Inadimplemento nos contratos empresariais: um estudo sobre a mora e as perdas e danos no código civil de 2002

AutorTarcisio Teixeira
Páginas263-274

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1. Inadimplemento
1. 1 Introdução

Inadimplemento nada mais é do que o não cumprimento da obrigação, também denominado de inexecução da obrigação, e mais comumente de mora. O adimple-mento da obrigação é a regra, sendo o inadimplemento a exceção.

Para melhor estudar inadimplemento, mister se faz um breve comentário a respeito de obrigação.

Uma obrigação1 é firmada entre partes e feita para ser cumprida, sendo que uma vez não cumprida, ou cumprida de forma parcial, gera-se um "mal-estar" para uma das partes (um transtorno, uma crise).

A obrigação descumprida ou mal cumprida, ou cumprida com atraso, equivale a uma célula doente no organismo social; célula essa que pode contaminar vários órgãos do organismo, É a patologia da obrigação, conforme Sílvio de Salvo Venosa.2

No entanto, o mal-estar de uma parte muitas vezes funciona como um vírus, que se tratando de atividades negociais, se espalha para outros. Por exemplo, uma sociedade empresária, nada mais é do que o reflexo de sucessivos contratos que são firmados e executados de forma coordenada e com profissionalidade, para que assim possa fazer funcionar uma atividade, que é de risco, na busca de lucro. Então, uma sociedade empresária que transforma maté-ria-prima, uma vez não as recebendo ficará impossibilitada de produzir seu produto.

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Logo, não poderá vendê-lo a clientes que os usam como insumo de um produto final, e assim sucessivamente, estendendo-se por toda cadeia produtiva.

Sem falar que o empresário não podendo exercer sua atividade não consegue pagar salários (o que prejudica não só trabalhadores, mas também suas famílias), não consegue recolher seus tributos (o que prejudica o Fisco), enfim, causa inúmeros transtornos sociais.

Na Roma antiga pelo inadimplemento de obrigação o devedor pagava até mesmo com o seu próprio corpo, podia inclusive sofrer mutilações ou tornar-se escravo do seu credor. No entanto, no decorrer da história percebeu-se que esse método era ineficaz.

A saída encontrada pelos ordenamentos então passou a ser que, pelo não cumprimento das obrigações, o devedor deveria pagar uma quantia em dinheiro. Que na perspectiva do direito empresarial nem sempre se releva uma solução adequada, pois às vezes uma das partes contratante é exclusiva detentora de determinado insumo, sendo que, mesmo o credor recebendo a indenização não conseguirá, pelo menos em curto prazo, encontrar no mercado o insumo necessário ao desenvolvimento de sua atividade.

O empresário sempre, mas notada-mente com o advento do Código Civil de 2002 e suas cláusulas gerais, busca certeza e segurança nas suas relações obrigacionais, que não sendo cumpridas serão submetidas ao crivo do ordenamento jurídico, com indenização ou execução forçada, quando cabível.

1. 2 Modalidades de inadimplemento

Ao se tratar de mora não se pode fugir dos ensinamentos de Agostinho Alvim,3 que brilhantemente distingue inadimplemento relativo, ou mora, previsto no art. 394 do Código Civil, de inadimplemento absoluto, previsto no parágrafo único do art. 395 do mesmo Código.4

Então, a mora é considerada inadimplemento relativo, que por sua vez se diferencia do inadimplemento absoluto nos seguintes termos:

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O principal critério de distinção é o fato de ainda haver "utilidade" para o credor o cumprimento da prestação pelo devedor, pois, em tese, este poderia, sempre, cumprir sua obrigação (ainda que parcialmente), mas nem sempre será útil ao credor.

1. 3 Mora

Mora é o não cumprimento relativo da obrigação. Mas, é importante lembrar que, a mora pode se dar quando o devedor não cumpre com sua obrigação (mora solvendi), como quando o credor não aceita o cumprimento (mora accipiendi).

O art. 394 do Código Civil (que na essência é o mesmo que estava disposto no Código Civil de 1916, art. 9555) ao abrir o capítulo sobre a mora trata do tempo, lugar e forma de cumprimento pelo devedor, e aceitação pelo credor da prestação.

Apesar da questão do "tempo" ser a maior preocupação, o "lugar" e a "forma" também são importantes, notadamente no meio empresarial, uma vez que hoje empresários trabalham com linha de produção com prazo certo de entrega. Muitas vezes recebem o pedido sem ter produto no estoque (just in time),,pois têm sistemas de gerenciamento para a linha de produção, sendo que não só o atraso, mas também a entrega em outro local (em uma filial onde o insumo não tem utilidade) ou de forma não avençada6 (insumo entregue parcial-mente ou outra espécie) pode trazer enormes prejuízos.

Nos tempos atuais, mais do que nunca, o empresário é um profissional que não poderia errar diante de sua expertise, fazendo tudo de "caso pensado", além do fato de que o mercado é dinâmico e exigente. Assim, a mora (configuração da inadim-plência) na vida dos negócios é muito mais desastrosa do que na vida comum (os contratos são para a empresa o que o ar é para o ser humano, por exemplo, no caso das montadoras de veículos automotores). Na vida comum, o prejuízo, "grosso modo", seria de um só; na vida dos negócios, as perdas sao inúmeras, e vêm em efeito cascata muitas vezes (essa é uma das razões pela qual surgiu o instituto da falência na intenção de inibir a impontualidade/inadim-plemento). Então, o fornecedor não poderia dar-se ao luxo de ser constituído em mora (uma vez que estará assumindo implicitamente que não é profissional competente para celebrar contratos empresariais). Com efeito, se assim acontecer, as penalidades provavelmente serão muito mais rigorosas do que as que seriam aplicadas ao civil inadimplente, notadamente as do mercado.

Aqui parece oportuno mencionar, ainda que de forma sucinta, a função económica do contrato, uma vez que na vida negociai as relações são firmadas de forma rápida, sendo o contrato o mecanismo que fornece respaldo aos atos praticados nas negociações, de modo que é indispensável o pensamento de Caio Mário da Silva Pereira sobre a função económica do contrato: "Com o passar do tempo, entretanto, e com o desenvolvimento das atividades sociais, a função do contrato ampliou-se. Generalizou-se. Qualquer indivíduo - sem distinção de classe, de padrão económico, de grau de instrução - contrata. O mundo moderno

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é o mundo do contrato. E a vida moderna o é também, e em tão alta escala que, se fizesse abstração por um momento do fenómeno contratual na civilização de nosso tempo, a consequência seria a estagnação da vida social. O homo económicas estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a ati-vidade do homem limitar-se-ia aos momentos primários".7

1.3. 1 Mora do devedor - Mora "solvendi"

A mora do devedor pode se dar de três formas:

(i) dolosa: voluntariamente não quis cumprir a obrigação;

(ii) culposa: não cumpriu por negligência ou por imprudência (apesar de não haver manifestação da doutrina, consideramos que pode ocorrer por imperícia, quando o devedor não for apto para o exercício de determinada atividade, como, por exemplo, no caso do corretor de seguros sem permissão da SUSEP - Superintendência de Seguros Privados);

(iii) involuntária: não cumpriu em razão de caso fortuito ou força maior.

O devedor responde pelos prejuízos a que sua mora der causa (salvo na mora involuntária), conforme o art. 395. Ou seja, deverá pagar uma indenização, a qual não supre a prestação, que tem o fim de atenuar os transtornos causados pelo atraso no cumprimento da obrigação (tratando-se de contratos entre empresários uma indenização por prejuízos nem sempre irá resolver o problema, pois há situações em que o dinheiro não consegue recuperar a imagem e reputação da empresa, por exemplo, quando ela fica sem condições de atender a demanda do mercado de insumo ou consumo, acarretando uma perda da credibilidade junto aos clientes).

O art. 395 traz substanciais alterações comparando-o com o art. 955 do Código Civil de 1916. Inclui no seu texto que o devedor pela sua mora responderá (além dos prejuízos) também pelos juros, atuali-zação monetária conforme índices oficiais, e honorários advocatícios.8

Fábio Konder Comparato lembra que a jurisprudência do STF, na década de 1980, já era pacífica no sentido do cabimento de correçao monetária pelo inadim-plemento contratual.9

Na mora do devedor (mais comum) mister se faz a culpa - critério subjetivo -, conforme os arts. 396 e 399,10 na mora do credor não. Logo, não responderá o devedor pelos ónus da mora quando não tenha concorrido para ela, por exemplo, em caso fortuito ou força maior não deverá o devedor pagar juros ou multa pelo atraso, conforme art. 396.

Quanto à culpa, Fábio Konder Comparato posiciona-se no sentido de que, ela não é elemento essencial da mora do devedor, e que para a caracterização da mora basta o descumprimento da obrigação.11

A mora do devedor se dá quando a obrigação é vencida, portanto exigível. A exigibilidade da prestação é requisito ob-jetivo da mora.

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1.3.1. 1 Efeitos da mora do devedor

Em regra o devedor não responde por caso fortuito ou força maior (art. 39312), no entanto, se eleja estiver em mora/atraso responderá, salvo se provar que o dano ocorreria mesmo sendo a obrigação cumprida ao seu tempo, conforme o disposto no art. 399...

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