A importância da coletivização do acesso à Justiça do Trabalho nas despedidas em massa

AutorFausto Siqueira Gaia - Carlos Henrique Bezerra Leite
CargoMestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV - Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória
Páginas78-89

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1. Introdução

A economia em escala mundial, consubstanciada no fenômeno socioeconômico da globalização2, vem provocando diversas alterações nas organizações empresariais, com rel exos, inclusive, nas relações jurídicas em que figuram empregados e empregadores.

A busca da competitividade no mercado global passa pela reorganização das atividades empresariais, como forma de reduzir os custos de produção e permitir uma maior ampliação no mercado consumidor. Tais decisões, inseridas no jus variandi empresarial, são manifestadas de diversas formas, dentre elas, a transferência de unidades fabris, fusões e cisões de empresas, fechamento de setores de produção, terceirização de serviços, dentre outras formas de reorganização dos detentores dos meios produtivos.

Depois da crise mundial de 2008, especial-mente nos países periféricos, observou-se que diversas empresas promoveram despedidas coletivas de trabalhadores, como foi o caso da EMBRAER3 e da companhia aérea WEBJET4, de forma a reduzir os custos de produção e, consequentemente, ampliar a competitividade na economia global.

As dispensas de trabalhadores em massa, além do impacto social direto que sofrem pela perda dos respectivos postos de trabalho, rel etem em outros setores indiretamente, inclusive na esfera pública, como se observa no aumento de demandas individuais apresentadas ao Poder Judiciário Trabalhista, como expressão da explosão da litigiosidade5.

O incremento das demandas individuais é um dos elementos contributivos ao retardamento

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e da inefetividade da prestação jurisdicional. A morosidade e a ausência da efetividade no exercício da jurisdição contrapõe-se ao princípio fundamental da duração razoável do processo, o que rel ete em outro princípio de igual envergadura constitucional: o do acesso à Justiça sob as perspectivas formal e material6, já que não raro diversos trabalhadores deixam de ingressar com demandas individuais para reivindicar direitos sonegados durante a relação de emprego e, mesmo em relação àqueles que ajuízam suas ações, deparam-se com decisões contraditórias diante do mesmo suporte fático apresentado a órgãos julgadores distintos, o que compromete a pacii cação dos conflitos sociais.

Assinala Pedro da Silva Dinamarco7 que a visão tradicional do processo civil individualista deve ser reanalisada diante dos conflitos de natureza metaindividuais existentes nas sociedades de massa.

Nessa perspectiva, tendo como fio condutor a obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth8, o presente artigo científico tem por escopo investigar se os dissídios individuais são os instrumentos processuais mais adequados para assegurar o efetivo acesso à justiça e tutelar os direitos fundamentais metaindividuais dos trabalhadores dispensados em massa?

Para responder à indagação, abordar-se-á no primeiro momento os princípios constitucionais aplicáveis ao processo, dentre os quais o do acesso à justiça, em suas vertentes material e formal, o da efetividade da prestação jurisdicional e o da duração razoável do processo.

A partir da delimitação principiológica aplicável ao objeto de estudo, far-se-á uma análise crítica acerca das técnicas processuais clássicas para a solução dos conflitos trabalhistas, especialmente aqueles envolvendo as despedidas em massa dos trabalhadores, passando pela construção jurisprudencial especializada que adota a "interpretação analógica" do art. 476-A da CLT a exigir, antes da realização da despedida em massa de trabalhadores, a negociação coletiva9.

Finalmente, a partir da perspectiva dialética, serão assentados os fundamentos para a necessidade da coletivização do processo nas demandas envolvendo direitos ou interesses metaindividuais dos trabalhadores despedidos coletivamente, como forma de assegurar o integral acesso à justiça desses trabalhadores na perspectiva do Estado Democrático de Direito.

2. O acesso à Justiça como direito fundamental
2.1. Acesso à Justiça formal x acesso à justiça material A efetividade do acesso à Justiça

A interpretação limitada à literalidade do art. 5º, XXXV, da Constituição da República de 1988, pode provocar conclusões precipitadas e, consequentemente, imprecisas, acerca do alcance do princípio fundamental nele insculpido do acesso à justiça.

Em uma primeira análise, o princípio fundamental do acesso à justiça confunde-se com a inafastabilidade do controle jurisdicional, onde qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser levada ao Poder Judiciário para a solução da controvérsia.

A visão da igualdade sob o prisma formal, decorrente da concepção liberal do paradigma do Estado dos séculos XVIII e XIX, é eivada de diversas contradições e em nada contribui para a efetividade do princípio do acesso à justiça.

Nesse sentido, acentuam Cappelletti e Garth10, em estudo específico sobre o princípio

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fundamental em análise, que "o acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igual-dade, apenas formal, mas não efetiva".

O adágio da isonomia de tratamento perante a lei permite tão somente que aqueles que tiverem o exercício de seus direitos violados possam socorrer do Estado-juiz para, substituindo a vontade dos envolvidos no conl ito, aplicar o direito material ao caso concreto pacii cando os conflitos.

Acerca da acessibilidade formal, importantes são as lições de Paulo Cézar Pinheiro Carneiro11:

"A acessibilidade pressupõe a existência de pessoas, em sentido lato (sujeitos de direito), capazes de estar em juízo, sem óbice de natureza financeira, desempenhando adequadamente o seu labor (manejando adequadamente os instrumentos legais judiciais e extrajudiciais existentes), de sorte a possibilitar, na prática, a efetivação dos direitos individuais e coletivos, que organizam uma determinada sociedade."

Essa perspectiva, aqui denominada como acesso formal à justiça, ainda que correta, sob o ponto de vista da dogmática jurídica, é insui ciente para a análise compreensiva do referido princípio constitucional. Nesse mesmo sentido, assevera Kazuo Watanabe12 que o acesso à justiça deve ser interpretado "não apenas como garantia de acesso ao Judiciário, mas como garantia de acesso à ordem jurídica justa, de forma efetiva, tempestiva e adequada".

Assim, ainda que no paradigma do Estado liberal burguês13, a preocupação com o acesso à justiça cingia-se ao campo de assegurar àqueles que não tivessem o bem da vida ou prestação espontaneamente entregue, ou mesmo o direito de se defender contra uma injusta pretensão o direito de acionar o Poder Judiciário, dentro dos paradigmas do Estado social e democrático de direito, este no qual se insere a Constituição cidadã Brasileira de 1988, o princípio fundamental em apreço deve ser cotejado a partir da visão substancial de outro princípio de igual envergadura normativa, qual seja, o princípio da igualdade material.

A igualdade material, como acentuado por Carlos Henrique Bezerra Leite:

(...) visa assegurar tratamento equânime e uniforme de todos os seres humanos, assim por dizer, no tratamento equiparado na possibilidade de acesso a todos os bens da vida, proporcionando, dessa forma, a igualdade real e efetiva de todos.14

A isonomia, ao ser analisada em perspectiva substancial, permite ao intérprete do inciso XXXV do art. 5º da Constituição de 1988 reconhecer que o acesso à justiça material, diante de demandas envolvendo direitos metaindividuais, tais como aquelas referentes a despedidas coletivas de trabalhadores, tem como objetivo fundamental assegurar a todos os envolvidos no conl ito a efetiva prestação jurisdicional, independentemente de constarem expressamente no (inconstitucional e ilegal) rol de substituídos.

Com efeito, a necessidade de superação da igualdade formal de cunho liberal para uma perspectiva substancial-inclusiva de viés democrático, autoriza a evolução da tradicional visão de acessibilidade à justiça associada ao simples e puro acesso ao Poder Judiciário para uma noção de acesso pleno (ou integral), consubstanciado na garantia de entrega do bem da

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vida lesado ao seu titular, ainda que quem esteja formalmente no polo ativo da ação seja um ente coletivo, como o Ministério Público, os sindicatos ou as associações de trabalhadores.

Nesse mesmo sentido, José Roberto dos Santos Bedaque esclarece que "o processo deve ser não só assegurado a todos, mas representar instrumento apto a conferir tutela a quem realmente fizer jus a ela"15.

A acessibilidade material à justiça, em situações envolvendo as despedidas coletivas, tem rel exos inclusive de natureza extraprocessual na redução das diferenças sociais, eleita pelo poder constituinte originário como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil em seu art. 3º, já que a partir da garantia do pleno emprego é assegurado ao trabalhador a sua identidade como sujeito constitucional16.

2.2. Duração razoável do processo: a demora da prestação jurisdicional como barreira do acesso à Justiça

A Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004, positivou o principio da duração razoável do processo, incluindo-o no rol de direitos e garantias fundamentais.

O direito-garantia fundamental da duração razoável do processo já possuía referência internacional na Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, da década de 1950, como se observa do art. 6º do diploma normativo:

Art...

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