Imagens múltiplas do feminino na cultura popular brasileira

AutorHerbert Rodrigues
CargoDoutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Páginas134-155
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2016v13n1p134
IMAGENS MÚLTIPLAS DO FEMININO NA CULTURA POPULAR BRASILEIRA
Herbert Rodrigues
1
Resumo:
Localizada às margens da grande metrópole paulistana, a cidade de Mogi das
Cruzes (SP) realiza uma espetacular Festa do Divino Espírito Santo. Este artigo
focaliza as tensões e liminaridades que emergem nos dias de festa. Diante do
“espelho mágico” colocamos duas imagens femininas: Nhá Zéfa e Nossa Senhora.
O artigo explora alguns elementos aparentemente arredios que surgem como força
transformadora durante os dias de celebração.
Palavras-chave: Imagens femininas. Cultura popular. Devoção. Expressão.
Experiência.
1 INTRODUÇÃO
O fluxo da vida cotidiana não apresenta apenas a realidade coerente e
ordenada diante dos olhos das pessoas. Não raro, encontramos elementos
incompreensíveis e imagens enigmáticas de difícil explicação. Este artigo, fruto de
trabalho de campo realizado durante pesquisa de mestrado, aponta exatamente
para o não-resolvido, para o suprimido, para as tensões, liminaridades e
ambiguidades da história da cidade de Mogi das Cruzes (SP) que se revelam no
momento de celebração da Festa do Divino Espírito Santo. Com o intuito de tratar
daquilo que chamamos de “história dos secundários e das margens”, temos como fio
condutor da narrativa duas imagens femininas muito populares na festa: Nhá Zéfa e
Nossa Senhora.
Falecida no início da década de 1990, a imagem de Nhá Zéfa, também
chamada de Nhá Zéfa Onça, ainda permanece viva na memória da população da
cidade. A história dessa personagem é cercada de mistérios, pois percebemos uma
série de inversões simbólicas e de relações de poder que sua imagem revela sobre
as esperanças depositadas em Nossa Senhora.
1
Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Pós-doutorando no
Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil E-mail:
herb@usp.br
135
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.13, n.1, p.134-155 Jan.- Abr., 2016
O objetivo deste artigo é articular, por meio de duas exposições, as múltiplas
imagens femininas de duas forças simbólicas presentes no interior da Festa do
Divino. Para tanto, utilizamos dois tipos de materiais teórico-metodológicos. O
primeiro, de natureza etnográfica, consiste em observações retiradas de pesquisa de
campo realizada na cidade de Mogi das Cruzes ao longo de quatro anos. O
segundo, de natureza teórica, consiste em explorar os paradigmas da “antropologia
da experiência” e do “drama social” formulados pelo antropólogo britânico Victor
Turner.
A Festa do Divino Espírito Santo de Mogi das Cruzes tem sua data de
realização móvel de acordo com o ciclo agrícola e condicionada ao calendário
religioso, realizada sempre ao sétimo domingo após a Páscoa. Segundo relatos
colhidos nos meios de comunicação local e junto às pessoas envolvidas na
organização das comemorações, a Festa do Divino é uma tradição na cidade
mais de 300 anos.
Os eventos da Festa do Divino de Mogi das Cruzes estão, basicamente,
divididos em duas partes que ocorrem concomitantemente. De um lado, está a
chamada “programação religiosa” com os cortejos das alvoradas, as passeatas das
bandeiras, as missas da novena, a procissão de Pentecostes, a cerimônia de
incineração dos pedidos. De outro lado, está a “programação folclórica” que engloba
as figuras dos festeiros e dos capitães do mastro, o Império do Divino, a quermesse,
os folguedos infantis, a Entrada dos Palmitos
2
(realizada no penúltimo dia de festa),
a distribuição do Afogado
3
, o levantamento do mastro, o tapete ornamental, a Folia
do Divino (chamada na cidade de “os violeiros”) e os grupos de Congada, Marujada
e de Moçambique (as chamadas “atrações folclóricas”). Percebemos que quase tudo
que compõe a festa, de acordo com o programa divulgado, está do lado “folclórico”,
embora a centralidade esteja no domínio do religioso controlado pela Igreja Católica
e pelos organizadores oficiais da festa.
Hoje em dia, Mogi das Cruzes não é mais a cidade rural do passado que deu
origem a Festa do Divino três séculos atrás. Segundo as últimas projeções da
2
Em relação a outras festas no país, a Entrada dos Palmitos é uma peculiaridade da Festa do Divino
de Mogi das Cruzes. Trata-se de um cortejo que representa a chegada da população rural a cidade
trazendo os palmitos da Mata Atlântica para participar do dia de Pentecostes (ANDRADE, 1937).
3
Prato típico da Festa do Divino em Mogi das Cruzes, que consiste basicamente em um cozido de
carne e alguns legumes. É tradição distribuí-lo, gratuitamente, ao final da Entrada dos Palmitos.

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