A inefetividade das normas de sáude e segurança do trabalho à luz da análise econômica do direito

AutorRaymundo Lima Ribeiro Júnior
Páginas160-180

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Introdução

Este artigo aborda a falta de efetividade das normas de saúde e segurança do trabalho à luz da Análise Económica do Direito, respondendo à questão central se é possível, dentro dos instrumentos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, aumentar o grau de efetividade de tais normas.

A Análise Económica do Direito oferece ao Direito conceitos e ferramentas que podem auxiliar os agentes públicos a tornar as normas jurídicas mais efetivas, a melhorar as políticas públicas e a prestação dos serviços essenciais, enfim, a trazer mais felicidade à sociedade e eficiência às tomadas de decisão (TABAK; AGUIAR, 2015).

Para tanto, o artigo utiliza conceitos da Análise Económica do Direito, especialmente o de externalidades negativas, para demonstrar que o comportamento infrator das normas de saúde e segurança do trabalho causa elevado prejuízo à sociedade (morte e lesões nos trabalhadores, custos à Previdência Social e ao sistema público de saúde, desequilíbrio na concorrência empresarial, etc).

Não há dúvidas da relevância do presente tema, pois o descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho é causa de uma série de enfermidades físicas e psíquicas, com consequências deletérias à saúde e à segurança do trabalhador, aumentando a concessão de benefícios previdenciários acidentários, onerando a Previdência Social, razões pelas quais se busca, no presente artigo, uma maior efetividade das referidas normas.

O texto é composto por três capítulos, além desta introdução e da conclusão: o primeiro sobre as normas de saúde e segurança do trabalho; o segundo relativo à Análise Económica do Direito e sua contribuição à efetividade das referidas normas; o terceiro acerca da responsabilização civil coletiva dos infratores como meio necessário à falta de efetividade das normas de saúde e segurança do trabalho.

O primeiro capítulo apresenta as normas ambientais do trabalho, internacionais, constitucionais e infraconstitucionais, de ordem pública, marcadas pelas características da cogência e indisponibilidade, fazendo sua correlação com os direitos humanos e fundamentais do trabalhador.

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O segundo capítulo tenta responder às seguintes questões, à luz da Análise Económica do Direito:

  1. Para o empregador, o descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho é economicamente vantajoso?

  2. Quais as consequências punitivas, caso o empregador descumpra as normas de saúde e segurança do trabalho?

  3. As multas administrativas aplicadas pelo poder de polícia administrativa dos auditores fiscais do trabalho são suficientes para persuadir o empregador?

    O terceiro capítulo foca no instituto da responsabilização civil coletiva dos infratores das normas de saúde e segurança do trabalho como meio necessário, à luz da Análise Económica do Direito, à efetividade das citadas normas, inclusive em razão da insuficiência da atuação do poder de polícia administrativa e da persecução penal dos crimes relacionados aos acidentes e doenças do trabalho.

    No mesmo terceiro capítulo, tenta-se responder às seguintes indagações:

  4. Os prejuízos suportados pela sociedade são maiores do que os benefícios galgados pelo empregador com o descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho?

  5. Não funcionando a contento o poder de polícia administrativa e a persecução penal, qual o papel da responsabilização civil coletiva do empregador em caso de descumprimento das normas em referência?

    Ao final, chega-se à conclusão no sentido da necessidade de maior utilização da ação civil pública, pelo Ministério Público do Trabalho, para responsabilização dos infratores das normas de saúde e segurança do trabalho, clamando, outrossim, pela resposta adequada da Justiça do Trabalho, para condenação dos infratores ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em valores que realmente consigam atingir os principais objetivos de tal indenização: compensar os danos causados à sociedade e punir exemplarmente o infrator, para que, antes de pensar em descumprir novamente tais normas, observe que a relação custo-benefício não existe mais.

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1. As normas de saúde e segurança do trabalho

O meio ambiente do trabalho é "o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores" (FIORILLO, 2000).

O conceito acima atende aos preceitos da Constituição Republicana de 1988 segundo os quais todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225), nele compreendido o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII).

Em razão da sua relevância social e por tutelar sujeitos juridicamente hipossuficientes, o meio ambiente do trabalho é regido por normas de ordem pública, cogentes e indisponíveis, havendo interesse social (interesse público primário) quanto à sua observância, pois o seu descumprimento gera prejuízos graves à sociedade e aos próprios atores destinatários da norma.

O direito à vida, à saúde, à integridade físico-psíquica e à previdência social2 são afetados quando as normas ambientais do trabalho são violadas. E quando o atentado mais forte ao meio ambiente do trabalho acontece (morte ou invalidez do trabalhador), o próprio direito ao desenvolvimento económico é atingido, pois não se concebe desenvolvimento sem o seu principal destinatário: o ser humano; sem falar que o capital necessita do trabalho para se reproduzir.

Quando a norma jurídica é de ordem pública, o Estado e a sociedade devem ter em mente que "a obrigatoriedade que resulta das leis de ordem pública é absoluta, por modo a não permitir nenhuma escolha à vontade do particular e a sanção do direito (nulidade ou pena) segue-se necessariamente a contravenção do preceito" (RÁO, 1991).

Arnaldo Sússekind sustenta que "a necessidade de proteção social aos trabalhadores constitui a raiz sociológica do Direito do Trabalho e é imanente a todo o seu sistema jurídico" (SÚSSEKIND et ai., 2003).

Quanto às normas ambientais do trabalho, que integram o direito ambiental do trabalho, pode-se dizer que a natureza de ordem pública

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é absoluta. Aliás, "o capítulo da CLT referente à medicina e segurança do trabalho é mais intensamente de ordem pública do que qualquer outro do mencionado diploma legal" (MAGANO, 1992).

Nessa linha de raciocínio, as normas que regulam o meio ambiente do trabalho ou, mais diretamente, a saúde e segurança do trabalhador, sejam elas de origem internacional, constitucional ou infraconstitucional, são de ordem pública.

No plano internacional, as garantias mínimas do direito do trabalho, especialmente as normas sobre saúde e segurança laborais, cada vez mais estão identificadas com a teoria dos direitos humanos, que devem ser compreendidos como uma gama de direitos necessários para consagrar a dignidade da pessoa humana.

Há uma afinidade muito grande entre os direitos humanos e o direito ambiental do trabalho. Isso porque foi abandonada aquela velha ideia de que os direitos humanos seriam apenas os direitos civis e políticos. Na concepção vigente, os direitos humanos abrangem também os direitos sociais, culturais, económicos e de solidariedade.

A Organização Internacional do Trabalho, adotando rígida política de proteção à saúde do trabalhador, aprovou a Convenção n. 155, de 1981 (MARTINS, 2009), ratificada pelo Brasil, que determinou a definição e execução de uma política nacional que vise "prevenir os acidentes e os danos para a saúde que sejam consequência do trabalho, guardem relação com a atividade profissional ou sobrevenham durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida do possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho" (art. 4a).

No plano constitucional brasileiro, houve o fenómeno da fundamenta-lização3 do direito humano ao meio ambiente sadio, seguro e equilibrado, incluído o do trabalho (arts. 225 e 200, VIII). A Constituição Republicana de 1988, seguindo as linhas do direito internacional civilizado, consagrou como fundamento, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho (art. 1a, III e IV).

A dignidade humana é fundamento da vida do país, princípio jurídico inspirador e normativo e objetivo de toda a ordem económica. É o valor central da sociedade, o epicentro do sistema jurídico. E o trabalho é instrumento de valorização do ser humano, garantidor de um mínimo de condições de afirmação social (DELGADO, 2010).

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A mesma Constituição preceitua a inviolabilidade do direito à vida (art. 5a, capuf). A tutela do meio ambiente coincide com a proteçao da vida. A menção ao direito à vida, transpassando ao âmbito laborai, faz-se necessária pelo risco sério e considerável de acidentes graves e fatais em razão da persistente recusa em cumprira legislação protetiva, em especial as normas técnicas de saúde e segurança laborais.

Entre os direitos sociais, a Constituição prevê o direito ao trabalho, à saúde e à segurança (art. 6a). O direito à saúde constitui consequência indissociável do direito à vida, sendo assegurado a toda e qualquer pessoa e, portanto, a todos os trabalhadores (art. 196).

Veja-se que um dos mecanismos por meio do qual o Estado se desincumbe do seu dever de zelar pela saúde dos cidadãos é pela elaboração de normas de proteçao à saúde e segurança do trabalho, motivo pelo qual, ao direito do trabalhador à saúde e segurança, corresponde o dever imposto ao empregador de observar e assegurar a satisfação de tal direito.

O direito à saúde e segurança laborais encontra-se...

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