Indígenas em contexto urbano, conflitos socioculturais e linguísticos: o exemplo dos Akw?-Xerente

AutorRodrigo Mesquita
CargoUniversidade Federal de Roraima, Boa Vista, RR, Brasil
Páginas143-162
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Revista de Ciências HUMANAS, Florianópolis, v. 49, n. 2, p. 143-162, jul-dez 2015
Indígenas em contexto urbano, conitos socioculturais e linguísticos:
o exemplo dos Akwẽ-Xerente
Indians in urban context, socio-cultural and linguistic conicts: The
example of Akwe-Xerente
http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2015v49n2p143
Rodrigo Mesquita
Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, RR, Brasil
Neste trabalho são discutidos, sob a perspec-
tiva da sociolinguística, aspectos da ocupação Xe-
rente no município de Tocantínia, pequena cidade
situada cem quilômetros ao norte de Palmas (TO) e
dentro da qual se encontra a maior parte das terras
indígenas Xerente e Funil. O método etnográco
orientou a coleta dos dados e a observação da re-
alidade sociolinguística do povo Akwẽ-Xerente na
cidade. Dentre outros aspectos, são apresentados
os pontos de conitos socioculturais em contexto
urbano, dadas a realidade de migração constante e
a situação de marginalização a que os indígenas são
expostos em tal ambiente. Através da observação
de fenômenos de contato, tais como empréstimos
linguísticos e code-switching (alternância de lín-
guas) vericou-se que os eventos de fala realizados
na (ou sobre a) cidade são os que apresentam maior
frequência e diversidade/complexidade, revelando
assim o ambiente urbano como uma zona poten-
cializadora de conitos diversos para os indígenas,
como é o caso dos Xerente.
Palavras-chave: Indígenas em contexto urbano; So-
ciolinguística; Fenômenos de contato; Code-swit-
ching.
In this paper, and from the standpoint of so-
ciolinguistics, we discuss some aspects of the Xe-
rente occupation in the municipality of Tocantínia,
a small city located north of Palmas (TO). The
ethnographic method served as a guide for data
collection and for the observation of the sociolin-
guistic reality of the Akwẽ-Xerente people in the
city. Among other aspects, the paper presents the
points of sociocultural conicts within the urban
context, given the constant migration process that
takes place and the marginalized situation in which
these indigenous populations are exposed in such
an environment. Through the observation of con-
tact phenomena, such as loanwords and code-swit-
ching (alternating languages), it was found that the
speech events held in (or on) the city are those with
greater frequency and diversity / complexity, reve-
aling the urban environment as a potentiating area
of several conicts for indigenous peoples, as is the
case of the Xerente.
Keywords: Urban indigenous populations; Socio-
linguistics; Contact phenomena; Code-switching.
Introdução
As ocupações urbanas, tema central desta edição, geralmente espelham
um ideal civilizatório no qual há uma oposição determinante em relação às
populações rurais ou que habitam outros espaços que não a cidade. Fruto de
uma herança histórica baseada na hegemonia da cultura ocidental, a imagem
estereotipada do indígena se confunde com a do
habitante de terras longín-
quas e isoladas e que “não combina” com o ambiente urbano.
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MESQUITA, Rodrigo. Indígenas em contexto urbano, conitos socioculturais e linguísticos...
A desinformação sobre o assunto, aliada à falta de políticas públicas
(ou de sua implementação) voltadas para a valorização da diversidade,
seja cultural, de organização social e linguística no território nacional aju-
da a disseminar armações de senso comum que insistem em reduzir os
povos indígenas a uma classe geral. Assim, não é difícil encontrar pessoas
que acreditam que eles se comportam da mesma maneira, falam todos
uma mesma língua, acreditam nas mesmas coisas e ocupam um mesmo
espaço: as aldeias. Qualquer comportamento diferente disso é interpretado
como aculturação, ou seja, índios que saíram de suas aldeias, que utilizam
tecnologias e/ou produtos industrializados dos não-índios, já não seriam
mais índios.
A realidade, porém, indica algo muito diferente. Dados do IBGE de
2010, o último censo da população indígena realizado até então, apontam
um total de 896,9 mil pessoas que se declararam (817,9 mil) ou se consi-
deraram indígenas (78,9 mil). Do total, mais de 315 mil pessoas viviam na
cidade, número menor do que o registrado no ano 2000 (383,3 mil), mas
ainda bastante expressivo. No entanto, o número de municípios brasileiros
que possuem habitantes indígenas vivendo em área urbana vem crescen-
do continuamente. Em 2000, mais da metade dos municípios brasileiros
(50,7%) tinham indígenas habitando seus centros urbanos, número que che-
gou a 72,4% em 2010. A maior parte dessa população indígena nas cidades
é composta por jovens de até 24 anos que migram de suas aldeias por mo-
tivos/objetivos diversos.
Os dados do IBGE (2010) também identicaram 305 etnias e 274 lín-
guas. Todos esses números são questionáveis, seja quanto aos seus métodos
de obtenção e/ou outras interpretações de natureza teórica. Isso já fora feito
por especialistas nas áreas especícas ao longo dos últimos anos. Não é
nosso foco aprofundar esta discussão. De qualquer forma, chama a aten-
ção a diversidade sociocultural e linguística das populações, assim como
a forma como estão distribuídas pelo território brasileiro. Nesse sentido,
concordamos com Rosado e Fagundes quando armam que:
[...] uma vez residindo na cidade, os indígenas redenem o
processo de territorialidade, manifesto ora pelos conitos so-
ciambientais, ora pelos vínculos estabelecidos com as áreas,
que se apresentam como espaços de relações sociocosmoló-
gicas. A partir desses espaços processam a renovação do com-
promisso com o passado e reelaboram suas culturas, diante dos
contextos interculturais ao qual se encontram imersos. Desta
forma produzem inúmeras formas associativas, reunindo ra-
ízes locais, laços de solidariedade, autodenições coletivas,
consciência ambiental e singularidades culturais (ROSADO;
FAGUNDES, 2013, p.8).

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