Indians and the right to the city: denial and invisibility in Manaus (AM)/Os indigenas e o direito a cidade: negacao e invisibilidade em Manaus (AM).

Autorde Sousa, Norma Maria Bentes
CargoLutas, Cidadania e Direitos Humanos

Introducao

A proposta de uma politica desenvolvimentista vigente no pais, no periodo de 1 930 a 1960, teve como uma de suas diretrizes a integracao da nacao, visando superar o "arquipelago economico" que caracterizava a dinamica de suas macrorregioes. Inicialmente, o Estado incentivou a formacao do mercado interno (integracao comercial), num processo hegemonizado pelo Sudeste. Na sequencia, promoveu oportunidades economicas atraves de incentivos fiscais e financeiros ao capital privado, visando a integracao produtiva das regioes economicamente atrasadas (GUIMARAES NETO, 1997, p. 5).

Concebida de forma contraditoria como uma "regiao problema" e, ao mesmo tempo, como solucao para questoes regionais/nacionais, a Amazonia foi incoporada as politicas desenvolvimentistas, tendo sido objeto de multiplas intervencoes governamentais (OLIVEIRA, 2008).

Nesse sentido, os processos que envolvem a urbanizacao e o desenvolvimento regional em curso em Manaus, capital do estado do Amazonas, e que a transformaram no principal centro urbano da Amazonia Ocidental (1), foram impulsionados especialmente a partir dos anos 1960. Foi neste periodo que as acoes intervencionistas do Estado e do capital (nacional e internacional) aportaram nesse espaco estrategias de controle e producao, tendo em vista a integracao economica da regiao ao pais e a busca por novos espacos para a acumulacao capitalista.

Os planos, programas e projetos impostos a regiao, especialmente pelo governo militar, conceberam a Amazonia (e o estado do Amazonas) como um espaco "vazio", desconsiderando a populacao que a habitava, especialmente a populacao indigena. Essa visao estava sintonizada com a politica oficial de tutela aos indigenas, por serem considerados incapazes de autodeterminarem-se para promover sua integracao a sociedade nacional.

O objetivo deste artigo e refletir sobre a relacao entre desenvolvimento regional e urbanizacao na capital do Amazonas, identificando de que forma a populacao indigena foi incorporada a esses processos, sua presenca e estrategias de sobrevivencia para garantir o direito de autoafirmarse e estar na cidade.

  1. A Amazonia e o "espaco vazio": a (re)afirmacao da invisibilidade indigena

    Anteriormente aos anos de 1930, a economia brasileira assemelhava-se a um "arquipelago", pois as macrorregioes desenvolviam atividades economicas pouco articuladas com o centro decisorio do pais. Nesse sentido, as regioes brasileiras destacavam-se na producao de um produto primario, como a borracha na Amazonia e o acucar no Nordeste, e exportavamno diretamente para outros paises, sem integracao com o mercado nacional.

    Iniciou-se nesse periodo, segundo Guimaraes Neto (1997, p. 56), a busca por uma articulacao regional, tendo em vista a formacao do mercado interno. Esse processo foi hegemonizado pela Regiao Sudeste, especialmente por Sao Paulo, por possuir estrutura produtiva industrial avancada frente as demais, consolidando desigualdades regionais marcantes ate os dias atuais. Nessa fase economica, segundo Paulani (201 3), o Brasil se inseria no contexto mundial do capitalismo como pais dependente e produtor de bens primarios, contribuindo para o exito do processo de acumulacao nos paises do centro, enquanto mantinha a natureza heteronoma de sua economia.

    A decada de 1960 traz, para a Amazonia, uma nova forma de promover o desenvolvimento e a integracao regional a economia do pais. A Ditadura Militar, estabelecida no Brasil a partir do ano de 1 964, cerceou as liberdades democraticas. No campo da politica economica, foi dada continuidade ao "Desenvolvimentismo Associado", nele incorporando as concepcoes ideologicas e politicas de "seguranca nacional", desenvolvidas pela Escola Superior de Guerra (ESG).

    A "Operacao Amazonia", anunciada em 1966 pelo General Castelo Branco, constituiu-se numa reformulacao da politica de desenvolvimento regional a partir da perspectiva dos militares, vinculando-a a doutrina de seguranca nacional. Nesse sentido, as propostas de politicas para a regiao passaram a ter duplo objetivo: promover o desenvolvimento da Amazonia e garantir a seguranca do pais.

    No documento base para a reformulacao da politica de desenvolvimento e seguranca para a Amazonia, o relatorio "Operacao Amazonia" (BRASIL, 1966), partiu-se de uma concepcao da regiao como espaco vazio, sem presenca de populacao, aberto a possiveis insurreicoes vindas dos paises limitrofes que possuiam atividades de guerrilha.

    Nessa perspectiva, ao definir a regiao como espaco vazio, os militares desconsideraram a existencia da populacao local, como os indigenas, respaldando-se na concepcao oficial que via esses povos como desprovidos de condicoes para autodeterminarem-se, sendo necessaria a tutela estatal para que fossem assimilados a sociedade nacional.

    O assimilacionismo tinha como diretriz a homogeneizacao da sociedade brasileira, sendo essa a tonica presente no seculo XIX (ALMEIDA, 2009), defendida por intelectuais e politicos imbuidos do ideal de construcao do Estado-nacao. Nessa perspectiva, os indigenas eram estimulados a se misturarem para desaparecerem enquanto grupo etnico distinto, e assim fazer parte do povo brasileiro. Ou seja, deveriam invisibilizar-se para serem aceitos pela sociedade nacional. O poder tutelar, na ocasiao, era exercido pelo Servico de Protecao ao Indio (SPI), criado em 191 0 como orgao oficial da politica indigenista.

    Essa concepcao oficial sobre a incapacidade dos indigenas de autodeteminarem-se e sintetizada por Oliveira (2013, p. 432) da seguinte forma: "[...] o indio e tido como portador de uma cultura primitiva, incapaz por si so de aprender ou adaptar-se as condicoes de uma cultura superior." Incapacidade de aprendizagem autonoma e inferioridade de cultura sao, portanto, os elementos orientadores da tutela do Estado, direcionando a visao distorcida sobre diversidade cultural dos povos indigenas e, principalmente, sua afirmacao como sujeitos no mesmo patamar dos demais grupos sociais existentes no pais.

    Em 1967, atraves da Lei n 5.371 de 5/1 2/1967, foi criada a Fundacao Nacional do Indio (Funai) para substituir o SPI (BRASIL, 1967). O novo orgao da politica indigenista manteve a mesma diretriz assimilacionista e a visao dos indigenas como seres inferiores (2).

    Por outro lado, imbuidos da ideologia de seguranca nacional, os militares temiam a possilibilidade de a regiao ser porta de entrada para grupos com outras orientacoes politico-ideologicas dos paises vizinhos, num contexto de Guerra Fria, que dividia o mundo em dois grandes blocos, o capitalista e o comunista. Essa ideologia estava sintetizada na frase "integrar para nao entregar", utilizada pelos militares na definicao das acoes na regiao.

    Nesse aspecto, inserem-se outros dois elementos para justificar a intervencao do Estado na Amazonia, alem da necessidade de integracao economica: o discurso de que a area possuia baixa densidade populacional e o fato de estar sendo ocupada por grupos sociais indigenas desprovidos de condicoes para defende-la, o que, por conseguinte, tornava-a vulneravel a expropriacao por outros povos, respaldado tambem, neste ultimo caso, pelas interpretacoes cientificas vigentes. Portanto, era urgente a tarefa de ocupacao da fronteira amazonica. Conforme Oliveira (1994, p. 86),

    A sintese da 'intervencao' pode ser resumida em tamponar fronteiras, vulneraveis tanto pela sua rarefacao demografica quanto por estarem habitadas por indigenas 'menores de idade', definidos assim pela propria Constituicao e pela longa pratica da relacao entre...

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