Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

AutorMarcus Vinicius Guedes Berti - Aílton Cocuruto
CargoAdvogado - Procurador de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo. Diretor Cultural na Associação Paulista do Ministério Público
Páginas24-30

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1. Introdução

O incidente de resolução de demandas repetitivas, incluído no novo Código de Processo Civil de 2015, Lei 13.105 de 16 de março de 2015, com previsão nos artigos 976 a 987, tem por objetivo a uniformização do entendimento acerca da "tese jurídica", comum a inúmeras ações, quando se utiliza este instituto. O teor da decisão do tribunal é o ponto de partida para que os juízos singulares decidam seus processos.

Segundo os doutrinadores Teresa Arruda Alvim Wambier; Maria Lúcia Lins Conceição; Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello1,

A nova lei exige que já haja efetiva repetição de processos e não mera potencialidade de que os processos se multipliquem. Parece, todavia, que os objetivos do instituto ficariam inteiramente frustrados, se se exigisse, para a instauração do incidente, que já se tivesse instalado o caos na jurisprudência de 1º grau, com milhares de sentenças resolvendo de modos diferentes a mesma questão de direito. Não. Se a lei exige que já haja processos "repetidos" em curso, é razoável que se entenda que bastem duas ou três dezenas, antevendo-se a inexorabilidade de a multiplicação destas ações passarem a ser muito maior (Wambier; Conceição; Ribeiro; Mello, 2015, p. 27).

O incidente é previsto no art. 976 e não se confunde com o art. 285-A do antigo diploma processual civil brasileiro. No artigo ora comentado, estando diante do risco da multiplicação de demandas em relação a um determinado tema, o tribunal conduzia a uniformização do entendimento.

Analisaremos os legitimados, sua instauração, procedimento e julgamento e se há possibilidade da revisão da tese fixada.

2. Da instauração do incidente

A principal função do instituto é centralizar processos que tenham as mesmas "teses jurídicas", permitindo que a decisão proferida alcance todo o território nacional.

O doutrinador Antonio Scarance Fernandes2 diz que o incidente constitui:

Momento novo, formado de um ou mais atos não inseridos na sequência procedimental, que possibilitam a decisão da questão incidental ou exame dos pressupostos de sua admissibilidade no processo.

No anteprojeto3 a instauração do incidente era permitida de forma preventiva, a ideia era evitar a multiplicação de processos que envolvessem as mesmas "teses jurídicas".

No entanto, prevaleceu que, para sua instauração, haja a efetiva repetição de processos que contenham controvérsias sobre a mesma questão de direito, isto é, que, além da questão ser predominante de direito, deve haver risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (art. 976, inciso II).

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2. 1 Dos legitimados

A legitimidade para instauração do incidente é muito ampla fio dis-positivo que os indica está no art. 977 e nos incisos II e III.

Assim, além das partes fiape-nas para não generalizá-las, as que demonstrarem o interesse social e a segurança jurídica violada fio requerimento ainda pode ser feito pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública.

Podemos apontar que o Minis-tério Público também figura como requerente em caso de desistência ou abandono da parte que requereu, e, ainda que não seja o requerente do incidente, sempre estará presente como fiscal da lei.

A legitimidade do Ministério Público para requerer a instauração do incidente é ampla, prevista constitucionalmente no art. 1274.

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

2. 2 Do incidente

A finalidade do incidente é a uniformização de uma tese jurídica sobre uma mesma matéria de direito, em um determinado estado ou região.

Sua instauração está condicionada aos pressupostos do art. 976:

Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I fiefetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II firisco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

§ 1º fia desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente.

§ 2º fise não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.

§ 3º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.

§ 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quan-do um dos tribunais superiores, no âm-bito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

§ 5º Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.

Se o juiz, durante o curso do processo, identificar que se trata de possível processo repetitivo que ainda não foi apreciado por meio do incidente, oficiará ao tribunal e suspenderá o curso do processo havendo prevenção do juízo.

No caput do art. 978, cada tribunal, por meio de seu regimento interno, indicará o órgão na qual competirá a competência e o julgamento do incidente.

Para instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, não há necessidade de pagamento das custas.

Outro ponto que merece destaque: mesmo havendo abandono da causa o exame do mérito será analisado.

2. 3 Admissibilidade

Para sua admissão a questão do incidente deve conter simultaneamente a efetiva repetição de processos envolvendo a mesma questão de direito com risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Sob entendimento de Humberto Ávila, segurança jurídica se dirige ao ordenamento jurídico da seguinte forma5:

(...) a cognoscibilidade dirige-se ao ordenamento jurídico em geral, no sentido de que este, no seu conjunto, deve ser inteligível formal e material-mente; a estabilidade pode também referir-se ao ordenamento em geral, no sentido de que este, globalmente considerado, deve ter durabilidade; e a calculabilidade igualmente pode trazer referência à ordem jurídica, no sentido de que esta, na sua totalidade, não pode ser objeto de modificações abruptas, drásticas e incoerentes (Ávila, 2011, p. 138-139).

Destaco também o entendimento do jurista italiano Gaetano Silvestri, sobre segurança jurídica e isonomia6:

Nessa dimensão, a Corte Suprema não pode mais ser vista como um órgão que visa a garantir uma mítica racionalidade do ordenamento, fruto de uma razão iluminista que outrora seduziu.

No mesmo sentido Luiz Guilherme Marinoni7:

A isonomia e a segurança jurídica são justificativas teóricas de um siste-ma de precedentes. O princípio treat like cases alike é a base secular do stare decisis.

Há que ressaltar que o art. 976 alude a questão unicamente de direito, o que traz à tona a tentativa de separação da questão de direito e questão de fato.

Neste caso entra a dificulda-de em separar fato e direito, pois não há questão de direito que, por mesclar com fatos, se conceitue de outra forma.

O incidente pressupõe a individualização da questão de direito nos casos de questões incontroversos. Dessa forma surge uma mesma questão de direito.

Sob entendimento de Bruno Dantas8, pode-se dizer que questão de direito é o fundamento da ação ou da contestação sobre o qual se instalou uma controvérsia, e que tem em sua essência a análise de um princípio ou de uma regra jurídica.

Cândido Dinamarco9 refere que questões de fato correspondem "à dúvida quanto a uma assertiva de fato contida nas razões

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de algumas partes". Por outro lado, questões de direito correspondem "à dúvida quanto à pertinência de alguma norma ao caso concreto, à interpretação dos textos, legitimi-dade perante norma hierarquicamente superior".

Este é o ponto chave do incidente que discute unicamente questão de direito. O seu julgamento tem caráter abstrato, com natureza de norma geral e sua tese desvincula-se das particularidades fáticas do caso concreto.

Essa análise de admissibilidade não deve ser feita monocraticamente, mas obrigatoriamente pelo colegiado.

Mesmo sendo rejeitada por falta dos...

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