Impactos do constitucionalismo no âmbito do controle concreto de constitucionalidade: o momento antecedente ao precedente vinculante no NCPC

AutorLuana Ramos Sampaio - Flávia Spinassé Frigini
CargoMestranda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Especialista em Direito Administrativos pela Uniderp. Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo. Advogada. luana.direitoufes@gmail.com. - Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Especialista em Direito ...
Páginas112-136

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Luana Ramos Sampaio1

Flávia Spinassé Frigini2

Recebido em 7.1.2016

Aprovado em 23.2.2016

Resumo: Novo panorama vem modificando os rumos do Estado brasileiro, antes legalista, hoje constitucionalista. A Constituição assume importância singular, concretizando seu valor supremo. O Judiciário assume o papel de seu legítimo defensor, na busca da efetivação dos valores constitucionais. Para tanto, dissocia-se do Poder Legislativo, tomando força e independência ao amealhar mais competências e assumir papel de garantidor dos direitos de minorias, além de tomar grandes decisões políticas e sociais. Importando lições do direito americano e acolhendo os efeitos do constitucionalismo, o STF vinha, cada vez mais, demonstrado tendência à vinculação de suas decisões paradigmáticas, o que o próprio STF defendia inicialmente como sendo uma abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, hoje toma forma de efeito vinculante dos precedentes judiciais no novo Código de Processo Civil. A jurisprudência do Pretório Excelso revela esta intenção e esta tendência, como também demonstra que a Corte antecede à legislação na busca por uniformização da jurisprudência e unidade do direito. Isso pode ser visto a partir da análise do HC 82959/SP e da Rcl 4.335/AC, que discutem a ampliação da eficácia da decisão que declara a inconstitucionalidade em sede de controle difuso e a aplicação do art. 52, X da CF/88.

Resumen: Nuevo panorama ha ido cambiando la dirección del Estado brasileño antes legalista, hoy constitucionalista. La Constitución asume una importancia singular, en el cumplimiento de su valor supremo. El Poder Judicial asume el papel de su defensor legitimo en la busqueda de realización de los valores constitucionales. Por lo tanto, se disocia la Legislatura, tomando fuerza e independencia para acumular más facultades y desempeñar el papel de garantizador de los derechos de las minorías, además de tomar grandes decisiones políticas y sociales . La importación de lecciones de la ley estadounidense y el reconocimiento de los efectos de constitucionalismo , en el Tribunal Supremo se ha mostrado cada vez más una tendencia a obligar a la observancia de sus decisiones paradigmáticas. El propio Tribunal Supremo defendió inicialmente como un control difuso de la constitucionalidad abstrativização, hoy toma la forma de los precedentes judiciales en el nuevo Código de Procedimiento Civil. La jurisprudencia del Pretorio revela esta intención y esta tendencia, pero también muestra que el Tribunal antes de la legislación, trabaja en la búsqueda de la uniformidad del derecho y la unidad de el ordenamiento. Esto se puede ver a partir del análisis de HC 82959 / SP y Rcl 4.335 / AC, discutiendo la expansión de la eficacia de la decisión de declarar la inconstitucionalidad en el asiento del control difuso y la aplicación del art. 52, X CF / 88.

Palavras-chave: Constitucionalismo. Constituição como paradigma. Jurisdição Constitucional. Novo papel do Poder Judiciário. Ampliação dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade do STF

Palabras-clave: Constitucionalismo. Constitución como paradigma. La jurisdicción constitucional. Nueva función del poder judicial. La expansión de los efectos del control difuso de la constitucionalidade del STF

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Introdução

O momento em que entra em vigor o novo Código de Processo Civil clama por uma reflexão sobre uma das grandes mudanças por ele propostas, que é a adoção dos precedentes vinculantes. Isso se aplica aos ajustes institucionais, procedimentais, valorativos e de fundamentação que são exigidos para que os precedentes possam se estabelecer no ordenamento jurídico nacional.

O NCPC positiva o importante “papel que o direito jurisprudencial exerce no ordenamento jurídico brasileiro com o delineamento de um microssistema de litigiosidade repetitiva que encampa [...] os precedentes” (NUNES; HORTA, 2015, p. 303).

Essa positivação afasta qualquer dúvida sobre o fato das decisões judiciais das Cortes Superiores serem fonte de direito e da possibilidade de se ver na atividade criativa dos juízes uma atividade constitutiva de direito (Cf. WAMBIER, 2015).

Contudo, em que pese as inovações do novo código, a realidade da formação dos precedentes vinculantes, destacadamente em controle incidental de constitucionalidade, foi uma construção de tempo, fundamentada na jurisprudência do STF.

Nesse sentido, o presente trabalho tem o escopo de traçar o momento propulsor da eficácia vinculante do controle concreto de constitucionalidade, chamado por Teresa Wambier de “pré-história do direito que valoriza os precedentes” (2014, p. 14). Momento este, que

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antecedeu e torna possível a adoção dos precedentes vinculantes do novo Código de Processo Civil.

Dentro do contexto escolhido, busca-se compreender o momento que precedeu e tornou possível o diálogo jurisdicional que abriu o caminho para a aplicação jurisdicional e, finalmente, para a positivação do efeito vinculante dos precedentes.

Com efeito, se apresentará a influência do constitucionalismo na mudança do Judiciário como instituição, dos juízes e principalmente na transformação do Supremo Tribunal Federal em uma Corte Constitucional.

Em relação ao STF, será visto como a atuação, os debates e a valorização do Supremo Tribunal Federal foram fundamentais para a mudança de paradigma dos efeitos das decisões do STF em controle concreto.

Assim, será analisado como as suas decisões em controle incidental, que até então tinham efeitos inter partes, passaram a ter efeitos erga omnes (conforme se dizia na época).

Destaca-se, nesse percurso, que a mudança de paradigma contou com o apoio teórico de teorias que nos aproximam da tradição common law inglesa e do constitucionalismo norteamericano.

Embora houvesse a adoção de tais teorias, é indiscutível, no entanto, que o maior e mais importante fundamento para balizar a mudança era o da aproximação do controle concreto e do controle concentrado, de origem “kelseniana”3.

Sem dúvida, o controle concentrado e seus efeitos erga omnes deram legitimidade e criaram as bases para a ampliação da eficácia do controle difuso pelo STF que mais tarde desaguariam nos precedentes vinculantes do NCPC.

Evolução do direito: do legalismo ao constitucionalismo

Antes da 2ª Guerra Mundial, a Constituição e o próprio direito público não eram inicialmente muito investigados e valorizados pelos estudiosos do Direito.

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Na Europa continental dos séculos XIX e XX predominava uma visão minimalista do Estado, a quem incumbia muito menos competências e deveres dos que os hoje considerados. Predominava o que Maurizio Fioravante (2007, p. 35) classificou como modelo individualista.

Dessa forma, o direito voltava-se aos direitos individuais de liberdade formal e de propriedade, especialmente, no âmbito das relações privadas. Sobre esse momento histórico disserta André Ramos Tavares (2006, p. 37):

[...] a Constituição não obteve uma relevante popularidade desde o seu aparecimento inicial. Todas as atenções ainda convergiam para o Direito Privado mais precisamente em seu ramo do Direito Civil. Nesse exato momento histórico, iniciado pela Revolução Francesa a ordem do dia era o liberalismo e, consequentemente, um Estado minimalista, projetado e programado para rarear, abstendo-se, inclusive, no âmbito normativo. Esse enfraquecimento do Estado repercutiria, inevitavelmente, nos primórdios do Direito público, que pouca tarefa assumiu além daquela de negar as possibilidades intervencionistas do Estado.

O momento era de supremacia do Poder Legislativo, e acatamento de um Poder Judiciário que atuava como a “boca da lei”, uma referência comum adotada por teóricos como Montesquieu (1973, p. 91).

Pela ótica dos juízes europeus do continente, a lei era a vontade positivada do legislador, que era o legítimo representante do povo. Assim, a lei, como representação da vontade popular, não poderia ser contestada ou descumprida. Assim como não poderiam ser descumpridos os valores e as escolhas políticas da nação estabelecidas em lei.

Portanto, predominava uma visão mais teórica e nada pragmática do Direito, por meio de uma abordagem formalista e legalista. Sobre tal circunstância limitadora de interpretação, Bobbio (1995, p. 145) afirma que o direito era aquelas leis produzidas pelo Legislativo e não o que elas estabeleciam:

[...] a concepção formal do direito define, portanto, o direito exclusivamente em função de sua estrutura formal, prescindindo completamente do seu conteúdo - isto é, considera somente como o direito se produz e não o que ele estabelece.

Não cabia ao juiz tecer juízos de valores ou dar uma interpretação limitadora da regra legal e racionalmente adequada ao texto da Constituição. A Constituição não era considerada como superior a todas as outras leis.

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Tampouco havia um entendimento de existência de direitos fundamentais superiores e intransponíveis pelo poder público, tal qual previu John Locke (apud MORRIS, 2002). Inimaginável, ainda, uma possível limitação ao Poder Legislativo por uma decisão judicial.

Na verdade, Claudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (2014, p. 272) defendem que não só não se falava em cláusulas pétreas da Constituição, como também não havia uma diferenciação adequada entre poder constituinte originário e poder reformador.

Cabia ao Judiciário apenas a fria aplicação da regra válida, independente de seu conteúdo. Portanto, não havia uma preocupação com os valores trazidos nas regras jurídicas.

Tavares (2006, p. 40) define que, de forma geral, que o direito aplicado nas Cortes tinha como característica a dissociação da realidade, de forma que os domínios da realidade eram...

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