A Indicação do Valor do Pedido como Requisito da Petição Inicial Trabalhista

AutorLuis Fernando de Carvalho
Páginas196-206

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1. Introdução

A petição inicial trabalhista mudou. A Lei n.
13.467, de 13 de julho de 2017, alterou o § 1º do art. 840 da CLT, adicionando um novo requisito à petição inicial do procedimento ordinário: a indicação do valor do pedido.

O objetivo do presente estudo é detalhar as repercussões que esta alteração trará à prática trabalhista, buscando antecipar eventuais dificuldades e benefícios que ela pode trazer à prestação jurisdicional efetiva.

Inicialmente, a mudança legislativa será analisada à luz do direito processual e, em seguida, serão abordados os aspectos constitucionais dela.

Fixados esses dois aspectos iniciais, serão tratadas questões relacionadas ao direito intertemporal, às consequências da não indicação do valor dos pedidos e à possibilidade de serem formulados pedidos genéricos.

Também serão discutidas eventuais repercussões que essa mudança pode ter na prática processual trabalhista, em especial na busca por soluções mais efetivas aos conflitos trabalhistas.

Por último, será discutido se a petição inicial trabalhista deve, obrigatoriamente, trazer demonstrativo dos cálculos de cada pedido que dela conste.

2. O novo requisito da petição inicial no rito ordinário trabalhista

A petição inicial apta é um dos requisitos para o desenvolvimento válido da relação processual2 (ou pressuposto processual de validade). Sem que a petição inicial esteja apta, o processo não conseguirá atingir a sua finalidade principal, que é fornecer uma decisão quanto ao mérito da questão que as partes levam ao Poder Judiciário.

Não estando preenchidos os requisitos da petição inicial (após dada a oportunidade de correção do vício), ela será indeferida pelo juiz, levando o processo à extinção, sem resolução de mérito (arts. 321 e 485, I, ambos do Código de Processo Civil). O réu também, em defesa, pode alegar a existência de vício na petição inicial. Nessa hipótese, não sendo o defeito corrigido pela parte autora, o processo também será extinto sem resolução de mérito (art. 485, IV, do CPC).

No Código de Processo Civil, os requisitos da petição inicial estão enumerados nos arts. 319 e seguintes.

Já no direito processual do trabalho, os requisitos da petição inicial escrita do rito ordinário constam do § 1º do art. 840 da CLT. Pela redação originária, identificam-se os seguintes requisitos:

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a) designação do juízo (endereçamento);

  1. qualificação das partes;

  2. breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio (causa de pedir);

  3. pedido;

  4. data;

  5. assinatura do reclamante ou de seu representante.

Além disso, parte da doutrina também considerava que o valor da causa seria um dos requisitos da petição inicial trabalhista3. Tal tese ganhou corpo sobretudo após a introdução do rito sumaríssimo (Lei n.
9.957/2000), que trouxe regras diferenciadas para as demandas com valor de até quarenta salários mínimos.

Aliás, a Lei n. 9.957/2000 trouxe um novo requisito para as reclamações submetidas ao rito sumaríssimo: a exigência de que o pedido “seja certo ou determinado” e que indique “o valor correspondente” (art. 852-B, I, da CLT).

Essa mesma fórmula está repetida pelo novo § 1º do art. 840 da CLT, com redação dada pela Lei n.
13.467/2017, o qual estabelece que a reclamação escrita deverá conter […] “o pedido, que deverá ser certo, deter-minado e com indicação de seu valor”.

Apesar da similaridade entre as fórmulas legais dos arts. 840, § 1º, e 852-B, I, da CLT, uma diferença salta aos olhos: a regra do procedimento sumaríssimo prevê pedido “certo ou determinado”, enquanto que a nova regra do rito ordinário estabelece que o pedido deva ser “certo e determinado”. Nesse particular, tem-se que o sentido das duas regras é o mesmo: a certeza e determinação do pedido são exigidos simultaneamente (e não alternativamente). É essa, inclusive, a opção atual do processo comum, exigindo que o pedido seja certo (art. 322 do CPC) e também determinado (art. 324 do CPC).

Por pedido certo, entenda-se aquele expresso. Como regra geral, não são admitidos os pedidos implícitos. Já o pedido determinado é aquele “delimitado em relação à qualidade e à quantidade. Pedido determinado se contrapõe ao pedido genérico.”4

A simples previsão de que o pedido seja determinado já seria o suficiente para que se exigisse do autor a indicação do montante buscado (delimitação em relação à quantidade)5. Porém, esse esforço argumentativo sequer é necessário: tanto no rito sumaríssimo quanto no rito ordinário, o legislador não deixou espaço para dúvidas e fez constar expressamente a necessidade de indicação do valor do pedido.

3. É constitucional a exigência de indicação do valor do pedido na petição inicial trabalhista?

Até mesmo pela discussão limitada da reforma trabalhista no Congresso Nacional, com tramitação apressada e sem a possibilidade de alterações no Senado6, a

Lei n. 13.467/2017 recebeu muitas críticas.

Todavia, por mais que se tenham reservas com relação à nova lei, ou por mais que se reconheça que ela não representaria a melhor solução para a evolução das relações de trabalho no Brasil, ela é a norma que, desde a vigência dela, rege as relações de emprego. Assim, ao intérprete, somente é lícito deixar de aplicar a nova Lei se ela não passar pelos controles de constitucionali-dade ou de convencionalidade.

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E, na interpretação desses novos dispositivos, deve-se resistir à tentação de se buscarem caminhos que levem ao mesmo estado de coisas anterior à modificação legislativa. O intérprete, sempre com base nos princípios e nos objetivos da República (arts. e da Constituição de 1988) e com foco nos direitos e garantias fundamentais, deve buscar a aplicação mais efetiva dos novos dispositivos legais, a fim de permitir a evolução das relações sociais.

Especificamente no que diz respeito às normas de caráter processual, a leitura dos novos dispositivos legais deve ser feita buscando sempre a razoável duração do processo, sem se descuidar das garantias de acesso à justiça, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, XXXV, LIV, LV e LXXVIII, da Constituição da República).

E, com base nesses critérios, deve-se responder se o novo requisito da petição inicial trabalhista – a indicação do valor do pedido no rito ordinário – é ou não compatível com a ordem constitucional.

Tal qual já se demonstrou alhures, a exigência de pedido certo, determinado e com indicação de valor não é uma novidade no direito processual brasileiro. Trata-se de fórmula já consagrada no processo comum e também presente no cotidiano trabalhista há quase duas décadas (acréscimo do art. 852-B à CLT pela Lei n. 9.957/2000). A Lei n. 13.467/2017 apenas trouxe ao rito ordinário um requisito que já existia no procedimento sumaríssimo.

As quase duas décadas de aplicação do art. 852-B, I, da CLT, mostram que exigir a indicação de valor do pedido não implica em violação à garantia de acesso à justiça: a cada ano, são ajuizadas centenas de milhares de novas ações trabalhistas sob o rito sumaríssimo no país.

Na verdade, a exigência de indicação do valor do pedido atua em favor da concretização das garantias constitucionais ao contraditório, ao devido processo legal, à ampla defesa e à razoável duração do processo.

Com efeito, não raro, as petições iniciais trabalhistas traziam pedidos que as partes sequer se haviam dado ao trabalho de apurar o valor correspondente. O valor da causa, comumente, era dado apenas para a definição do rito e nem sempre guardava correspondência com o real conteúdo econômico da pretensão.

Caso o advogado do demandante não desejasse apresentar o valor de cada um dos pedidos, seja por estratégia processual (para dificultar a defesa da outra parte ou para tentar uma negociação mais favorável) ou simplesmente para não ter o trabalho de elaborar os cálculos do montante buscado, ele dava à causa valor pouco superior a quarenta salários mínimos. Assim, a ação sairia do rito sumaríssimo e da exigência que até então só estava prevista no art. 852-B da CLT.

Tal situação ocorria mesmo em demandas que tinham pedidos de valor econômico mais baixo, em contratos curtos, e que sabidamente não seriam suficientes para atrair o procedimento ordinário. Nesses casos, o advogado do autor simplesmente escolhia o rito processual que lhe fosse mais adequado, ainda que o proveito econômico buscado impusesse um procedimento diverso.

Em algumas Varas do Trabalho, essa escolha artificial do rito processual era combatida, seja exigindo a indicação de valores em processos sob o rito ordinário7, seja instando a parte a justificar o valor dado aos pedidos (exibição de demonstrativo de cálculos). Contudo, em outras localidades, admitia-se essa escolha de procedimento no cotidiano forense.

Pode-se cogitar que a exigência de indicação do valor dos pedidos no rito ordinário (introduzida pela reforma trabalhista) feriria a simplicidade, que a doutrina dominante considera ser princípio do direito processual do trabalho8.

Contudo, esse argumento é facilmente rechaçável: tal qual se apontou alhures, a Lei já exige, há quase duas décadas, a indicação do valor do pedido para o

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procedimento mais simplificado na Justiça do Trabalho (art. 852-B da CLT).

A exigência de indicação do valor do pedido, assim, ajuda a concretizar a garantia ao devido processo legal, sem violar o direito ao acesso à justiça.

Esse “novo” requisito da petição inicial impõe um...

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