Impactos da Covid-19 nas relações de consumo brasileiras

AutorRenato Afonso Gonçalves
Páginas193-215
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IMPACTOS DA COVID-19 NAS
RELAÇÕES DE CONSUMO
BRASILEIRAS
RENATO AFONSO GONÇALVES
1. INTRODUÇÃO
Os ilustres coordenadores desta obra coletiva, Professores Doutores
Walfrido Warde e Rafael Valim, destacados e reconhecidos Advogados
e Juristas, formularam o convite para tecermos algumas reflexões sobre
os impactos da COVID-19 no direito brasileiro, mais especificamente
no direito do consumidor.
Trata-se de tarefa honrosa e desafiadora, seja porque o que se produz
deve estar à altura da qualidade científica daqueles eminentes professores
que coordenam e participam da obra, verdadeira constelação de expoentes
do mundo jurídico brasileiro, seja pela aridez do tema já que não há doutrina
e jurisprudência acumuladas ante o surgimento repentino da epidemia do
novo coronavírus que apanhou desavisadamente o globo terrestre.
Nessa esteira, nossas reflexões se darão em duas etapas. Inicialmente
abordaremos os aspectos fundamentais da relações de consumo no Brasil,
para posteriormente analisarmos os instrumentos normativos produzidos
neste momento de exceção e seus efeitos jurídicos no direito do consumi dor.
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RENATO AFONSO GONÇALVES
2. ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS RELAÇÕES DE
CONSUMO NO BRASIL
Preliminarmente à análise do objeto central deste artigo, faz-se
necessário resgatarmos os aspectos fundamentais do direito do consumidor
no Brasil, pois são eles que balizarão nossas reflexões.
A doutrina jurídica brasileira, quase que de forma uníssona,
reconhece que a edição da Lei 8078/90Código de Defesa do
Consumidor – CDC, promoveu profunda modificação do sistema
nacional ao se coadunar com as legislações mais modernas e adequadas
às demandas dos nossos tempos, mormente pelos instrumentos da
jurisdição coletiva, entendendo o consumidor como parte de uma
coletividade de pessoas, a categoria dos consumidores.1
O CDC é fruto do processo histórico ocidental que produziu diplomas
legais que se contrapuseram aos instrumentos normativos dos séculos XVIII,
XIX e XX, marcados pela influência do liberalismo econômico e reguladores
das relações meramente individuais, objetivando a libertação do indivíduo
em relação ao Estado e sua plena liberdade no mercado.2
Atualmente o campo de autonomia de vontade encontra-se
limitado dando lugar aos chamados contratos de adesão com cláusulas
de exclusão de responsabilidade, com prevalência do fornecedor sobre
o consumidor e o domínio do marketing.3
Nessa esteira, o Brasil seguiu o caminho de países de capitalismo
avançado como a Alemanha, França, Japão, EUA e Itália. Produto da
1 Embora alguns doutrinadores, como Guido Alpa, entendam que não há heterogeneidade
de classes sociais, e muito menos de consumidores. Tutela del consumatore e controlli
sull´impresa, Societá Editrice il Mulino, Bolonha, 1977.
2 BURDEAU, Georges. O liberalismo. Póvoa de Varzim: Publicações Europa-América,
1979.
3 A preocupação com os consumidores tem como marco histórico o discurso proferido
pelo Presidente estadunidense John Kennedy na ONU – Organização das Nações
Unidas, em 1962, ao identificar os consumidores como um grupo econômico carente
de proteção.

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