Imunidade constitucional do ICMS para exportação de produção local para o exterior - inteligência do art. 155, § 2o, X, a, da Constituição e consequências jurídicas - parecer

AutorIves Gandra da Silva Martins
CargoProfessor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE-O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército-ECEME, Superior de Guerra/ESG e da Magistratura do TRF-1a Região.
Páginas22-36

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Consulta

Formula-me, o eminente advogado, Dr. Fernando Facury Scaff, a seguinte consulta sobre texto de legislação vigente, que poderá ser prorrogada e que "d ispõe sobre o tratamento tributário especial nas operações relativas à extração, industrialização, circulação e comercialização de bauxita, alumina, alumínio e seus derivados":

"1ª. O Anteprojeto de Lei Ordinária estadual veicula regras que possam ser caracterizadas como ‘guerra fiscal’, em especial quando estabelece uma sistemática de diferimento e de creditamento de ICMS quanto aos bens abaixo indicados? Infringe de alguma forma a Lei Complementar 24/1975, que regula a concessão de benefícios fiscais no âmbito do ICMS, e a Lei Complementar 87/1996, que estabelece as normas gerais para a cobrança de ICMS no território nacional?

"2ª. É possível ao Estado do Pará reconhecer desde logo créditos de ICMS referentes aos bens de uso e consumo, cujo início do prazo de reconhecimento está previsto para o ano de 2020 na forma do art. 33, I, da Lei Complementar 87/1996?

"3ª. É possível ao Estado do Pará reconhecer créditos de ICMS referente aos bens do ativo permanente de modo mais favorável ao contribuinte, em desconformidade com o que determina a Lei Complementar 87/1996, em especial seu art. 20, § 5º?

"Registra-se que o referido Anteprojeto de Lei Ordinária está para ser apresentado pelo Poder Executivo do Estado do Pará à Assembleia Legislativa do mesmo Estado,

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para deliberação e, se for o caso, aprovação, como uma forma de substituição da Lei estadual 6.307, de 17 de julho de 2000, cujo prazo de vigência encerrar-se-á dia 16 de julho de 2015."

Resposta

Algumas considerações preliminares fazem-se necessárias, antes de responder objetivamente as questões formuladas.

A primeira delas diz respeito às imunidades constitucionais de impostos.1Para não poucos operadores de direito e para a maioria daqueles que atuam no serviço público, essa desoneração constitucional seria uma renúncia fiscal, com tratamento não diverso do que se dá às isenções, alíquotas zero, remissões de débito e não incidências. Autoridades fiscais cuidam da imunidade como se fosse perda de receita, a que teriam direito.2Tal visão, sobre não representar compreensão do que representa a opção constitucional por instituí-las, afeta o próprio comportamento de determinadas ações fiscais, assemelhando institutos jurídicos distintos.

É fundamental que se entenda que as imunidades tributárias são uma vedação absoluta ao poder de tributar, não havendo qualquer renúncia fiscal, sempre que se verifica tal impossibilidade material de imposição, interdição, proibição ou vedação de o poder tributante atingir pessoas, áreas, ações, atividades protegidas pelo princípio constitucional.3À evidência, o art. 111 do CTN não se aplica às imunidades, estando assim redigido:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.4

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Cuida ele de isenções e desonerações concedidas pelo próprio poder tributante, ou seja, de autênticas renúncias fiscais. Nas imunidades, não. Ninguém pode renunciar ao que não tem e o constituinte ao criá-las estabelece que aquelas situações lá definidas, estão protegidas de qualquer veleidade impositiva, risco de o poder que a violar incorrer na mácula maior, qual seja, a da inconstitucionalidade.

Não sem razão, a intepretação, que é estrita para as desonerações fiscais ou benefícios concedidos pelo Poder Público, é tida por extensiva nas imunidades, a fim de evitar que os crônicos déficits públicos das entidades federativas leve-as a interpretações "pro domo sua", restringindo o espectro das vedações definidas pelo legislador maior.5E vem de muito longe tal exegese, como realçado nesta parte de ementa de acórdão da relatoria do eminente e saudoso Ministro Thompson Flores:

Papel de Imprensa - Ato inexistente

- Interpretação literal.

Não são as dimensões (variáveis segundo o método industrial adotado) que caracterizam o papel para impressão. Ao contrário da isenção tributária, cujas regras se interpretam literalmente, a imunidade tributária admite ampla inteligência (grifos meus).6Resumindo esta primeira consideração: nas imunidades, não há renúncia fiscal, pois a vedação é absoluta ao poder de tributar. Ninguém renuncia ao que não tem. Nas demais desonerações, tais renúncias existem, pois determinadas pelo próprio Poder Público: na isenção nascendo a obrigação tributária e não o crédito por força do art. 175 do CTN, assim redigido:

Art. 175. Excluem o crédito tributário:

I - a isenção;

II - a anistia.

Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela consequente, na alíquota zero nascendo um e outra, reduzidos a sua expressão nenhuma; nas não incidências não nascendo nenhum, nem outra, pelo não exercício do poder de tributar; nas anistias, as punições pecuniárias sendo excluídas, mas não a obrigação e créditos tributários; e nas remissões, penalidades e tributos estão excluídos, enquanto créditos tributários, mas não enquanto obrigações.7

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À evidência, em todos os casos, que não conformem imunidades constitucionais, encontra-se o intérprete perante benefícios, desonerações, renúncias fiscais concedidas pelo Poder Tributante, inclusive pelo não exercício de seu poder impositivo, como no caso de não incidência. Não há, todavia, qualquer estímulo concedido pelo Poder Público nas imunidades.

Esta primeira consideração leva-me a uma segunda.

Reza o art. 155 § 2º inciso X letra "a" da CF que:

Art. 155. (...).

§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela EC n. 3, de 1993)

(...);

X - não incidirá: a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores (Redação dada pela EC n. 42, de 19.12.2003).

Apesar de o constituinte fazer menção a "não incidência", trata-se de autêntica imunidade.

Já o Ministro José Celso de Mello, no primeiro caso examinado pela Suprema Corte sobre a "isenção" de que trata o § 7º, do art. 195, em relação às contribuições sociais, declarou que o que constar na lei suprema como vedação ao poder de tributar, use o constituinte a palavra que usar, será sempre uma imunidade, ou seja, uma vedação absoluta ao poder de tributar.

Neste caso, sustentei pessoalmente as razões das Igrejas Adventistas perante a 1ª

Turma do STF, com resultado favorável a meus constituintes, por unanimidade da Corte.8Tanto faz, portanto, falar o constituinte em imunidades, isenções ou não incidências. A proibição de o Poder Público tributar

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aquela situação, pessoa ou ação estabelecida na lei suprema é uma imunidade tributária.

Assim sendo, o inciso X, letra "a", do § 2º do art. 155 estabelece uma autêntica imunidade constitucional, sem restrições. Não é idêntica àquelas estabelecidas na letra "c" do inciso VI, do art. 150, da CF, que comportam restrições objetivas.9Há, portanto, imunidade absoluta em relação ao ICMS sobre mercadorias ou serviços exportados para o exterior, não podendo sequer carregar tais mercadorias ou serviços, a carga do ICMS incidente sobre as operações anteriores, seja sobre mercadorias, insumos ou bens do ativo permanente.

São imunes as operações de exportação e imunes as operações anteriores de produtos e serviços, sempre que destinados ao exterior.

A lei não impõe limites ou restrições ao gozo destas imunidades, que são de usufruto pleno pelas empresas exportadoras, nos termos conformados pelo legislador supremo.

Uma terceira consideração torna-se agora necessária.

As imunidades a que se refere o inciso X, letra "a", do § 2º do art. 155 da CF não devem ser reguladas pela lei complementar a que se refere a letra "g" do inciso XII do § 2º do art. 155, assim redigido:

Art. 155. (...).

(...).

XII - cabe à lei complementar: (...);

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.10REVISTA DE DIREITO TRIBUTÁRIO-124

Mas, pela lei complementar a que se refere o art. 146, inciso II, cuja dicção segue:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...);

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.11É que, como disse na segunda consideração, as imunidades para a saída do produto e a não incidência constitucional do ICMS nas operações anteriores, por serem limitações ao poder de tributar, não estão sujeitas à deliberação dos Estados e Distrito Federal, nem à definição da forma como a Carta Magna determina o estabelecimento das alíquotas mencionadas no inciso VI, do § 2º, do art. 155, assim redigido:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela EC n. 3, de 1993)

(...).

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§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela EC n. 3, de 1993)

(...).

VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais.12Em outras palavras, por não serem tais imunidades nem isenções nem incentivos nem benefícios fiscais concedidos pelo Poder Tributante, mas limitação ao Poder de Tributar imposto pelo autor da Carta Magna, foge aos Estados, ao Distrito Federal, ao Confaz sua competência regulatória, nos termos da lei complementar a que se refere a letra "g", do inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF.

A denominada "guerra fiscal", atalhada repetidas vezes pela Suprema Corte - e com Súmula redigida...

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