O imposto sobre a renda e os princípios fundamentais

AutorFernando Ferreira Castellani
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas89-150
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CAPÍTULO V
O IMPOSTO SOBRE A RENDA E OS PRINCÍPIOS
FUNDAMENTAIS
O poder de tributar é uma necessidade do Estado. É na-
tural que os cidadãos contribuam, de forma direta e indireta,
para a formação, para a manutenção e para o desenvolvimen-
to do Estado e de suas atividades essenciais.
Essa contribuição, contudo, deve ser pautada em uma sé-
rie de princípios e regras, decorrentes da própria natureza de
um Estado de Direito Social.
Não se concebe possível a existência de um sistema tribu-
tário que não esteja pautado na justiça fiscal, ou seja, na tribu-
tação dos cidadãos de maneira justa, ética, razoável e prática.
Sobre a justiça nas relações sociais, especialmente apli-
cadas ao Direito Tributário, vale a lição de Klaus Tipke:
A questão envolve também a tributação. A justa repartição da
carga tributária total entre os cidadãos é imperativo ético para
todo o Estado de Direito. Num Estado de Direito, merecedor
deste nome, o Direito positivado em leis fiscais deve ser Ética
aplicada. A moral da tributação corresponde à ética fiscal, é
pressuposto para a moral fiscal dos cidadãos. Política fiscal tem
que ser política de justiça, e não mera política de interesses. A
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O IMPOSTO SOBRE A RENDA E AS DEDUÇÕES DE
NATUREZA CONSTITUCIONAL
tributação seria um procedimento sem dignidade ética se impos-
tos pudessem ser arrecadados de qualquer maneira, se o legisla-
dor pudesse ditar as leis fiscais de qualquer maneira.
103
Percebe-se, claramente, que a tributação deve ser um
instrumento adequado à realização dos objetivos do Estado de
Direito. A tributação não pode estar ao arrepio desses valores.
Não por menos, a Constituição Federal, exercendo seu
papel de organizadora do Estado, tratou e definiu, em títu-
lo próprio, do Sistema Tributário Nacional.104 Nesses artigos,
elenca-se uma série de situações nas quais o Estado poderá
valer-se de seu poder e prerrogativas, para transferir para si
parte das riquezas e dos bens dos administrados.105 Trata-se,
claro, de manifestação da competência tributária, em sua for-
ma mais simples.
Esse exercício de poder (competência tributária)106,
103. TIPKE, Klaus e YAMASHIDA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capaci-
dade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 27.
104. CF, arts. 145 ao 163.
105. Geraldo Ataliba, em uma de suas memoráveis manifestações, discorre sobre o
conceito de tributo. Lembra, o autor, que o tributo é uma das formas de transferên-
cia de riquezas para o Estado, ao lado das sanções, das indenizações e das obriga-
ções contratuais. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 2002. p. 29.
106. No sistema federativo, a ordem jurídica ampla é dividida em sistemas parciais,
representada ente os entes da federação. Em cada um deles, as atribuições ainda
são partilhadas entre os diferentes órgãos. Nas palavras de J. J. Gomes Canotilho,
“o conceito de competência explica, de forma positiva, o poder de ação e atuação,
delimitado e distribuído entre os vários órgãos. Por sua vez, a tarefa constitucional
é o conceito que exprime a vinculação positiva ou negativa dos órgãos constitucio-
nais ao cumprimento de determinados atos (atuação, atividades) e a adequação
destes à realização dos fins ou imposições constitucionalmente determinados”
(Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 185). Importante
lembrar e ressaltar, ainda, que a atribuição de competências tributárias próprias,
aos entes tributantes, é exigência do sistema federativo, para garantir a autonomia
financeira de todos os entes. Conforme A. R. Sampaio Dória, temos “...ressaltam
nítidas duas conclusões: (a) a autonomia política das unidades que compõe a fede-
ração é alicerçada em correspondente autonomia financeira; (b) a autonomia finan-
ceira no que respeita ao exercício do poder tributário, se realiza pela outorga de
competência impositiva aos entes federados, em caráter privativo ou concorrente. ”
(Discriminação de Competência Impositiva, Tese de concurso à Cadeira de Direito
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FERNANDO FERREIRA CASTELLANI
contudo
, é limitado por uma série de dispositivos constitucio-
nais, como os princípios constitucionais tributários e as imu-
nidades. Tais limites, explícitos, contudo, não são únicos.
A tributação é limitada e regulada pela teoria dos Direitos
Fundamentais e pelos vetores da dignidade da pessoa huma-
na. Podemos dizer, de forma categórica, que um dos poucos
consensos doutrinários, nacionais e internacionais, refere-se
à percepção da dignidade da pessoa como um princípio impo-
sitivo e essencial à sociedade moderna. Estamos diante de um
postulado axiológico geral.
Podem-se enxergar, sem dificuldade, fundamentos para a
proteção da dignidade da pessoa, na tributação, pela proteção
de um mínimo essencial, no próprio direito natural.107
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu
art. I, explicita que “todas as pessoas nascem livres e iguais
em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciên-
cia e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade”.
Apesar de estarmos diante da busca da definição da dig-
nidade humana a partir do Direito, para torná-la efetiva e
passível de proteção, é evidente que a Filosofia pode, e deve
ajudar nessa conceituação. Nas palavras de Ingo Wolfgang
Sarlet, temos:
Tal já se justifica, entre outros fatores, pelo fato de que o reconhe-
cimento e proteção da dignidade da pessoa pelo Direito resultam
justamente de toda uma evolução do pensamento humano a res-
peito do que significa este ser humano e de que é a compreensão
do que é ser pessoa e de quais os valores que lhe são inerentes
Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1972, p. 14).
107. A problemática entre o direito natural e o direito positivo, no que se refere à
proteção à dignidade da pessoa, ao menos no Brasil, tem relevância menor, já que
todos os atributos e as características consideradas naturais (vida, dignidade, hon-
ra, moradia etc.), são alçados, no nosso texto constitucional, à condição de garantias
individuais escritas, portanto, positivadas.
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