Hollywood e imaginários do senso comum: por uma sociologia dos blockbusters

AutorTúlio Cunha Rossi
CargoMestre em Sociologia pela UFMG e doutorando em Sociologia na USP
Páginas89-110
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Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.11, n.98, p. 89-110, jan/jun. 2010
Hollywood e imaginários do senso comum: por uma sociologia dos
blockbusters
Hollywood and imaginaries of common sense: for a sociology of
blockbusters
Túlio Cunha Rossi 1
RESUMO
Este artigo visa a despertar a atenção para a relevância do ponto de vista
sociológico de produções norte-americanas de grande orçamento e público ao
difundir e reproduzir estereótipos e referenciais simbólicos amplamente
reconhecidos e partilhados no senso comum. Considerando o olhar como um ato
socialmente construído, defendemos que, a partir do estudo crítico aprofundado
desse tipo de produção, nos defrontamos com peças relevantes da constituição de
percepções tanto do mundo considerado real quanto do imaginário. Mobilizando um
amplo inventário de referências simbólicas que não são intrínsecas à realidade, mas
culturalmente estabelecidas, essas produções conferem familiaridade e
verossimilhança mesmo ao que é considerado irreal e produzido num contexto
cultural muitas vezes diverso daquele de muitos espectadores. Propomos então
questionar por que e em que condições sociais essas produções se tornam
percebidas como algo normal e até que ponto podem ser e são incorporadas nas
visões de mundo do senso comum.
Palavras chave: Cinema.Hollywood.Imaginários.Senso comum.
ABSTRACT
This paper aims to claim attention to the relevance, under the sociological point of
view, of North American big-budget films, by spreading and reproducing stereotypes
and symbolic references widely recognized and shared in common sense.
Considering the action of looking as socially constructed, we argue that, from a depth
critical study of this type of production, we can face relevant parts of the constitution
of perception as much of the world considered real as of the imaginary. Mobilizing a
large inventory of symbolic references, which are not intrinsic to reality but culturally
established, these productions give familiarity and likelihood even to what is
considered unrealistic and often produced in a different cultural context from that of
many viewers. We propose then to question why and under what social conditions
1 Mestre em Sociologia pela UFMG e doutorando em Sociologia na USP, Atua na área de sociologia
da cultura e sociologia das emoções, estudando intersecções entre as noções contemporâneas de
amor e o cinema. tuliorossi@gmail.com
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Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.11, n.98, p. 89-110, jan/jun. 2010
these films become perceived as something normal and to what extent they can be -
and are - embedded in common sense world views.
key words: Cinema. Hollywood. Imaginary. Common sense.
É uma tendência comum em meios de elevado conhecimento acadêmico e
intensa atividade intelectual demonstrar certo desprezo por produtos de
entretenimento de mídias de comunicação de massa como programas de televisão,
produções cinematográficas de grande orçamento e público ou obras literárias best-
sellers. Por muitos, o conteúdo e as fórmulas narrativas desses produtos são
considerados banais e pouco significativos, destinados a um consumo imediato
enquanto breve entorpecimento que permite tanto a fuga de um cotidiano
desagradável de exigências e constrições quanto a reprodução de formas de
dominação ideológica características de sistemas capitalistas. Tal tendência
expressa distinções de classe já apontadas por Pierre Bourdieu (1979), colaborando
frequentemente para a construção de identidades de grupos por meio da
diferenciação sinalizada pelo consumo de bens culturais específicos, sendo que
alguns, muitas vezes, sequer reconhecem os produtos de meios de comunicação de
massa como bens culturais, mas, simplesmente, objetos de entretenimento vazio.
Não raramente, tais perspectivas se refletem no objeto de investigação de
estudantes e pesquisadores das ciências sociais que se interessam por mídias
audiovisuais, alinhando-se com seus gostos, levando a estudos sobre produções
independentes, cineastas europeus e movimentos artísticos consagrados entre
intelectuais e estudiosos de cinema ou que os pesquisadores julguem que
devessem ter sido consagrados, mas não receberam a devida atenção. Sem
dúvidas, tais estudos suscitam temas e reflexões de grande interesse,
desenvolvendo-se a partir de objetos profundamente complexos e instigantes.
Contudo, parece-me que, em prol da supervalorização desse tipo de produção por
suas distinções, os potenciais de estudo de temas diversos nas ciências sociais
envolvendo o cinema considerado comercial e direcionado às massas
especialmente o norte-americano são subestimados, a não ser no sentido de
reforçar críticas que apontam para seus aspectos supostamente alienantes, como as
apresentadas por Adorno (1985). Não que tais críticas sejam vazias de valor ou de

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