Incursões na teoria geral do processo

AutorAdailson Lima e Silva
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Páginas19-66

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1.1. Uma introdução à pós-modernidade processual

Segundo pensamos, não se pode alcançar o desiderato a que nos propomos, qual seja, discorrer sobre o tema em estudo, sem, antes, fazer uma incursão, mesmo que perfunctória,

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na seara da teoria geral do processo. Hoje, o processo deve distanciar-se dos debates de cunho teórico, abandonar as formas ortodoxas e alcançar a finalidade constitucional a que se destina, qual seja atender às necessidades de quem bate à porta do Poder Judiciário, se fundadas no direito objetivo e em caso de lacunas, nos princípios gerais do Direito, na analogia e nos costumes.

O processo não pode ficar enclausurado nas prateleiras dos fóruns, deixando que o mérito dos pedidos das partes raie, às vezes, à decadência, situação que leva ao desprestígio da Justiça, como também, ao de seus operadores.

Trata-se de versão mais atualizada do movimento científico, cuja liderança foi de José Carlos Barbosa Moreira1, cognominado “efetividade do processo”, que chegou ao mundo jurídico em 1984, portanto, há mais de quinze anos; este movimento acabou por se tornar uma das bases teóricas da reforma do Código de Processo Civil, que ocorreria em 1995. Naquele tempo, o emérito professor assim se posicionava: “a) o Processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, quer resultem de expressa previsão normativa, que se possam inferir do sistema; b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminados ou indeterminável o círculo de eventuais sujeitos; c) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponde, tanto

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quanto puder, à realidade; d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade que faz jus segundo o ordenamento; e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo de dispêndio de tempo e energia”.

O direito processual pós-moderno carece de sair das prateleiras. Inúmeras são as comarcas do interior do país que não possuem serviço de fax próprio, utilizando-se de terceiros, diversas são as comarcas que não possuem em seu acervo computadores modernos, sem contar aquelas que não possuem tais equipamentos; não se olvidem as comarcas cujos serventuários da Justiça, em grande número, são cedidos por prefeituras municipais para exercer tarefas de servidores, que deveriam ser concursados para tanto.

O acesso à Justiça tem sido cerceado aos menos afortunados: vê-se a negativa de prestação da atividade jurisdicional àqueles que não possuam disponibilidades financeiras para o pagamento das quase sempre vultosas custas processuais; percebe-se o impedimento do exercício da ampla defesa, pela proibição de se aforarem embargos do devedor aos executados, que a despeito de possuírem patrimônio, este ou já está vinculado a títulos de crédito, em garantia real ou em penhora em processos de execução, e não observância de um ou de outro levaria à tipificação de ilícitos penais.

As práticas retromencionadas são, sem sombra de dúvidas, inconstitucionalidades, por inobservância do art. 5º, LXXIV, cujo teor é no sentido de assegurar a “assistência jurídica integral” aos necessitados. No caso específico do não ajuizamento dos embargos do devedor, resta conspurcada a norma constitucional inserta no art. 5º, LIV, que impede a privação de bens do executado, sem o devido processo legal. A inovação não passou despercebida a Rogério Lauria Tucci e José

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Rogério Cruz e Tucci2: “Com efeito, considerado o direito de igualdade como um dos fundamentais, na expressão constitucional, a garantia da tutela jurisdicional somente pode ser, como tal, concretizada se estiver, efetiva e materialmente, ao alcance de todos sem exceção. Por via de conseqüência, impõe-se a gratuidade do processo aos menos favorecidos economicamente, mediante a garantia da assistência judiciária”. E arremata: “Por outro lado, tem-se, outrossim, que o acesso aos juízos e tribunais não deve ser obstado em nenhuma hipótese, especialmente na insuficiência econômica, devendo ser possibilitada, de modo equânime, a gratuidade”.

A lição é de cientificidade singular e conta com o apoio de José Carlos Barbosa Moreira3: “A Constituição de 1988 assinada, nesse processo evolutivo, ponto de inflexão que não pode passar despercebido, é curioso, para dizer o menos, que os comentadores do art. 5º, LXXIV, não estejam demonstrando do conceito de assistência judiciária” pelo de “assistência judiciária integral”. O assunto decerto merece, primeiro a nossa atenção; em seguida, a nossa reflexão; depois – last but not least – o nosso esforço para transbordar do papel para a vida a bela promessa constitucional”.

Procurando dar efetividade processual à norma programática da Constituição Federal, por mais de uma vez, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, dando efetivi-dade à norma constitucional prevista no art. 5º, LXXIV da Constituição Federal de 1988, assegurando os benefícios da assistência jurídica integral, não só a pessoas físicas, como também a pessoas jurídicas, nestes termos: “O benefício da gratuidade pode ser requerido e deferido na

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fase de execução da sentença condenatória, ainda que não o tenha sido para o processo de conhecimento”, conforme se nota do Recurso Especial, número 109.168-SP. E em outro julgado, cujo trecho transcrevemos: “É perfeitamente admissível, à luz do art. 5º, LXXIV, da CF/88, a concessão do benefício da gratuidade à pessoa jurídica, que demonstre, cabal-mente, a impossibilidade de atender as despesas antecipadas do processo, o que vedaria o acesso à Justiça”, como exorta o Recurso Especial número 161.897-RS.

É aplicação do feliz escólio de Mauro Cappelletti4, quando descreve as três ondas reformistas do processo civil mun-dial, valorizando: o acesso à Justiça, rapidez na prestação da atividade juridicional e a tutela de interesses difusos e coletivos, com estas palavras:

“a) quello di stabilire procedure piú acessibilli in quanto più semplice e razionali, più economiche, efficienti e specializzatte per certi tipi di controversie; b) il fini di promuovere e rendere acessibile un tipo di giustizia che altrove abbiano definito coesistenziale, basata cioè sulla concliazione e mediazione e su criteri di equità sociale distribuitiva; c) il fine di sottoporre l’attività pubblica a forme, spesso nuove e comunque più allargate e acessibili di controlo e più decentrate e participatorie, con la participazione, in particolare, di membri di quegli stesse gruppi sociali e comunità que sono dirrettamente interessatti alla situazione o controversia in questione.”

É de ficar clara nossa posição, segundo a qual ou se enquadram os institutos de direito processual à teoria geral do processo ou não se pode defender a existência da mesma,

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por falta de rigor científico. Não se concebe, sob o prisma científico, e com base na unidade do processo, em todas as suas subdivisões (direito processual civil, do trabalho e penal), aceitar que cada instituto tenha uma disciplina diversa, conforme o ramo do processo, no qual é estudado.

No início do século passado, quando o processo ainda se prendia a formas sacramentais, João Mendes Júnior5trataria o direito processual civil e o direito processual penal à luz dos princípios que lhe são comuns, com estas palavras:

As leis do processo são o complemento necessário das leis constitucionais; as formalidades do processo são as atualidades das garantias constitucionais. Se o modo e a forma da realização dessas garantias fossem deixadas ao critério das partes ou à discrição dos juízes, a Justiça, marchando sem guia, mesmo sob o mais prudente dos arbítrios, seria uma ocasião constante de desconfianças e surpresas” e termina com acuidade: “as leis do processo são regras práticas, pelas quais cada legislador buscou aplicar aos fatos e às circunstâncias os princípios constitucionais e as regras da ciência. Essas regras práticas, na contraprova da experiência, vão demons-trando a sua legitimidade e a sua oportunidade, vão refletindo, à medida que se manifestam, o espírito e as tendências do povo a que se aplicam”.

Apregoam alguns sectários da modernidade que a pós-modernidade jurídica...

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