Contornos da responsabilidade do legislador - incertezas, inseguranças e incoerências decorrentes das reformas do sistema de execução civil - Profiles of legislator responsibility - uncertainty, insecurity and incoherences elapseds of the reforms of civil execution sistem

AutorMarcelo José Magalhães Bonício
CargoMestre e Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Procurador do Estado de São Paulo.

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Editorial

Contornos da responsabilidade do legislador – incertezas, inseguranças e incoerências decorrentes das reformas do sistema de execução civil

CONTORNOS DA RESPONSABILIDADE DO LEGISLADOR – INCERTEZAS, INSEGURANÇAS E INCOERÊNCIAS DECORRENTES DAS REFORMAS DO SISTEMA DE EXECUÇÃO CIVIL1PROFILES OF LEGISLATOR RESPONSIBILITY – UNCERTAINTY, INSECURITY AND INCOHERENCES ELAPSEDS OF THE REFORMS OF CIVIL EXECUTION SISTEM

Marcelo José Magalhães Bonício *

Resumo: as recentes reformas operadas no sistema de execução civil visavam obter processos mais justos e céleres. De outro modo, suspeita-se que tais objetivos não tenham sido alcançados pelo legislador, pois não se levou em consideração a harmonia do sistema, o que resultou na introdução de regras com pouca clareza, de estrutura incoerente e que não valorizaram as experiências obtidas na vida prática.

Palavras-chave: Reformas. Código de Processo Civil. Execução. Processo justo. Celeridade. Satisfação. Normas incoerentes. Discutibilidade. Incerteza.

Abstract: the recent reforms operated in the system of civil execution aimed at to get righter and quick processes. However, there are suspects that this objectives have not been reached by the legislator, this because were not considered the system harmony, what resulted in the introduction of rules with little clarity, of incoherent structure and that they had not valued the experiences gotten in the practical life.

Keywords: Reforms. Code of Civil Action. Execution. Just process. Quickness. Satifaction. Incoherent rules. Discussibility. Uncertainty.

INTRODUÇÃO

A reforma introduzida pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, modificou importantes aspectos da execução civil amparada em título judicial, para atender às necessidades de um processo melhor, mais justo e rápido, que consiga produzir resultados satisfatórios para todos que dele necessitam.2Com o mesmo objetivo, o legislador modificou, por meio da Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006, o sistema de execuções amparadas em títulos executivos extrajudiciais.

* Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP).

Procurador do Estado de São Paulo.

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Há dúvidas de que tais objetivos tenham sido alcançados, mas, ao menos por enquanto, é possível afirmar que o legislador brasileiro mais uma vez demonstra não conhecer bem a fisiologia do sistema processual civil nem se preocupar com a harmonia das regras processuais.

Para justificar essa crítica, ao menos para os fins propostos no presente estudo, duas palavras devem ser postas em destaque: discutibilidade e coerência.

O pior defeito que um sistema processual pode apresentar não está, propriamente, no seu custo ou na sua duração ou, tampouco, na sua complexidade. Há algo anterior a esses fatores que, se não determina, influi bastante no crescimento do descrédito do próprio sistema, que é o grau de discutibilidade das regras processuais (CHIOVENDA, 1993, v. 1, p. 374).3A multa de 10%, prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil (CPC), apenas para citar um exemplo recente, tem sido causa de muitas incertezas na doutrina e, de certa forma, na jurisprudência.

Tal penalidade foi prevista para incidir nas hipóteses em que, condenado em juízo, o devedor deixa de cumprir a obrigação no prazo de 15 dias.

A desídia do legislador, entretanto, deixou muitas lacunas a respeito do tema, tais como o momento em que a multa passa a incidir e a possibilidade de tal multa incidir nas execuções que já estão em curso.

A menção ao termo inicial do prazo mencionado, na lei que alterou o Código de Processo Civil, em nada comprometeria a reforma processual, porque, justa ou injusta, qualquer discussão doutrinária ou jurisprudencial teria um norte a seguir, ou seja, os termos da lei.

A ausência de uma providência tão simples, no entanto, custará caro ao sistema processual, porque, por muito tempo, haverá discussões a respeito do momento de incidência da multa. Ao final, tudo não passará de pura perda de tempo, a demonstrar que o legislador não desempenhou satisfatoriamente a sua tarefa de elaborar um sistema minimamente equilibrado.4Essa questão, assim como tantas outras5, demonstra o inaceitável grau de discutibilidade que o legislador brasileiro impôs ao sistema processual, o qual, por conta disso, fica cada dia mais incerto, quando deveria ocorrer o contrário, ou seja, com o passar do tempo o sistema deveria evoluir, orientado pelas balizas dadas pela doutrina e pela jurisprudência.

Nesse cenário, qualquer melhora que o sistema vier a apresentar será fruto do acaso, e toda experiência adquirida ao longo do tempo não terá utilidade alguma, motivos suficientes para deixar o sistema brasileiro cada vez mais longe de oferecer segurança jurídica processual.

Por sua vez, a coerência de um sistema, conforme já afirmou Norberto Bobbio (1999, p. 113), não é condição para sua validade, mas, sem sombra de dúvida, é condição para que se possa afirmar que o sistema é justo.

Ao criar tratamentos diferenciados para execuções que, em tese, são iguais, o sistema cria incoerências que, embora não cheguem a invalidá-lo, deixam em destaque algumas injustiças, as quais contribuem para o agravamento da crise pela qual passa o processo de execução.6Além disso, a ausência de uniformidade de procedimentos na execução só serve para aumentar as incertezas a respeito do correto funcionamento do sistema.

Para saber em que medida o sistema é incoerente, é preciso delimitar, antes de tudo, quais os caminhos pelos quais se admite o início de uma execução (admissão), quais os procedimentos que a execução pode permitir (modo de ser) e, ainda, quais as formas de extinção da execução (término).

Nos limites do presente estudo, com base na análise proposta, serão apontadas as graves incoerências mencionadas, assim como algumas questões relacionadas às incertezas do sistema processual de execução.7Este estudo será feito para, na medida do possível, lançar luzes sobre as certezas, probabilidades e riscos com que o sistema de execução brasileiro tem aceitado trabalhar, conforme será visto nos tópicos seguintes.

1. OS MEIOS PELOS QUAIS É POSSÍVEL INICIAR A EXECUÇÃO CIVIL BRASILEIRA

No processo de conhecimento, as partes buscam a formulação concreta da regra de direito, ou, conforme a doutrina italiana, o “accertamento dell’esistenza del diritto”, enquanto, no processo de execução, as partes querem “l’attuazione pratica, materiale” (MANDRIOLI, 2000, v. 3, p. 11), desta regra.

Para que isso seja possível, é imprescindível que o autor da ação apresente ao Juiz um título executivo, que pode ser judicial ou extrajudicial, nos termos dos arts. 475-N e 585, ambos do CPC, os quais não são taxativos porque, tanto em outras passagens do mesmo diploma legal quanto na legislação extravagante, é possível encontrar outros títulos executivos.

Os meios para iniciar essas execuções, as quais podem ser por sub-rogação (obrigações de pagar) ou por coerção (obrigações de entregar, de fazer ou de não fazer) (CHIOVENDA, 1942, v. 1, p. 403), estão previstos em lei.

No caso de uma condenação civil, segundo as novas regras, ainda que a multa prevista no art. 475-J incida de ofício, é preciso que o credor requeira,

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nos mesmos autos do processo de conhecimento, o início da fase de execução, para que, preenchidos os requisitos legais, seja expedido o mandado de penhora.

Por outro lado, se se tratar de outro título executivo judicial, como a sentença penal condenatória, a sentença arbitral e o acordo extrajudicial (art. 475-N), o executado será citado para que, a partir desse ato processual, o processo de execução fique completo.8Isso também ocorre nas hipóteses em que o título executivo for de natureza extrajudicial, simplesmente porque, em todos esses casos, não existe um processo de conhecimento prévio, que permita a execução nos mesmos autos.

Até este ponto já identificamos dois modos diferentes de iniciar uma execução. Nos próprios autos de um processo de conhecimento, se se tratar de um título executivo judicial, e a partir do início de uma demanda nova, quando se tratar de títulos executivos judiciais que não estejam amparados, propriamente, numa sentença civil, ou então quando a natureza do título for extrajudicial.

Há, no entanto, outros modos de se iniciar uma execução.

No caso da antecipação de tutela ou de medidas cautelares, por meio de uma liminar já é possível dar início à execução, mesmo sem a formação de título executivo, desde que tenham sido observadas as regras previstas no art. 273 ou 796, conforme o caso, do CPC.

Não se trata, obviamente, de uma execução nos mesmos moldes das execuções amparadas em títulos executivos9, simplesmente porque ainda não houve a formação de título algum e, portanto, não há coisa julgada a ser respeitada.10Isso não significa, porém, que não possa ocorrer a penhora de um determinado bem, em sede de antecipação de tutela, por exemplo, com a conseqüente avaliação e venda em hasta pública, aplicando-se, no que couber, as regras da execução provisória, previstas no art. 475-O do CPC.

Quando se tratar de obrigações de fazer, não fazer ou de entregar algo, aplicam-se as regras previstas nos arts. 621 e 632, se o título executivo for extrajudicial, ou as regras previstas nos arts. 461 e 461-A...

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