(In)aplicabilidade imediata das novas regras processuais e dos honorários de sucumbência recíprocas no processo trabalhista

AutorJosé Affonso Dallegrave Neto
Páginas277-281

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1. A reforma trabalhista virou lei

Para o desencanto da maioria dos operadores jurídicos, o Projeto de Lei da Reforma Trabalhista foi aprovado em tempo recorde e virou norma legal. Trata-se da Lei n.
13.467, publicada no Diário Oficial da União em 14 de julho de 2017, com vacatio legis de 120 dias.

Nela, há muitas novidades na seara do direito material e algumas no direito processual. A maioria delas constitui verdadeiro retrocesso no campo dos direitos fundamentais, máxime o direito de acesso à jurisdição (art. 5º,
XXXV). Mencionem-se aqui duas regras processuais que se sobressaem: a contagem do prazo não mais em dias corridos, mas em dias úteis, ex vi do art. 775 da CLT; e os honorários de sucumbência recíproca, previstos no novo art. 791-A, § 3º, da CLT.

Diante dessas inovações, cabe indagar se a lei processual passa a vigorar de forma imediata ou retroativa. Com outras palavras: a nova lei alcança os processos em curso ou somente aqueles cujas ações tenham sido ajuizadas após a sua vigência, em novembro de 2017?

Ora, é cediço que a norma processual tem efeito pros-pectivo e imediato, valendo lembrar do brocardo “lex prospicit, non respicit2. Contudo, impende sublinhar que as regras de direito intertemporal contêm exceções importantes. São chamadas de regras de sobredireito (ou superdireito) aquelas que não criam situações jurídicas imediatas, mas regulam sua aplicação no tempo, no espaço e na interlocução das fontes do direito.

A aplicação da regra geral e suas exceções visa equacionar dois cânones fundamentais da ordem jurídica, “a lei do progresso e o conceito de estabilidade das relações humanas”3. De um lado, o efeito prospectivo da nova lei processual, de outro, a segurança jurídica das relações.

Para Tércio Ferraz, a doutrina da irretroatividade serve ao valor segurança jurídica, “o que sucedeu já sucedeu e não deve, a todo momento, ser juridicamente questionado, sob pena de se instaurarem intermináveis conflitos”. Essa doutrina, prossegue Ferraz, “cumpre a função de possibilitar a solução de conflitos com o mínimo de perturbação social”4.

Para Gomes Canotilho, a segurança jurídica se desenvolve em torno dos conceitos de estabilidade e previsibili-dade. O primeiro alude às decisões dos poderes públicos: “uma vez realizadas não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particular-mente relevantes”. Quanto à previsibilidade, Canotilho alude à “exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos”5.

A primeira exceção ao princípio da aplicação imediata da norma processual encontra-se no próprio texto constitucional, qual seja o seu art. 5º, XXXVI, ao dispor que a lei nova “não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Em igual sentido é o art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 6º: A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º: Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

Trata-se, pois, de garantir a segurança jurídica a fim de evitar surpresas prejudiciais às partes, ou mesmo proteger as situações jurídicas já encetadas sob o pálio da lei velha. Não se ignore que dentro do conceito de segurança jurídica temos a segurança legal e judicial. A propósito, Luiz Fux bem observa:

“Em essência, o problema da eficácia da lei no tempo é de solução uniforme, porquanto toda e qualquer lei, respeitado o seu prazo de vacatio legis, tem aplicação imediata e geral, respeitados os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Muito embora a última categoria pareça ser a única de direito processual, a realidade é que todo e qualquer novel diploma de processo e de procedimento deve respeitar o ato jurídico-processual perfeito e os direitos processuais adquiridos e integrados no

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patrimônio dos sujeitos do processo. Assim, v.g., se uma lei nova estabelece forma inovadora de contestação, deve respeitar a peça apresentada sob a forma prevista na lei pretérita”6.

2. Tempus regit actum

Na mesma toada, exsurge a segunda exceção que dispõe sobre o sistema de isolamento dos atos processuais. Com efeito, a lei nova não retroage em relação aos atos já consumados, aplicando-se apenas aos atos futuros do processo. Nesse sentido é a regra do art. 1.046 do CPC/15:

Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei n. 7.869, de 11 de janeiro de 1973.

§ 1º As disposições da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revogadas aplicar-se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código.

Observe-se que o CPC/15 fez questão de declarar que as disposições revogadas do CPC/73, atinentes ao rito sumário e especiais, continuam em vigor para as ações não sentenciadas até a data do novo CPC/15. Em igual sentido são as regras da CLT:

Art. 912 - Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação.

Art. 915 - Não serão prejudicados os recursos interpostos com apoio em dispositivos alterados ou cujo prazo para interposição esteja em curso à data da vigência desta Consolidação.

Aqui cabe invocar a máxima latina: tempus regit actum. Esse brocardo apareceu no direito pátrio por força do direito lusitano, nomeadamente o Livro IV das Ordenações Filipinas, que se estendia ao Brasil Colônia, vigendo até o advento do CC/1916. Como sugere o próprio nome, o tempo rege o ato. Vale dizer, aplica-se a lei em vigor ao tempo em que o ato processual foi realizado.

Observa-se que as normas antes transcritas reforçam a regra geral de aplicação imediata da lei nova, salvaguardando a segurança jurídica em relação às situações iniciadas, mas ainda não consumadas.

A celeuma recai sobre a ultratividade da lei antiga quando incidente sobre ato processual tido como mero consectário de outro ato anterior. Os efeitos da lei velha se postergam nessa hipótese, sobretudo quando ausente disposição transitória (caso da Lei n. 13.467/17).

Não se ignore que a relação jurídica processual é dinâmica, implicando uma marcha progressiva que colima a prestação jurisdicional do Estado. Assim, ainda que a realização do ato isolado seja de fácil identificação, os efeitos por ele visados muitas vezes estendem-se no tempo, consolidando-se apenas com a consecução de outros atos ou faculdades processuais imbricadas. Aqui se encontra o desafio para o aplicador da lei nova.

3. A lei processual nova não pode surpre-ender de forma prejudicial

Para solver essa controvérsia, importa invocar uma terceira exceção à regra geral da aplicação imediata. Trata-se do princípio do não prejuízo aos litigantes pela lei processual nova. Com efeito, a novel legislação somente se aplica às situações em curso, quando para beneficiar as partes, a exemplo da nova contagem em dias úteis prevista no mencionado art. 775 da CLT.

Ao contrário...

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