O índice de correção monetária que nasceu com sua ineficácia reconhecida

AutorChristhyanne Regina Bortolotto
Páginas363-369

Page 363

Ver Nota1

Apesar de serem inúmeros os desastres que causam a decadência dos reinos, principados e repúblicas, penso que os mais importantes são estes quatro: a discórdia, a mortalidade, a esterilidade da terra e a desvalorização da moeda

Nicolau Copérnico2 (1526)

1. Introdução

A correção monetária é um mal tão corriqueiro aos que vivem e comercializam com o Brasil que a própria Constituição Federal prevê a recuperação do valor monetário do bem mediante a aplicação de índices que reflitam a manutenção do poder aquisitivo deste.

Às verbas trabalhistas especificadas na Carta Magna preveem reajustes periódicos para a preservação do poder aquisitivo3. Mas o constituinte não se preocupou somente com o período que o trabalhador se mantém produtivo, também fez ressalvas para os pagamentos decorrentes do benefício previdenciário, como se observa pela leitura do art. 201, § 3º do texto original4.

Existem outros pontos da Carta Magna que também estabelecem a correção monetária em outros ramos do direito, como acuradamente debatido por Marçal Justem Filho em sua obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”5.

Apesar de o fenômeno inflacionário ter iniciado em meados do século XIX6, com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1º de maio de 1943, não houve regulamentação legal a tratar da manutenção do poder aquisitivo das verbas trabalhistas. Somente em 1966, com o Decreto-lei n. 75, houve a primeira fixação de um índice para correção monetária.

Com o decorrer dos anos e à passagem do país por crises inflacionárias indizíveis, várias outras normatizações foram criadas, culminando com o estabelecimento via Lei Ordinária da taxa referencial como fator de juros de mora para os débitos trabalhistas, especificamente o art. 39 da Lei n. 8.177/1991.

Em agosto de 2015 os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, em sua composição plenária, analisaram Ação Trabalhista7 sobre a aplicabilidade da Taxa Referencial como índice de correção monetária, e declararam por unanimidade8 a inconstitucionalidade da norma acima referida, atribuindo efeito era omnes a esta decisão e determinando a alteração do critério da tabela única editada pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

O efeito de aplicação imediata gerou várias Reclamações perante o Supremo Tribunal Federal, as quais foram ajuizadas por entidades representativas de empregadores. O efeito erga omnes reconhecido pelo Plenário do Tribunal Superior do Trabalho fora cassado liminarmente pelo Ministro Dias Toffoli9, em sede de decisão monocrática, suspendendo a determinação de alteração da tabela única editada pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho — CSJT.

A partir deste confronto entre a decisão do TST em ampliar o efeito da Declaração de Inconstitucionalidade por via incidental, em que a competência é difusa, do art. 39 da Lei n. 8.177/1991 gerou, por parte dos empresários, representados pelos Congressistas Brasileiros, a modificação do texto legal sobre a aplicabilidade da Taxa Referencial como índice de atualização de créditos decorrentes de condenação judicial.

Page 364

Contudo, ante decisões anteriormente proferidas pelo Supremo Tribunal Federal10 quanto à impropriedade na utilização da taxa referencial como índice de recuperação do poder aquisitivo do débito, passaremos a analisar se o § 7º do art. 879 da CLT, acrescido pela Lei n. 13.467/2017, pode ser declarado inconstitucional com fundamento em decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal antes da vigência da nova norma.

2. Conceituação

O pagamento extemporâneo de verbas trabalhistas deferidas pela Justiça do Trabalho gera dois deveres ao executado, o primeiro de quitar o débito com a manutenção do valor econômico, e o segundo de indenizar o período judicializado entre a postulação obreira e a efetiva quitação dos valores devidos.

A manutenção do valor monetário devido e a indenização pela mora são dois deveres distintos, os quais não podem ser compensados entre si. Contudo o legislador trata de ambas as figuras de forma uníssona, cabendo aos doutrinadores e ao Judiciário analisar o conteúdo da norma para separar estes dois distintos conceitos.

Para Ayres Britto11 a correção monetária “se caracteriza, operacionalmente, pela citada aptidão para manter um equilíbrio econômico-financeiro entre sujeitos jurídicos” com a finalidade de “manter as respectivas pretensões ou os respectivos interesses no estado em que primitivamente se encontravam”.

Segundo Amilcar Falcão12, citado por Otto Gil13, estamos a tratar da “técnica pelo direito consagrada de se traduzirem, em termos de idêntico poder aquisitivo, quantias ou valores que, fixados pro tempore, se apresentam em moeda sujeita a desvalorização”.

Enquanto a correção monetária trata da desvalorização da moeda, os juros de mora referem-se à indenização de-vida ao credor pelo devedor em decorrência do transcurso do tempo entre a data devida e a data do recebimento dos valores reconhecidos judicialmente.

Importante destacar que o dies ad quo para o computo da correção monetária é a data pretérita em que o débito era devido e não fora quitado. De outro lado para os juros de mora, o início refere-se à data da interposição de ação judicial pleiteando a quitação da dívida, especificamente quando o valor referido está já fixado — mas não apurado — no passado.

3. Evolução normativa da correção monetária

Com um quadro inflacionário latente em nosso país, criaram-se há décadas dois tipos de moedas, as de conta e as de pagamento. As moedas de conta são aquelas que mantêm o poder aquisitivo do capital, e podemos apresentá-las de forma meramente exemplificativa, como a OTN, o salário mínimo (antes da promulgação da Constituição Federal de 198814), o salário de referência, a URP, o IPC, a BTN entre outros. Aqueles que possuem perto ao acima de meio século de vida certamente se recordam das aplicações em overnight, com a única finalidade de manter o poder aquisitivo da moeda.

De outro lado, encontramos as moedas de pagamento, sendo que no Brasil elas já se modificaram em uma dezena15 de oportunidades desde o período colonial, e que se prestam, efetivamente, para a quitação das obrigações contraídas.

Salutar a memória dos inúmeros planos econômicos estabelecidos no final do século XX com o objetivo de reduzir a inflação. O Governo Federal estabeleceu no período de

Page 365

hiperinflação políticas salariais, as quais são amplamente descritas na obra de Juarez Varallo Pont16, visto que a quitação dos salários sempre fora realizada em moedas de pagamento.

Como já afirmado anteriormente, a primeira figura jurídica a normatizar a correção monetária dos débitos trabalhistas fora o Decreto Lei n. 75 de 21.11.1966, que dispunha:

Art. 1º Os débitos de salários, indenizações e outras quantias devidas a qualquer título, pelas empresas abrangidas pela Consolidação das Leis do Trabalho e pelo Estatuto do Trabalhador Rural, aos seus empregados, quando não liquidados no prazo de 90 (noventa) dias contados das épocas próprias, ficam sujeitas à correção monetária, segundo os índices fixados trimestralmente pelo Conselho Nacional de Economia.

§ 1º Nas decisões de Justiça do Trabalho, a condenação incluirá sempre a correção de que trata este artigo.

§ 2º A correção de que trata este artigo aplica-se também aos créditos dos empregados nos processos de liquidação, concordata ou falência, cessando, porém, sua fluência a partir da data do deferimento do pedido de falência.

A norma previu, corretamente, que os índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia tinham como objetivo a manutenção do poder aquisitivo dos débitos abrangidos pela CLT, portanto, claramente dos débitos oriundos da inflação.

A última portaria a ser editada foi a de número 250 de 30.12.1985, quando a Secretaria de Planejamento da Presidência da República deixou de publicar os índices oficiais17. Exatamente neste período, entre dezembro de 1985 e março de 1991, que o Brasil passou por grande inquietação inflacionária. Foram três moedas diferentes, com o vultuoso índice de 12.650.050%18 (doze milhões, seiscentos e cinquenta mil e cinquenta por cento) de inflação acumulada.

Com esta pujança inflacionária é publicada a Lei n. 8.177 em 1º.3.1991, com entrada em vigor na data de sua edição, a qual tratava, dentre as inúmeras outras aplicações, dos juros de mora dos débitos trabalhistas, in verbis:

Art. 39. Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento.

§ 1º Aos débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homo-logadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT