Incerteza legal e custos de transação: casuísta jurisprudencial

AutorRachel Sztjan
Páginas40-48

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Das diferenças entre sistemas jurí-Ddicos filiados à common law e aqueles de base romano-germano-canôni-ca, ressaltam de um lado o papel exercido pelos magistrados que, nos ordenamentos da primeira família, têm maior poder dizer a lei ou fazer a lei aplicável ao caso concreto, o que, para alguns, implicaria insegurança normativa quando comparado aos ordenamentos de famílias originadas do direito romano.

Supõe-se que a positivação normativa decorrente da codificação (iniciada sob Napoleão Bonaparte, no início do século XIX) e que subsiste no presente, embora fragmentada dado os microssistemas, a pletora de normas especiais, além de uma invocada constitucionalização do direito privado, ainda se exalta, nesse complexo quadro, o fato de esses sistemas criarem certeza e segurança, pois as normas são de todos conhecidas e devem ser aplicadas não segundo critérios discricionários dos magistrados, mas objetivamente.

Claro que não se afastam eventuais interpretações na leitura do texto normativo, nem se ignora possíveis incompletudes ou "imprecisões" uma vez que a ação humana é mais ágil do que a reforma legislativa. Hermenêutica jurídica e princípios gerais de direito são instrumentos para "ajuste" das normas "antigas" às novas relações sociais.

Transformações na produção, massifi-cada depois da Revolução Industrial, tiveram como consequência, no plano jurídico com: a) o surgimento dos contratos padronizados, exigência que facilita sua administração; b) normas específicas para reger as relações de trabalho; c) reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, entre outras.

Deixando de lado afirmações de alguns economistas que afirmam ser os ordenamentos dos países de common law mais eficientes do que os de tradição roma-no-germânico-canônica, dado que, na opinião por eles expressada, a excessiva tutela dos devedores retarda o crescimento econômico e gera menos riqueza comprometendo o bem-estar geral. Muitas vezes esse fenômeno interfere nas decisões judiciais, quando não na modelagem normativa, tornando-se fonte de incertezas e, portanto, criando ou amplificando os custos de transação e, portanto, de perda de bem-estar.

Conforme Ronald H. Coase atritos são normais nas relações intersubjetivas. Quando as pessoas podem, facilmente, reduzi-los, não há necessidade da intervenção do Estado - provedor de normas jurídicas e titular do monopólio do poder de punir (Judiciário). Porém, quando há dificuldades que tornem a solução das desavenças, um dos custos de transação apontados por Coase, então é preciso que a disciplina emane do Estado.

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A garantia das posições jurídicas, a tutela de direitos - propriedade, contratos e imputação de responsabilidade - depende da clareza na redação das normas e sua aplicação pelas Cortes.

Se o contrato é, antes de tudo uma instituição social recepcionada pelo Direito para garantir a voluntária e regular circulação da propriedade (riqueza), é, também, mecanismo de alocação de riscos. Vestimenta de operação econômica, o contrato tem função vital nas sociedades atuais.

Contudo essa função "instrumental" do contrato para disciplinar a circulação da riqueza não afasta a percepção da desigualdade entre agentes. Assimetrias informa-cionais geram vulnerabilidades na contratação e deveriam, sempre que possível, ser corrigidas de forma preventiva, ex ante; correções expost, as que se seguem à contratação, seriam exceção.

Não se trata de discutir a adoção de condutas, nem a proibição em que o resultado pode ser a imposição de sanções, elemento inibidor de comportamentos socialmente indesejáveis.

As normas - quer as de direito posto quer as sociais - promovem (ou inibem) condutas que, em última análise, reduzem ou aumentam os custos de transação nas barganhas intersubjetivas.

Quando Coase discute custos de transação e custos sociais derivados de exter-nalidades, uma de suas preocupações foca o Judiciário e seu poder para fazer, interpretar e aplicar as normas vigentes.

Não estranha, pois, que a literatura de law and economics se ocupe da eficiência da atuação do Judiciário, análise que vai além do tempo para trânsito em julgado das decisões. Estudam-se, também, a qualidade, termo empregado no sentido de inibir oportunismos, moral hazard, reduzir externalidades negativas.

A jurisprudência aumenta, ou diminui, a certeza e segurança do Direito, com reflexos nos custos de transação. A função promocional do Direito, o prêmio ou a pu-nição, conforme Norberto Bobbio, deve ser corroborada pelos Tribunais.

Segundo Yuval Feldman e Shahar Lifshitz, em recente texto intitulado Behind the Veil of Legal Uncertainty,1 normas são uma das mais importantes ferramentas sociais para direcionar comportamentos, modelam instituições sociais; efeitos ex post decorrentes da aplicação das leis influenciam o exercício de atividades.

Portanto o desafio está no equilibrar a função positiva, direcionar comportamentos, e a negativa, distorção dos efeitos, especialmente para evitar estes, é preciso prudência, evitando-se gerar danos em virtude de ambiguidades que mascarem os resultados pretendidos, favoreçam a adoção de estratégias indesejadas não previstas pelos incentivos legais.

Enveredando por discussões psicológicas quanto a preferências os autores discutem reações à informação ambígua ou não disponível e sugerem que a incerteza jurídica reduz a influência da norma na tomada de decisões.

Se as pessoas agem estrategicamente, diante de ambiguidades jurídicas a opção recai nas normas sociais. Dessa perspectiva, considera-se que decisões judiciais que criam ambiguidades servem de base para decisões estratégicas. E, quando faltam normas socialmente modeladas e aceitas, agir oportunisticamente é opção que não se pode descartar. A incerteza derivada de decisões judiciais é fonte de insegurança e aumenta custos de transação.

Em face de decisões do Superior Tribunal de Justiça envolvendo direito do consumidor, antecedidas por discussões doutrinárias sobre a "amplitude" do conceito de consumidor, por evidente, contribuíram que a incerteza e insegurança resultantes da aplicação da lei na visão de magistrados daquele Corte, têm fundamento na ambiguidade do teor do art. 2° da Lei n. 8.078/1990.

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O Código de Defesa do Consumidor, no artigo acima referido, define consumidor como aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Não há ressalva quanto à utilização do produto ou serviço utilizado evidenciando que se a ideia era a de qualificar o elo final da cadeia produtiva, portanto eliminando os insumidores, que transformam bens e serviços em outras utilidades, é preciso recorrer ao art. 3o da Lei.

Aqui, ao definir fornecedor (art. 3o da Lei n. 8.078/1990), parte-se das atividades de produção, passa-se para as de montagem, criação, construção, transformação, inclui-se importação e exportação, distribuição ou comercialização de produtos e ainda a prestação de serviços, descrevendo-se todas as possíveis etapas da cadeia de produção/transformação de bens.

A inclusão das atividades ligadas ao comércio exterior, notadamente a importação dá segurança a quem, no país, adquirir bem fabricado...

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