Impactos do golpe trabalhista (a Lei n. 13.467/17)
Autor | Raimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha |
Páginas | 302-310 |
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Toda vez que tratamos como reforma esse autêntico golpe contra os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros que foi a edição da Lei n. 13.467/17, incorreremos no grave defeito de esquecer e até legitimar o momento de Estado de exceção em que vivemos e que, gostem ou não algumas pessoas, foi iniciado na ocasião de preparação para o estapafúrdio evento da Copa do mundo no Brasil.
Os eventos jurídicos, “data vênia”, não deveriam debater a reforma. Deveriam, isto sim, denunciar o golpe trabalhista ou, no mínimo, deviam grafar a “reforma” entre aspas.
Esse reconhecimento é essencial, independentemente do lado em que o profissional do Direito do Trabalho, por dever funcional ou posição ideológica, queira se situar, ou mesmo a despeito de se poder considerar benéfico ou pertinente um ou ponto da “reforma”, afinal, como há muito se sabe, os fins não justificam os meios e não se pode aceitar passivamente uma lei que é fruto de ruptura democrática, pois com isso se abre a porta para o autoritarismo.
A Lei n. 13.467/17, ademais, não propõe uma reforma e tratá-la como tal acaba obscurecendo o seu percurso histórico, que não pode ser esquecido e muito menos legitimado.
Ora, a Lei em questão é fruto da atuação de um governo que chegou ao poder apenas porque firmou o compromisso de satisfazer os interesses do grande capital e que a cada instante de instabilidade provocada pela Lava Jato buscou justificativa para se manter no poder reafirmando seu compromisso em realizar as ditas “reformas impopulares”, reformas trabalhista e previdenciária e o congelamento de gastos sociais (“PEC do fim do mundo”).
E o governo foi até o ponto de, mesmo já completamente afundado em denúncias gravíssimas (com 5% de aprovação), “subornar” a céu aberto o Congresso Nacional para que a “reforma” trabalhista fosse aprovada. Em paralelo, o poder econômico, a grande mídia e aquela parte da população que foi para as ruas falando em moralização do país se calaram convenientemente diante da maior desmoralização dos poderes Executivo e Legislativo – com certa participação do Judiciário – já vivenciada na história do país.
Vistos os termos da lei sem qualquer exercício hermenêutico e sem a contraposição das demais normas e princípios jurídicos, é fácil verificar que a “reforma” trabalhista não foi nada além do que o aproveitamento de uma oportunidade, dada pelas crises política e econômica, para possibilitar ao poder econômico aumentar sua taxa de lucro por meio de uma maior exploração do trabalho sem contrapartida social.
a) no Direito Material
– Ampliar o banco de horas (válido também mediante acordo individual – para o lapso de 6 meses);
– Ampliar o trabalho temporário (aumento do prazo para 180 dias, consecutivos ou não, podendo-se ampliar por mais 90 dias – nos termos da Lei n. 13.429/17);
– Ampliar o trabalho a tempo parcial (aumento para 36 horas semanais – com possibilidade de trabalho em horas extras);
– Manter a recuperação judicial (Lei n. 11.101/05);
– Autorizar a terceirização da atividade-fim, com responsabilidade apenas subsidiária do tomador, prevendo “quarteirização”;
– Criar o trabalho intermitente, para qualquer atividade e sem garantia sequer do recebimento do salário mínimo;
– Negociado sobre o legislado, sem garantia efetiva para um questionamento na Justiça;
– Dificultar a configuração do grupo econômico (exige prova do controle efetivo);
– Prescrição com compreensão restritiva (intercorrente – e pronunciamento de ofício);
– Autorizar a jornada 12x36 por acordo individual – com possibilidade, ainda, de realização de horas extras, suprimindo DSR e feriados;
– Teletrabalho (sem limitação da jornada, dificulta responsabilização do empregador por acidentes e permite a transferência dos custos ao empregado);
– Limitar as condenações por dano moral (com exclusão de responsabilidade da empresa tomadora dos serviços);
– Condenação do empregado por dano extrapatrimonial;
– Parametrizar a indenização por dano moral (ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido);
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– Criar a figura do “autônomo”, que trabalha com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não;
– Prevalência do disposto em contrato individual sobre o legislado para os empregados com nível superior e que receba salário de R$ 11.062,62 ou mais;
– Criação do termo de quitação anual ampla por ajuste extrajudicial, firmando também durante a vigência do contrato;
– Permitir e incentivar as dispensas coletivas e o PDV;
– Estabelecer mecanismos processuais que, em concreto, impossibilitam a anulação das cláusulas de negociação coletiva por ação individual, dificultando a ação coletiva;
– Eliminar a ultratividade nas normas coletivas;
– Acordo coletivo prevalecer sempre sobre a convenção;
– Enfraquecer os sindicatos, tornando facultativa a contribuição obrigatória e não criando outra fonte de sustentação;
– Atrair a lógica do Direito Civil como fonte subsidiária, sem restrições do Direito do Trabalho, valendo-se das normas cíveis, inclusive, apenas parcialmente;
b) no Direito Processual
– Impedir o acesso à Justiça do Trabalho;
– Impor aos juízes uma forma de julgar: conforme Código Civil;
– Dificultar a criação de súmulas pelo TST;
– Estimular a arbitragem para quem ganha R$11.062,62 ou mais;
– Instituir a homologação de acordo extrajudicial – estimulando a mediação;
– Assistência judiciária gratuita apenas para quem ganha até R$1.659,39;
– Exigência de pedidos certos e com valores especificados;
– Impor o pagamento de honorários periciais, mesmo na assistência judiciária gratuita;
– Impedir que o juiz de exija honorários prévios, dificultando a realização da perícia;
– Estabelecimento de honorários advocatícios em sucumbência recíproca;
– Procedimento prévio para a exceção de incompetência;
– Ônus da prova no padrão do CPC;
– Legitimação da figura do “preposto profissional”;
– Acolhimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
– Procedimento de liquidação da forma mais onerosa para o trabalhador;
– Impedir a aplicação do IPCA para atualização do crédito do trabalhador, acarretando perda real de valores;
– Eliminar a execução “ex officio”.
a) no Direito Material
– Garantir o exercício do direito constitucional de greve;
– Regular a proteção contra dispensa arbitrária prevista no inciso I, do art. 7º da CF (na “reforma” a proteção só é conferida para quem aceitar diminuir o salário);
– Estimular a fiscalização pelo Ministério do Trabalho;
– Proibir o exercício de horas extras de forma ordinária (são incentivadas na “reforma” pela facilitação da compensação);
– Punir as agressões reincidentes aos direitos trabalhistas (na “reforma” o instituto da reincidência é ainda, propositalmente, limitado, configurando-se apenas quando a repetição da conduta se dá na mesma relação jurídica);
– Proibir revistas íntimas;
– Punir o não pagamento de verbas rescisórias;
b) no Direito Processual:
– Facilitar a concessão da tutela antecipada;
– Prever tutelas específicas para os direitos de personalidade;
– Regular, de forma ampliativa, as ações coletivas;
– Fortalecer as decisões de primeiro grau;
– Impedir renúncias em acordos judiciais e cláusulas de quitação ampla;
– Regular o índice de correção monetária que retrate a desvalorização da moeda;
– Regular a majoração de juros nas condenações às empresas reincidentes.
A Lei n. 13.467, assim, visa colocar os trabalhadores de joelhos. Trata-se de uma lei ilegítima porque fere os princípios trabalhistas, o requisito específico do diálogo social, e o pressuposto democrático do processo legislativo.
E os profissionais do direito não podem se colocar diante de uma lei ilegítima com resignação e acatamento. Aplicando o direito, devem rejeitar a lei por uma questão de princípio e de respeito à Constituição e aos tratados internacionais de Direitos Humanos. Esse é o impacto que a Lei n. 13.467 deve gerar.
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Não sendo assim, ou seja, não se estabelecendo um enfrentamento com esse alcance, restará aos autores do atual Estado de exceção a sensação de que podem avançar ainda mais, valendo lembrar que o Estado de exceção é apenas a ponte para o autoritarismo. Assim, outros impactos poderão advir e muito mais graves do que a própria lei, tais como:
1) a abertura de uma porta para a completa entrega do país ao capital internacional: lembre-se que já estamos sob a égide da “PEC do fim do mundo” e que, não vendo limites, o governo, seus aliados e a grande mídia falam tranquilamente em privatizações múltiplas, em fim das estruturas de Estado, aproveitando para colocar a culpa de todos os males do país nos servidores públicos; em eliminação da educação pública e da saúde pública; e, em pouco tempo, vão falar em vender a Petrobrás e o pré-sal;
2) o aumento do sofrimento nas relações de trabalho: diante da majoração do poder econômico sobre o trabalho e do elevado estágio de submissão dos trabalhadores, desprovidos de direitos e de instituições que visualizem os seus interesses, projeta-se um considerável aumento do sofrimento nas relações de trabalho, notadamente no que se refere ao assédio moral, aos adoecimentos e aos acidentes do trabalho. A prática aumenta o mal-estar na sociedade como um todo;
3) a supressão das instituições do Estado democrático de direito: para irem além, os autores do atual Estado de exceção não hesitaram em aprofundar a própria desordem por meio de maiores e mais profundos ataques às instituições. Já se fala abertamente em “reformular” a Constituição, em reduzir (mais uma vez) o orçamento da Justiça do Trabalho, em...
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