A inconstitucional tentativa de tributação dos livros

Com o intuito de financiar a educação após a expulsão dos jesuítas do Brasil e a retomada da administração das instituições de ensino pela Coroa Portuguesa, o déspota esclarecido da metrópole, Marquês de Pombal, instituiu o chamado "subsídio literário", um tributo que incidia sobre bebidas alcoólicas e cuja arrecadação era destinada ao pagamento de salários dos professores. A lógica era muito simples: tributar um produto muito consumido na colônia com o objetivo de obter recursos para expandir o acesso à educação e promover entre os colonos a circulação de ideias relativas à filosofia, latim, retórica e primeiras letras.

O atual ministro da Economia, Paulo Guedes, parece sugerir uma espécie de estratégia pombalina às avessas: ao invés de aproveitar a oportunidade da reforma tributária para criar instrumentos tributários voltados à expansão do acesso à cultura e à educação no Brasil, pretende tributar seus próprios veículos — quais sejam, os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a suas impressões — dificultando ainda mais a difusão dos mais variados conhecimentos e o exercício da liberdade de pensamento no país. A justificativa é a de que quem arcará com o ônus tributário é a elite brasileira, pois os livros seriam produtos de luxo consumidos quase exclusivamente por ela.

Para além de prejudicar gravemente o trânsito e a divulgação de ideias no Brasil, o governo age na direção única de aumentar a arrecadação nem que para isso tenha que extrapolar os limites constitucionalmente impostos. Que os pobres não tenham acesso à informação e à literatura, o que tem o Ministério da Economia a ver com isso?

A história da atividade editorial no Brasil é a história da dificuldade de permanecer de pé em um país marcado por profundas desigualdades econômicas que se convertem em desigualdades de acesso às ideias e aos bens culturais. Mas a persistência heroica das editoras brasileiras está ameaçada: analistas tem denunciado com grande alarme que ocorrerá um verdadeiro quebra-quebra nesse mercado se a reforma tributária proposta for aprovada nesses termos.

Paulo Caliendo registra que "a imunidade dos livros jornais e periódicos inicia a sua história com a isenção de direitos de entrada no Brasil para os livros estrangeiros de ciência, das artes e das letras, datada de 26 de janeiro de 1819, por meio de uma instrução do rei entregue ao Desembargador do Paço, João Severiano Maciel da Costa".[1]

No plano constitucional, a proteção tributária aos livros e periódicos no Brasil remonta a ninguém mais, ninguém menos que Jorge Amado. O escritor baiano, que também foi deputado federal, sabia que os Capitães de Areia da vida real tinham pouca ou nenhuma chance de ler os seus ou quaisquer outros livros e julgava fundamental que o governo adotasse uma política tributária que promovesse esse acesso. Por essa razão, idealizou e conseguiu incluir na Constituição de 1946 um dispositivo que vedava o lançamento de tributos sobre o papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros[2]. Essa imunidade foi estendida aos livros, jornais e periódicos pela Constituição de 1967[3] e reproduzida quase integralmente na Emenda Constitucional n. 1 de 1969[4].

Na Constituição de 1988, o dispositivo subsistiu. Lê-se em seu artigo 150, inciso VI, letra d:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Como se observa, pende sobre essas mercadorias uma imunidade objetiva à tributação. A proteção constitucional refere-se apenas à incidência de impostos, nada dizendo quanto as outras espécies tributárias, a saber, taxas e contribuições, e refere-se objetivamente aos tributos incidentes sobre o processo de circulação (ICMS, IPI, impostos de importação e exportação) daquelas mercadorias e não aos tributos relativos ao resultado desta circulação (tais como o lucro ou a renda).

Sob esse cenário constitucional, sobreveio a Lei nº 10.865/04 que, em seu artigo 28, VI, concedeu alíquota zero para as contribuições do PIS/Cofins incidentes sobre a receita bruta decorrente de venda de livros no mercado interno, ampliando a estas contribuições a imunidade objetiva garantida constitucionalmente.

Na proposta de reforma tributária apresentada pelo ministro da Economia, Projeto de Lei 3887/2020, as contribuições do PIS/Cofins serão unificadas e transformadas em um terceiro tributo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), revogando-se expressamente através do...

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