Imparcialidade dos árbitros: um exame à luz de precedentes judiciais

AutorAna Carolina Weber
CargoAdvogada no Rio de Janeiro. Mestre em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Páginas55-76

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Introdução

Esse artigo foi elaborado no momento em que importantes Estados estão debatendo um aspecto específico da teoria da arbitragem: a imparcialidade dos árbitros. Seja em países da common law, como os Estados Unidos, seja em países da civil law, como a França, a temática tem figurado como ponto nodal em seminários, palestras, livros e decisões judiciais.

Devido à importância do tema, decidimos escrever sobre ele, focando naquilo que tem sido objeto de divergência de decisões proferidas por Cortes judiciais nacionais. Inicialmente, o que se percebe na doutrina especializada que debate os limites dessas decisões é que os juízes não têm estabelecido contornos uniformes para a revisão de decisões arbitrais por ausência de imparcialidade dos árbitros.

O artigo foi construído sobre seis tópicos principais. Inicialmente, dedica-se ao instituto da arbitragem, procurando estabelecer o conceito de arbitragem e sua importância para a solução de litígios entres particulares.

Em seguida, debruça-se sobre as características da arbitragem, focando predominantemente na liberdade de escolha do árbitros, os quais terão os poderes necessários para proferir decisão solucionadora do conflito.

Por conta deste ponto, analisamos a temática relativa à escolha do árbitro e os poderes que são a ele concedidos e, por consequência, a imparcialidade inerente à sua atuação. Importante destacar, desde já, que o exame da imparcialidade do árbitro tem por base a imparcialidade aplicável aos juízes, mas com ela não se confunde. Os limites e o conteúdo são diversos.

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O quinto ponto abordado refere-se à análise de precedentes judiciais de diferentes Estados em que juízes se vêem obrigados a analisar à imparcialidade dos árbitros, em pedidos de anulação de sentenças arbitrais. Muitas dessas decisões são comentadas pelos doutrinadores da esfera arbitral.

Finalmente, enfrentamos a situação na qual determinado árbitro tinha a obrigação de divulgação de informação a respeito de sua parcialidade e não o fez.

1. Arbitragem: conceito e características

A arbitragem é um meio privado de solução de conflitos, relativos a direitos patrimoniais disponíveis, mediante o qual as partes selecionam um ou mais especialistas na matéria controversa, para decidir as disputas já existentes ou que venham a existir1. Carmen Tiburcio e Jacob Dolinger assim se manifestam:

A arbitragem é o meio mais utilizado de solução de litígios fora da esfera do Judiciário. Difere da mediação e da conciliação, pois Page 57nesses as pendências entre as partes não são resolvidas por terceiros, mas pela vontade comum dos litigantes, com a ajuda de um mediador ou conciliador. Na arbitragem, as partes buscam a solução através de uma decisão imposta por um terceiro que atua como árbitro. (...)

Deve-se ainda distinguir a arbitragem de direito internacional privado da de direito internacional público. O Brasil tem tradição na participação em arbitragens de direito internacional público, na qualidade de parte ou de árbitro, sobretudo no que se refere a questões de fronteira. Ultimamente, o Brasil tem participado de arbitragens sobre questões ligadas ao comércio internacional, no âmbito da OMC e do Mercosul.” 2

Andreas Lowenfeld destaca algumas razões para a adoção da arbitragem como meio de solução de conflitos:

“In addition to these considerations peculiar to international transactions, parties make provision for arbitration in international transaction for many of the same reasons that they provide for arbitration in domestic transactions – arbitration is usually confidential; it is usually quicker than litigation; especially in comparison with the crowded court calendars in all the world‟s major commercial center, and there is no possibility of appeal. The perception has been that arbitration is less costly than litigation; whether this remains true in major international cases is open to doubt. It is not open to doubt, however, that agreements to arbitrate are by now a common – indeed Page 58 almost boilerplate – provision in a great many commercial contracts that reach across national frontiers.” 3

A arbitragem em comparação à solução de litígios pela via judicial apresenta diversas vantagens e também algumas diferenciações4. Neste tópico, trataremos de algumas delas5.

a) Especialidade: É dado às partes nomear como árbitros especialistas na matéria objeto da disputa. Isso concede uma maior consistência à decisão e também permite evitar eventuais gastos com perícias que deveriam ser realizadas em razão da especialidade da matéria.

Carmen Tiburcio e Suzana Medeiros comentam:

“De fato, juízes e tribunais, por mais capacitados que possam ser, lidam com uma variedade de matérias que vão de questões possessórias a conflitos envolvendo a interpretação de contratos de alta complexidade; passando ainda por questões familiares, ambientais, locações, leasing, dentre outra. Compreensivelmente, os membros do Poder Judiciário são, em regra, generalistas,e não especialistas. Pode-se optar, ainda, pela composição de um tribunal arbitral com advogados, engenheiros, economistas, conforme a Page 59 natureza do conflito. Além disso, o tempo que um árbitro poderá destinar ao estudo do caso é muito superior ao que um juiz – por mais que quisesse – seria capaz de dedicar.” 6

Sobre a escolha dos árbitros dispõem os artigos 13 e 18 da Lei 9.307/1996.7

b) Celeridade: O artigo 23 da Lei de Arbitragem assim dispõe:

“Art. 23 A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.

Parágrafo único As partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo estipulado.”

Observa-se, neste diapasão, que a intenção do legislador foi incentivar que a solução do litígio pela via arbitral ocorresse de maneira célere. Nesse sentido, percebe-se que a arbitragem é mais suscinta que o processo judicial, que prima pelo excesso dePage 60recursos, dos quais muitas vezes se valem as partes, com o único intuito de postergar a eficácia das decisões.

Dessa forma, surgido o conflito entre as partes contratantes, sejam elas públicas ou privadas, é benéfico que o litígio seja solucionado por pessoas especialistas no tema e de forma breve, sem que seja necessário aguardar anos para se obter um pronunciamento sobre aquela discussão.

c) Irrecorribilidade: A sentença arbitral é definitiva, apenas cabendo pedido de esclarecimento ao próprio juízo arbitral8 sobre algum aspecto da decisão9.

Contudo, a irrecorribilidade não significa arbitrariedade por parte dos árbitros. A decisão deverá ser proferida dentro dos cânones jurídicos, restando ainda à parte, caso seja verificada algum vício na sentença arbitral, recorrer ao Judiciário para obter a anulação da sentença.10 Deste ponto trata o artigo 32 da Lei de Arbitragem.11

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d) Maior Autonomia da Vontade das Partes: A arbitragem é, hoje, unicamente voluntária, ou seja, ela só será adotada se ambas as partes pactuarem nesse sentido. Não há, dessa forma, modalidade de sujeição compulsória ao juízo arbitral no Brasil.12

Ademais, as partes podem escolher, por exemplo, os árbitros13, as regras de direito material e processual aplicáveis, podendo a legislação adotada ser nacional ou estrangeira, princípios gerais do Direito, usos e costumes, regras internacionais de comércio (lex mercatoria), eqüidade.

O limite para a autonomia de vontade das partes na escolha das normas aplicáveis ao procedimento arbitral está disposto no parágrafo 1º do art. da Lei de Arbitragem: não poderão ser aplicadas no Brasil normas estrangeiras que afrontem os bons costumes e a ordem pública nacional.14

VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;

VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e

VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.”

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e) Preservação do Relacionamento das Partes: Em geral, o procedimento arbitral costuma gerar menos animosidade entre as partes do que o processo judicial, aspecto extremamente positivo em determinadas situações, como no caso em que as partes são signatárias de um contrato comercial de longo prazo.

2. A escolha do árbitro

As partes têm poderes para nomear o árbitro ou conjunto de árbitros competentes para solucionar o litígio entre elas instaurado. Além da Lei de Arbitragem brasileira que prevê a nomeação do árbitro na cláusula compromissória, artigo 7°, §3°, o artigo 5° do Federal Arbitration Act15 e os artigos 1451, 1452 e 1453 do Código de Processo Civil francês dispõem no mesmo sentido16.

O mecanismo de escolha do árbitro é normalmente determinado pelas regras procedimentais de uma Câmara de Arbitragem, quando a arbitragem é institucional. Nas arbitragens ad hoc, as partes podem prever como será feita a escolha do árbitro.

As regras da American Arbitration Association (“AAA”), da London Court of International Arbitration (“LCIA”) e da Câmara de Comércio Internacional (“CCI”) determinam que a arbitragem deve ser conduzida por um único árbitro a não ser que as partes disponham em sentido diverso ou que a instituição considere apropriada a solução do litígio por três árbitros. Já as regras sobre arbitragem da UNCITRAL trazem previsão em sentido diverso: se a arbitragem for decidida por um único árbitro, este normalmente nãoPage 63deve ser da mesma nacionalidade das partes, no caso de um arbitragem internacional. Todavia, em casos em que a disputa envolve grandes quantias monetárias ou em que as partes têm nacionalidade diversas, cujos sistemas jurídicos de origem...

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