Indeferimento da Petição Inicial

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas113-123

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1. Casos de indeferimento

O CPC prevê, no art. 330, as situações que autorizam o juiz a indeferir a petição inicial. Consta, efetivamente, desse preceptivo legal:

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:

I – for inepta;

II – a parte for manifestamente ilegítima;

III – o autor carecer de interesse processual;

IV – não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321.

§ 1.º Considera-se inepta a petição inicial quando:

I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;

II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;

III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;

IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.

§ 2.º Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito.

§ 3.º Na hipótese do § 2.º, o valor incontroverso deverá continuar a ser pago no tempo e modo contratados.

Vejamos.

Caput. O tema constava do art. 295 do CPC revogado.

Quando alguém invoca a prestação da tutela jurisdicional do Estado é elementar que está pretendendo obter um provimento que lhe assegure um bem ou uma utilidade da vida. Isso corresponde a dizer, por outras palavras, que o autor visa, sempre, a um pronunciamento da jurisdição respeitante ao mérito da demanda. Analisado o assunto sob esse ângulo, surge logicamente a conclusão de que apenas os provimentos que examinassem o meritum causae deveriam receber a denominação de sentença, pois esta representa a resposta jurisdicional às pretensões formuladas pelo demandante (res in iudicio deducta).

O atual Código de Processo Civil, no entanto, conceitua como sentença “o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução” (art. 203, § 1.º).

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Não raro, todavia, surgem certos “acidentes de percurso”, que impedem o desenvolvimento do processo rumo à sentença de fundo, fazendo com que se finde prematuramente. A sentença, que assim o extingue, a doutrina de outrora, estribada na legislação da época, chamava de terminativa — terminologia que os estatutos processuais civis de 1973 e atual abandonaram. Fala-se, hoje, em sentença que resolve o mérito (antiga definitiva) e sentença que não o resolve (antiga terminativa). A CLT, pouco científica, continua a aludir a decisões terminativas e a decisões definitivas (art. 895, I e II).

Variações terminológicas ao largo, o fato é que o processo se extingue por modo anormal sempre que a sentença não aprecia o mérito da causa. Essa terminação anômala, mesmo assim, produz alguns efeitos, de caráter endoprocessual para os litigantes. Basta argumentar com o decurso do prazo para a interposição de recurso da sentença, que faz gerar a preclusão, por força da qual as partes ficam impedidas de discutir, novamente, a demanda, na mesma relação processual. A esse fenômeno a doutrina tem designado de “coisa julgada formal”, em contraposição à material. A locução referida, embora consagrada, apresenta uma intransponível contradição entre os próprios termos pelos quais é enunciada. Com efeito, se o processo foi extinto sem pronunciamento acerca do mérito, não se pode dizer, sem falta contra a lógica, que houve coisa julgada (mesmo que “formal” ou “processual”) — simplesmente porque a res, entendida como a pretensão de natureza material, que constitui objeto da lide, não foi julgada!

O que a sentença “terminativa” traz, implícita, é uma declaração de que, em decorrência de determinados empecilhos, a res não pôde ser iudicata, vale dizer, que a prestação da tutela jurisdicional, em sua mais pura expressão, foi frustrada por esses obstáculos fatais.

Investigada sob a óptica de sua natureza ou de seus efeitos, a sentença “terminativa” pode ser considerada declaratória-negativa, porque afirma a existência de óbices ao exame do mérito, e a impossibilidade de a tutela jurisdicional da res in ludicio deducta ser efetivamente realizada. Nesta hipótese, não atua a regra estampada no art. 492, do CPC, que proíbe o juiz de emitir sentença de natureza diversa da pedida, pois o fato de o provimento ser de índole distinta da pleiteada pelo autor se deveu à singularidade de não se poder chegar ao exame do mérito.

A extinção do processo, sem resolução das questões de fundo da demanda (ou da lide), é algo que se dá, na generalidade dos casos, em detrimento dos interesses do autor, porquanto a ele, mais do que ao réu, convinha o prosseguimento do processo em direção ao seu ponto de culminância: a sentença de mérito. Já a extinção do processo com julgamento do mérito pode ocorrer em benefício ou em desfavor de qualquer dos litigantes, tudo dependendo da formação do convencimento jurídico do juiz acerca dos fatos da causa, das provas produzidas e do direito aplicável.

O indeferimento da petição inicial figura como uma das causas de extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, arts. 485, I). O objetivo de nossos comentários faz com que nos detenhamos, exclusivamente, sobre essa causa.

A inicial será indeferida quando: a) for inepta; b) a parte for manifestamente ilegítima;

  1. o autor carecer de interesse processual; d) não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321, do CPC (art. 330, I a IV).

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O CPC atual eliminou duas das causas arroladas no art. 295 do Código revogado, a saber: 1) quando o juiz verificasse, desde logo, a decadência ou a prescrição; 2) o tipo de procedimento escolhido pelo autor fosse inadequado.

A petição inicial somente será indeferida se o autor não atender ao despacho judicial de que trata o art. 321.

Inciso I. Inépcia. Tem-se por inepta a petição inicial quando: 1) lhe faltar o pedido ou a causa de pedir; 2) o pedido for indeterminado, exceto nos casos em que se permite a formulação de pedido genérico; 3) da narração dos fatos não decorrer, de maneira lógica, a conclusão; 4) contiver pedidos incompatíveis entre si.

O exame dessas causas de inépcia será realizado no ensejo dos comentários ao § 1.º do art. 330.

Inciso II. Ilegitimidade de parte. Poderá ser motivo de indeferimento da petição inicial tanto a ilegitimidade para a causa (ad causam) quanto para o processo (ad processum), embora esta última seja de maior ocorrência, até mesmo porque pode ser verificada sem maiores dificuldades, ou seja, de plano. A investigação da legitimidade para a causa é, muitas vezes, complexa, exigindo, em certos casos, um indisfarçável lançar de olhos nos próprios pedidos formulados. Persistamos, contudo, neste ponto: a ilegitimidade para a causa, apesar das dificuldades de ordem prática, quanto a identificá-la num primeiro exame, também pode ensejar o indeferimento da petição inicial, desde que manifesta.

Preocupamo-nos em expor, desde logo, o nosso ponto de vista a respeito do assunto, tendo em conta o fato de que alguns autores sustentam somente ser possível o indeferimento da inicial se a ilegitimidade for ad processum. Ora, se observarmos, com a necessária atenção, o conteúdo do art. 330, do CPC, que se ocupa com o tema, veremos que ele refere a falta de interesse processual (inciso III), elemento que, no sistema do atual Código de Processo Civil, integra as condições da ação (arts. 17 e 485, VI). Sendo assim, não há nenhuma razão para imaginar-se que a única ilegitimidade capaz de autorizar o indeferimento da petição inicial seria a ad processum, sabendo-se que a ad causam integra o elenco das condições da ação.

Dita ilegitimidade, por outro lado, pode ser ativa ou passiva, contanto que evidente — convém reiterar. O que se deve considerar, a propósito, para os efeitos do art. 330, II, do CPC, como ilegitimidade manifesta? Assim há que ser entendida a que é patente, que salta aos olhos já no primeiro momento, que independe de investigações ou de refiexões aprofundadas.

A legitimidade ad processum, em regra, é do titular do direito (material) que se deseja ver judicialmente reconhecido ou protegido: é a pertinência subjetiva da lide, a que se refere a doutrina. Há situações, entretanto, em que a lei atribui legitimidade para invocar a prestação da tutela jurisdicional a quem não detém a titularidade do direito material: tem-se, aqui, uma legitimação extraordinária, a traduzir a figura da substituição processual.

Inciso III. Falta de interesse processual. A legislação e a doutrina do passado aludiam ao interesse de agir. Em termos gerais, podemos dizer que o interesse processual...

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