneidade, como Gorender (1999), Gorz (2003) e Bauman (2008), destacam que o exercício da cidadania tem-se enfraquecido, sofrendo um processo constante de substituição pela atividade unidimensional do consumo. O cidadão, instaurado sobretudo com a modernidade, vê-se subsumido5 pelo consumidor. Nesse cenário, o trabalho vai perdendo a capacidade de socialização, de formação ontológica do ser social,

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de dignificação do homem, reduzindo-se a um instrumental para inserir o indivíduo cada vez mais na sociedade de consumo. A partir de uma perspectiva crítica e emancipatória, urge se refletir sobre as condições ontológicas do trabalho, buscando resgatar na atividade laboral outros sentidos que não o estreitamente instrumental e de simples mediação para a aquisição de bens, contrapondo-se à lógica capitalista da obsolescência programada. Entender como ocorre a representação do mundo do trabalho, procurando-se encontrar esses outros sentidos voltados para a luta, o coletivo, a emancipação, a crítica ao capital é uma contribuição necessária. A pesquisa visa também articular as áreas de Comunicação e Educação, demonstrando que a linguagem imagística é importante fonte de conhecimento. Verificar sob quais perspectivas o intelectual do trabalho imaterial (projeto gráfico) representa o mundo do trabalho material e do trabalhador pode desvendar as construções simbólicas desse universo e propriciar a reflexão docente e discente sobre essas formulações. A história dos que produzem a riqueza e os bens de consumo material muitas vezes é pouco estudada, valorizando-se a história da política, das idéias, da demografia, dos fatos históricos consagrados. Avivar essa história, a partir do universo simbólico, é um dos caminhos para uma prática docente que pretenda dar visibilidade àqueles que produzem a riqueza material, mas que nem sempre dela usufruem.

As imagens do trabalho e a conexão com o discurso

[ VEA LA FIGURA EN EL PDF ADJUNTO ]

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Nessa capa, a autoria ocorre no topo, em fonte de cor branca, sobre fundo em cor vermelha, elemento vinculado culturalmente ao Comunismo. O mundo do trabalho material é representado na parede de tijolos aparentes, tendo-se o foco na produção coletiva e não no sujeito individualizado, vinculando-se à idéia central da obra em que a força da luta advém da coletividade. O trabalho material, representado por sólida parede de tijolos aparentes, é pano de fundo para a inscrição do título da obra em cor preta. Além de representar o trabalho coletivo e em construção, dá sustentação para o terreno das idéias em que se reforça o discurso voltado para a ação do trabalhador, ou seja, a enunciação de um manifesto. A seleção das imagens que associam as idéias e a práxis comunica que há uma articulação entre produção e educação política do trabalhador. O título da obra ocorre em grafite, cor preta e em fonte de característica artesanal, sinalizando para a estratégia de pichação, remetendo à atitude marginal, provavelmente, de enfrentamento à censura exercida pelo regime ditatoral visto que a publicação da edição se dá em pleno Segundo Golpe Militar. A imagem da pichação se evidencia...

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