Imperadores da informação: poder e censura na internet

AutorBárbara Nascimento
CargoMestre em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ
Páginas185-203
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Rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR, v. 17, n. 2, p. 185-203, jul./dez. 2014
NASCIMENTO, B.
IMPERADORES DA INFORMAÇÃO: PODER E CENSURA NA
INTERNET
Bárbara Nascimento1
NASCIMENTO, B. Imperadores da informação: poder e censura na internet.
Rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR. Umuarama. v. 17, n. 2, p. 185-203, jul./dez.
2014.
RESUMO: O objetivo da presente pesquisa é analisar até que ponto, dada a es-
trutura descentralizada e em rede da internet, é possível falar que ela possui agen-
tes capazes de controlar a circulação da informação nela. Pretende-se demonstrar
que a rede mundial de computadores não é livre de donos e que seus proprietários
são aqueles que possuem poder de ingerência sobre o funcionamento físico do
sistema ou sobre o uxo de dados. No mundo atual, eles seriam a Apple, a Ama-
zon, o Facebook, o Google, a Microsoft e os operadores de backbone.
PALAVRAS-CHAVE: Marco civil da internet; Agentes silenciadores; Restrição
ao Direito Fundamental de Liberdade de Expressão.
INTRODUÇÃO
O que acontece se um provedor de acesso bloquear determinados sites
sem que isso seja explicitado aos seus usuários ou se um mecanismo de busca
que todos acreditam que seja neutro, começar a retornar resultados direcionados?
Arma-se com frequência que a internet é livre de entidades contro-
ladoras. Em que pese isso ser verdade com relação à estrutura ideal da rede,
pois diferentemente das mídias tradicionais, como a imprensa ou a televisão, a
internet não possui um ponto central de controle da informação, a prática não
equivale à teoria.
O objetivo da presente pesquisa é analisar até que ponto, dada a estru-
tura descentralizada e em rede da internet, é possível falar que ela possui agentes
capazes de controlar a circulação da informação nela. Pretende-se demonstrar
que a rede mundial de computadores não é livre de donos e que seus proprietários
são aqueles que possuem poder de ingerência sobre o funcionamento físico do
sistema ou sobre o uxo de dados. No mundo atual, eles seriam a Apple, a Ama-
zon, o Facebook, o Google, a Microsoft e os operadores de backbone.
O problema que advém dessa constatação é que a posição desses agen-
tes dará, a cada um deles, a capacidade de censurar a rede, em maior ou menor
medida, podendo congurar uma violação ao direito de acesso à internet.
1Mestre em Teoria e Filosoa do Direito pela UERJ. Promotora de Justiça Substituta do MPRJ.
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Rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR, v. 17, n. 2, p. 185-203, jul./dez. 2014
Imperadores da informação...
Não se pretende ponderar, caso a caso, quando o direito à liberdade de
expressão do particular ou seu direito de acesso à internet preponderariam em
detrimento da liberdade do agente privado. Ou seja, não se pretende analisar se
pais podem censurar a internet de lhos, empresas de empregados ou escolas de
alunos, por exemplo, mas sim analisar o poder de censura daqueles que dominam
a rede em si.
Também não se pretende discutir, neste momento, os recursos que os
governos podem utilizar para censurar a internet: o foco é em agentes econômi-
cos privados.
Além disso, como arma Jorge Reis Novais, no mundo dos direitos fun-
damentais, a explicitação do conito é o primeiro pressuposto para a realização
de uma ponderação constitucionalmente adequada. Em outras palavras, o coni-
to de interesses deve ser exposto da forma mais transparente possível para que
o intérprete e aplicador da lei possa solucionar casos difíceis pela ponderação,
de forma intersubjetivamente controlável segundo os princípios constitucionais
(NOVAIS, 2006).
Por m, parte-se da premissa de que tanto a censura pelo hardware
como a censura pelo software podem levar ou ao bloqueio de conteúdos especí-
cos na internet ou ao bloqueio do acesso à internet como um todo.
PREMISSAS JURÍDICAS
A Lei 12.965/2014, o chamado Marco Civil da Internet, em seus artigos
4º, I, e 8º, positivou expressamente no ordenamento brasileiro o direito de acesso
à internet.2 Defende-se que o conteúdo de tal direito inclui duas dimensões: o
acesso à infraestrutura física necessária à conexão e o acesso ao conteúdo dispo-
nível na rede.
Esse direito de acesso à internet está diretamente ligado à liberdade de
expressão, como reconhecido pelo referido artigo 8º3. Entende-se tradicional-
mente que a liberdade de expressão é um direito que enseja prestações negativas
do Estado. Ou seja, a vedação à censura dirige-se, em regra, ao poder público, o
qual deve abster-se de interferir nas manifestações lícitas dos indivíduos (MEN-
DES, 2008).
Contudo, atualmente, não se nega a possibilidade de ser reconhecida a
ecácia horizontal da liberdade de expressão. E essa possibilidade cresce à me-
2Defendo, em obra especíca (NASCIMENTO, Bárbara Luiza Coutinho do. O Direito Humano de
Acesso à Internet: fundamentos, conteúdo e exigibilidade. Amazon, Ebook Kindle, 2013.), que esse
direito deve receber o status de direito humano, pelos fundamentos lá apresentados. Para o estudo
desenvolvido no presente artigo, contudo, essa questão não será tratada.
3Art. 8o - A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição
para o pleno exercício do direito de acesso à internet.

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