Impacto da reforma trabalhista nos contratos vigentes e ações judiciais pendentes - Direito intertemporal

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas13-18

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Alexandre Agra Belmonte

Ministro do TST, Doutor em Direito e membro das Academias Brasileira de Direito do Trabalho e Nacional de Direito Desportivo.

1. Introdução

A reforma trabalhista importou em profundas mudanças nas relações materiais e processuais trabalhistas.

A extinta Medida Provisória n. 808/2017 já determinava a aplicação imediata da reforma trabalhista aos contratos vigentes.

A aplicação imediata da nova lei tem previsão no art.6º, da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), daí resultando que os novos contratos, as normas coletivas de trabalho e as relações processuais devem a ela se conformar. A indagação que aflige os atores das relações trabalhistas e os operadores do Direito diz respeito à segunda parte do dispositivo legal acima referido, ou seja, em quais casos há direito adquirido a ser preservado, com aplicação da lei revogada, em detrimento do disposto nas Leis ns. 13.429 e 13.467/2017 e na Medida Provisória n. 808/2017. Esse questionamento, quanto à aplicação da lei nova ou da antiga, se estende aos processos que já estavam em curso.

A nova lei revoga a anterior quando o faz expressamente, quando com ela é incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (art. 2º, § 1º, da LINDB), daí gerando questionamentos quanto aos seus efeitos em relação às situações jurídicas já findas; às situações jurídicas em andamento; e, as firmadas anteriormente à nova lei para a produção de efeitos futuros, que vêm a coincidir com a vigência de nova lei.

Porém, antes de adentrarmos no tema, é preciso fazer uma reflexão sobre a compreensão jurídica, ao longo da história, das soluções apresentadas para resolver as situações pretéritas, pendentes e futuras, em virtude da edição de nova lei atributiva de efeitos jurídicos distintos da lei anterior e qual tem sido a tradição brasileira sobre o assunto.

A ideia de direito adquirido, que os povos então vislumbravam como um direito natural, remonta ao direito consuetudinário anterior à existência de um ordenamento jurídico definido.

No Direito Romano anterior e posterior ao Corpus Juris Civile são encontrados preceitos vedando a retroatividade e excepcionando apenas algumas hipóteses. Essa compreensão, que prevaleceu ao longo da Idade Média, foi cientificamente desenvolvida por Blondeau na Escola da Exegese e por Savigny na Escola Histórica. E ambos já naquela época discorriam sobre direito adquirido, negócios perfeitos, faculdades jurídicas e expectativas ou esperanças de formação de um direito.

As Ordenações Afonsinas e Manuelinas se inspiraram no Direito Romano e as Ordenações de Filipinas admitiam a retroação da lei em algumas situações que beneficiavam a Coroa portuguesa.

A Constituição do Brasil Império, de 1824, dispunha sobre a irretroatividade da lei no art. 179, incisos II e III.

A primeira Constituição do Brasil republicano dispunha, no art. 11, § 3º, a vedação aos Estados e União de prescrever leis retroativas.

A Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916 (Código Civil), disciplinou em sua parte introdutória, composta dos arts. 1º a 21, sobre a obrigatoriedade e vigência da lei, bem como estabeleceu regras de direito internacional privado.

Em relação aos efeitos da lei nova, acolhendo as lições de Savigny1 e Gabba2 (Teoria Clássica ou Subjetiva do Direito Adquirido), estatuiu no art. 3º, caput, que ela não prejudicaria, em caso algum, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

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O referido dispositivo definiu, em seu § 1º, que consideravam-se adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, pudesse exercer, como aqueles cujo começo de exercício tivessem termo prefixo, ou condição preestabelecida, inalterável a arbítrio de outrem.

Outrossim, reputou no § 2º, como ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. E, finalmente, chamou no § 3º de coisa julgada, ou caso julgado, a decisão judicial, de que já não coubesse recurso.

A Constituição de 1934 deu força constitucional à proteção do direito adquirido contra efeitos da nova lei, ao dispor, no art. 113, § 3º, que a “lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Até então, a matéria era regulada apenas no plano infraconstitucional (Código Bevilaqua).

A Carta de 1937 retirou a matéria do plano constitucional, transferindo a regulação para o direito infraconstitucional.

O Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, que foi então denominado Lei de Introdução ao Código Civil, tacitamente revogou, por meio dos arts. 1º a 18 daquele diploma jurídico, os arts. 1º a 21 da parte introdutória da Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, ou seja, do Código Bevilaqua.

Na parte que nos interessa, estabeleceu em seu art. 6º que a lei em vigor teria efeito imediato e geral. Mas ressalvou que não atingiria, salvo disposição expressa em contrário, as situações jurídicas definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito. Ou seja, abandonando a noção subjetivista de direito adquirido, introduziu no direito brasileiro o princípio do efeito imediato e geral da lei nova (Teoria Objetiva da Situação Jurídica), defendido por Paul Roubier.

Para Roubier, no tocante às situações jurídicas pendentes, a lei antiga deve se aplicar a todos os efeitos realizados até o início da vigência da lei nova, enquanto esta deve reger os efeitos ainda não produzidos. Prevendo a lei expressamente a possibilidade dos fatos realizados no passado, será retroativa, mas se sua incidência, implícita ou explicitamente for somente em relação aos fatos futuros, será de efeito imediato.

Quanto aos fatos pendentes, para as situações em curso deverá ser estabelecida a separação entre as partes anteriores à data da modificação da lei (que não poderão ser atingidas sem retroatividade) e as partes posteriores (às quais a lei nova terá efeito imediato).3

Na Carta democrática de 1946 ressurgiu no plano constitucional o princípio da irretroatividade, ao dispor que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 141, § 3º).

A Lei n. 3.238, de 1º de agosto de 1957, alterou o art. 6º do Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, mesclando o princípio da irretroatividade, consubstanciado na preservação do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, com o princípio do efeito ou aplicação imediata e geral da lei nova, que envolve o conceito de situação jurídica (as circunstâncias da relação jurídica criada pelo ato ou fato).

Assim, estabeleceu que a lei em vigor tem efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Reputou como ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. E considerou como adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, pudesse desde exercer, bem como aqueles cujo começo do exercício tivessem termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Por fim, denominou coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

A proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada foi mantida nas Constituições de 1967 (art. 150, § 3º), na Emenda Constitucional de 1969 (art. 153, §3º) e na Constituição de 1988 (art. 5º, XXXVI).

A Lei n. 12.376, de 2010 alterou a denominação do Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Enfim, em termos de direito intertemporal, a regra atual é a estabelecida em 1957, que mescla as noções de efeito imediato e geral e situação jurídica consolidada ou pendente de Paul Roubier, com as de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada de Savigny e Gabba.

Logo, pela normatividade estabelecida em 1957 a lei nova tem aplicação imediata, mas quanto às situações jurídicas ainda em desenvolvimento ou pendentes, se constituídas antes da nova lei, devem respeitar o direito adquirido formado na vigência da lei antiga e a coisa julgada, esta quando relativa a situações pretéritas à nova lei.

De igual sorte, ficam excetuados de sua égide o ato jurídico já praticado segundo as leis da época e aqueles referentes a situações jurídicas consolidadas na vigência da lei anterior, cujo começo do exercício tenham termo prefixo, ou...

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