A (in)aplibabilidade da negociação processual no direito processual do trabalho

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas264-270

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Apresentação

A ciência processual desenvolve-se atualmente sob o paradigma do Direito Processual Constitucional, pelo qual as partes contribuem com o juiz para a composição dos litígios. Fazendo-se uma re-leitura do Direito Processual do Trabalho nos moldes da CR/1988, é necessário não perder de vista o respeito aos princípios e regras específicos desse ramo, que tem como fim o reequilíbrio entres os litigantes, diante da hipossuficiência do empregado. Noutro contexto, o Código de Processo Civil é aplicado subsidiariamente ao Processo Trabalhista naqueles casos em que há omissão da CLT ou não há incompatibilidade entre as disciplinas, conforme art. 769 DA CLT. Neste ano, o TST editou a Resolução n. 203/2016, criando a Instrução Normativa n. 39 (IN n. 39), que trata da (in)aplicabilidade do CPC de 2015 aos processos trabalhistas. O objetivo desta pesquisa visa fornecer bases para a discussão sobre (in)adequação da negociação processual (art. 2º, II, IN da n. 39) ao Direito Processual do Trabalho, pela especialidade deste ramo. A hipótese aventada é da confirmação da interpretação do TST que se manifestou pela inaplicabilidade daquele instituto na seara trabalhista, com fundamento no princípio da Proteção Processual, pelo qual se cria uma desigualdade entre as partes, visando ao equilíbrio da relação processual, haja vista o ius postulandi do obreiro ser a regra. O artigo será elaborado pelo método hipotético-dedutivo de pesquisa, utilizando-se consulta à doutrina, artigos jurídicos e jurisprudência. O Processo do Trabalho conta com regras e princípios próprios, que cuidam da necessária tutela jurisdicional que merece o reclamante, dada sua hipossuficiência na relação jurídica. Tomando como premissa a realidade dos tribunais, pelo qual o ius postulandi do trabalhador — tecnicamente inapto para o manejo de instrumentos jurídicos — é a regra, não se pode querer tratá-lo como igual perante o empregador, que se encontra muito mais preparado, técnica e financeiramente; por isso a inaplicabilidade da negociação processual na disciplina trabalhista.

1. Introdução

A ciência processual desenvolve-se atualmente sob o paradigma do Direito Processual Constitucional, pelo qual as partes contribuem com o juiz para a composição dos litígios; na contramão do que sustentava Oskar Von Bülow, quando afirmava que as partes não participavam da construção do provimento final, sendo este um trabalho exclusivo do juiz — que se encontrava “acima” delas.

Fazendo-se uma re-leitura do Direito Processual do Trabalho nos moldes da Constituição da República Federativa do Brasil — CR/1988, é necessário não perder de vista o respeito aos princípios e regras específicos desse ramo, que tem como fim o reequilíbrio entres os litigantes, diante da hipossuficiência do empregado.

Noutro contexto, o Código de Processo Civil é aplicado subsidiariamente ao Processo Trabalhista naqueles casos em que há omissão da Consolidação das Leis Trabalhistas — CLT — ou não há incompatibilidade entre as disciplinas. Nesse raciocínio o Tribunal Superior do Trabalho — TST — editou a resolução 203/2016, tratando sobre a (in)aplicabilidade das regras do Código de Processo Civil de 2015 — CPC/2015 — aos processos trabalhistas, e nesse sentido decidiu pela não aplicabilidade da negociação processual no ramo processual laborista.

O presente trabalho não tem o intuito de discutir acerca da negociação processual, mas apenas de sua inaplicação na seara trabalhista. A negociação processual é chamada também de Acordos processuais, convenções processuais ou negócios jurídicos processuais, no Brasil. Na Alemanha, de “contratos processuais” e na Itália “contrato” (CUNHA, 2015).

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Portanto, trata-se de um acordo de vontades entre os litigantes, referente a alguns procedimentos processuais que a lei permite que sejam transacionados.

Atualmente muitos doutrinadores afirmam serem os acordos processuais importantes para a celeridade e para a real participação dos jurisdicionados na construção da decisão final. Todavia, como toda criação humana, os negócios jurídicos processuais são passíveis de críticas, e é este o intuito do presente artigo; levantar algumas delas para o amadurecimento do tema na processualística trabalhista.

Em que pese a CR/1988 no seu art. 133, dispor sobre a indispensabilidade do advogado à “Justiça” — jurisdição —, no Processo Trabalhista, aquele que em há o princípio da Proteção Processual — haja vista haver uma desigualdade substancial entre as partes — o ius postulandi do obreiro é regra, inclusive já pacificada pelo Supremo Tribunal Federal — STF.

A despeito da posição do Supremo, a priori, parece que há uma quimera em afirmar que o patrono pode ser dispensado do processo trabalhista, e que, portanto, nessa linha de pensamento, a regra da CLT seria inconstitucional. Todavia, é preciso lembrar, como afirmado por Eugenio Raul Zaffaroni:

É impossível uma teoria jurídica, destinada a ser aplicada pelos operadores judiciais em suas decisões, que não tome em consideração o que verdadeiramente acontece nas relações sociais entre as pessoas. Não se trata de uma empresa possível, embora objetável, mas de um empreendimento tão impossível quanto fazer medicina sem incorporar dados fisiológicos [...]. O mesmo acontece quando se pretende construir o direito [...] sem levar em consideração o comportamento real das pessoas, suas motivações, sua inserção social, suas relações de poder, etc., e como isso é impossível, o resultado não é um direito [...] desprovido de dados sociais, mas sim construído sobre dados sociais falsos. (ZAFFARONI, 2006, p. 65-66.)

Então, não podemos fazer uma defesa apenas teórica/ filosófica do direito — em que pese o direito também ser “dever-ser” —, mas uma defesa efetiva das garantias Constitucionais e procedimentais, portanto, um discurso em sintonia com a realidade. Por isso, é necessário fazer um estudo crítico acerca do tema, ainda que sintético.

2. Direito processual constitucional

O Direito Processual passou por várias mudanças desde a sua criação até os dias atuais e muito já foi teorizado, criado, reformulado, criticado e discutido. Falar na construção do modelo processual hodierno torna necessário também, falar em construção política, histórica e jurídica — ainda que de forma sintética —, já que a ciência é criada pelo ser humano, e como tal é recheada de avanços e retrocessos, sendo estes altamente influenciados pela sociedade e seus valores, pois a verdade de uma época, pode não ser a mesma em outra.

A sociedade muda, os valores mudam, as pessoas mudam, e nessa mudança contínua, os paradigmas se alteram dando margem e base para a (re)construção de todo um modelo novo; a ciência que cria, é transformada depois pela crítica que se faz de sua própria criação, e nesse aspecto surge um novo sujeito, carecendo nova identidade, que lhe é conferida conforme sua participação — ou não — na (re)contrução de sua história.

Nessa linha de pensamento retornemos ao Estado Liberal, que tem como característica os direitos de primeira geração. Falava-se assim na liberdade do indivíduo — em sua autonomia como ser de direitos —, podendo associar-se ou não a determinado grupo se assim decidisse.

Entretanto, o que se via é que os pobres e marginalizados, ou seja, os trabalhadores, não tinham qualquer liberdade, vivendo um “estado de servidão” contínua, tendo que trabalhar à exaustão para poder se alimentar, e se alimentar mal, o que, diga-se de passagem, foi o que culminou nas lutas por melhores condições de trabalho, e numa última visão, na própria construção do Direito material e processual trabalhista.

Portanto, falava-se na liberdade formal, pela qual se sustentava uma falsa liberdade do indivíduo, aprisionando-o cada vez mais ao grande capital, sem poder contar com a tutela estatal, pois o Estado era visto como um corpo estranho à sociedade — que necessitava ser afastado, pois caso houvesse algum desequilíbrio, uma “mão invisível” re-equilibraria toda a sociedade e o mercado —, lhe cabendo apenas intervir o mínimo possível, ficando conhecido, então, como o “Estado-mínimo”.

Nessa época o Direito Processual era “tímido”, geralmente ligado ao direito Cível. Nas palavras de Carlos Henrique Bezerra Leite (2014, p. 38), era “[...] caracterizado pelo tecnicismo, legalismo, positivismo jurídico acrítico, formalismo e “neutralismo” do Poder Judiciário. A ação, no Estado Liberal, nada mais seria do que a derivação do direito de propriedade em juízo [...]”.

A luta de classes levou ao declínio do Estado Liberal e início do Estado Social, pelo qual o Estado passa a ser mais presente na vida dos indivíduos e “[...] é...

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