Inclusão das pessoas com deficiência e inteligência artificial: convergências possíveis
Autor | Heloisa Helena Barboza e Vitor Almeida |
Ocupação do Autor | Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) |
Páginas | 601-618 |
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INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL:
CONVERGÊNCIAS POSSÍVEIS1
Heloisa Helena Barboza
Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Diretora da Faculdade de Direito da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora em Direito pela UERJ e em Ciências pela ENSP/
FIOCRUZ. Especialista em Ética e Bioética pelo IFF/FIOCRUZ. Procuradora de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro (aposentada). Parecerista e advogada.
Vitor Almeida
Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Professor Adjunto de Direito Civil da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ). Professor dos cursos de especialização do CEPED-UERJ, PUC-Rio e EMERJ.
Vice-diretor do Instituto de Biodireito e Bioética (IBIOS). Membro do Instituto Brasileiro
de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Pós-doutorando em Direito Civil pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Pessoas com deciência, acessibilidade e tecnologias
assistivas: a inclusão por meio da tecnologia. 3. Inteligência articial: benefícios e riscos às
pessoas com deciência. 4. Os conns do humano e as pessoas com (d)eciência na era da
inteligência articial. 5. Considerações nais. 6. Referências.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A inteligência artificial já é uma realidade no cotidiano de diversas pessoas, ainda
que sequer tenham consciência do seu funcionamento e alcance. A ideia de máquinas
inteligentes que tomam decisões a partir de uma programação a partir de dados captados
exerce profundo fascínio em parcela da sociedade, embora os riscos e efeitos ainda sejam
desconhecidos. No entanto, a inteligência artificial tem relevante papel na inclusão das
pessoas com deficiência, permitindo uma vida independente e com melhor qualidade
de vida. Nessa linha, há de se destacar que o propósito da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência (CDPD), o qual constitui obrigação de seus signatários, é
promover, proteger e assegurar o exercício de todos os direitos humanos e liberdades
1. Artigo originalmente publicado em BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA, Vitor. Pessoas com (d)eficiência e
inteligência artificial: primeiras reflexões. In: TEPEDINO, Gustavo; SILVA, Rodrigo da Guia (Coord.). O Direito
Civil na era da inteligência artificial. São Paulo: Thomson Reuters, 2020, p. 83-102. Para a presente publicação o
presente texto foi revisto, atualizado e ampliado.
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fundamentais por todas as pessoas com deficiência, de modo pleno, equitativo e efetivo
na sociedade, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Conforme
definido na Convenção, a deficiência resulta da interação de um impedimento indivi-
dual de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, com as diversas
barreiras existentes na sociedade, as quais podem obstruir sua participação. A elimina-
ção, ou pelo menos o afastamento, dessas barreiras é, por conseguinte, indispensável
para possibilitar o exercício dos direitos assegurados às pessoas que tem algum tipo de
impedimento. Esta é, sem dúvida, uma das preocupações das Partes convenentes, que
assumiram várias obrigações voltadas para esse fim, desde a realização e promoção da
pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias, incluídas as tecnologias da infor-
mação e comunicação, até ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias
assistivas, adequados a pessoas com deficiência, com prioridade para as tecnologias de
custo acessível, além da adoção de medidas apropriadas para garantir o oferecimento de
adaptações razoáveis (art. 4, 1, g e h; art. 5, 3).
No cenário tecnológico, a denominada inteligência artificial (IA) ganhou impulso,
qualificado como “definitivo”2, no final do século XX, com a evolução da internet e
dos microprocessadores, à qual se somaram diversas inovações. Não tardou, porém,
que este novo impulso fizesse igualmente crescer os mitos e medos gerados pela IA
ou, como os estudiosos do tema têm demonstrado, criados pela indústria cinemato-
gráfica americana, que tem indiscutível influência nas crenças sociais. Afinal, o que se
tem constatado em várias situações decorrentes dos avanços tecnocientíficos é que “a
vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”, como afirmou o genial poeta
e escritor Oscar Wilde.3
Não há dúvidas, porém, quanto aos benefícios proporcionados à humanidade
pela IA, alguns já incorporados ao cotidiano e dos quais a maioria das pessoas não se dá
conta. Tal fato, contudo, não deve afastar os questionamentos, que não se confundem
com a ficção, postos em diferentes campos de pertinência pela IA, como os que dizem
respeito ao cabimento e limites de regulamentação da matéria, sob diversas vertentes,
inclusive a ética.
Nessa linha, a IA se apresenta às pessoas com deficiência como um caminho para
melhorar suas vidas, especialmente quando se trata de acessibilidade, tecnologia assis-
tiva ou ajuda técnica e comunicação. Se considerada uma das denominadas “leis da IA”,
segundo a qual “desafio gera inteligência”, ou seja, ela “só existe em razão de desafios”, as
possibilidades de criação de meios para solução de problemas das pessoas com deficiência
se potencializam. Lembre-se que as barreiras que se contrapõem a um impedimento in-
dividual configurando a deficiência, constituem desafios cotidianos a serem enfrentados
pelas pessoas com deficiência, e que com frequência impedem o exercício de direitos.
Nesse cenário, verifica-se o progressivo uso de IA aplicado às tecnologias de assistência
e promoção à pessoa com deficiência, a exemplo do aplicativo desenvolvido pela Intel
2. PEIXOTO, Fabiano Hartmann. SILVA, Roberta Zumblick, Martins da. Inteligência artificial e direito. Curitiba:
Alteridade, 2019, p. 24.
3. WILDE, Oscar. Pen, pencil and poison: a study in green. In: Intentions, posição 273 [E-book].
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