A Influência da Mudança Paradigmática da Lei n. 10.097/2000 sobre a Conceituação de Política Pública e Descriminalização do Adolescente e do Jovem Empobrecido

AutorMariane Josviak/Regina Bergamaschi Bley/Silvia Cristina Trauczynski
Páginas42-52

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1. Introdução

O Brasil é signatário de todos os grandes movimentos mundiais que buscavam descoisiflcar o homem, tendo como exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Neste mesmo período histórico a humanidade convivia com o Apartheid da África do Sul e a Guerra Civil na China. No Brasil as mulheres não podiam votar, e a CLT estava completando 5 anos, portanto não havia muito espaço para o debate sobre o que é direito e cidadania.

Paralelamente no Brasil a questão da política pública vive momentos distintos, dividida entre antes e depois de 1988. O país sai de um período de 20 anos de ditadura militar no qual não havia espaço para viver a cidadania, e após a redemocratização o que se espera é que a sociedade participe e constitua-se, articule-se como cidadãos de direito, e a Constituição Federal reflete esses ares.

O novo papel é de controle e fiscalização das ações do Estado. A sociedade é dotada de autonomia das forças políticas e a nova luta é para empoderar a sociedade e o Estado. Nesse processo podemos ver o surgimento dos conselhos de direito e é notória a evolução vivida pelo país nesse período. Ações que antes eram emparelhadas ao Estado agora medem forças com o Estado.

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E em 1966 foi celebrado o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, pois na evolução do discurso dos direitos humanos inicia-se uma ampliação do olhar a discussão de que não baste ser igual, porque somos diferentes em posições e oportunidades. Embora ainda não se adotasse o conceito mais recente de equidade social, iniciava-se a valorização das diferenças, ou seja, nada pode ser fator de exclusão social.

E, então, em 1993, após a Revisão dos Direitos Humanos, chegamos aos três princípios fundamentais que devem nortear as políticas públicas: a universalidade, o que é apenas para alguns não é para nenhum; a interdependência, pois ninguém vive sozinho; e o indivisível, o ser humano é um ser integral e único, com carências não apenas de ordem física ou biológica. Na integração desses conceitos norteadores e somados com a Constituição do nosso país, na teoria, os cidadãos devem ter acesso ao seu bem-estar, quer seja de ordem ética, política, cultural, religiosa, e esse direito é inalienável.

Vivendo a redemocratização do país, a Assembleia Constituinte de 1988 acolheu com bons olhos a participação popular, motivo pelo qual os diversos artigos da Constituição como os 29, 194, 198, 204, 206 e 227, versam sobre a constituição de conselhos, orçamento participativo, controle social e articulação para a elaboração de políticas públicas, permitindo o olhar da sociedade civil organizada em praticamente todos os ambientes do executivo. Cria-se também a possibilidade de o Ministério Público e de a sociedade moverem ações civis públicas.

Este processo de construção de direitos sociais foi a base para o que deve ser discutido no processo de elaboração de uma política pública atual e o empoderamento da sociedade para exercer de forma correta o controle e a fiscalização instrumentalizam o processo de ação para que de fato o que está em base teórica e legislativa efetive-se como prática e infraes-trutura. Infelizmente o "que vemos muitas vezes contraria uma teoria, mas a realidade não se encaixa numa explicação falsa" (CBIA, 1992. p. 30). Direito arduamente construído, mas inoperante quando a sociedade não se impõe, fazendo-o valer.

É nesse contexto que a Política Pública para o Primeiro Emprego conhecida como Lei da Aprendizagem ou Lei n. 10.097/2000, passa a vigorar. Mais de uma década da Constituição Federal de 1988 para que sua necessidade fosse sentida. O que dizer sobre a implementação após quinze anos?

2. Políticas públicas, lobby e fiscalização: as bases para o primeiro emprego

Vamos tentar esclarecer o que entendemos por políticas públicas e como elas se desdobram, para localizarmos a relevância da política em questão.

"Políticas públicas são conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado diretamente ou indiretamente, com a participação de entes públicos ou privados, que visam assegurar determinado direito de cidadania, de forma difusa ou para determinado segmento social, cultural, étnico ou económico. As políticas públicas correspondem a direitos assegurados constitucionalmente ou que se afirmam graças ao reconhecimento por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos enquanto novos direitos das pessoas, comunidades, coisas ou

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outros bens materiais ou imateriais." (BELINOVSKI. Disponível em: «http://repositorio.roca.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/l/2635/l/CT_GPM_III_2013_07.pdf». Acesso em: 28 set. 2015)

As políticas públicas são divididas entre distributivas, redistributivas e regulatórias.

Podemos dizer de uma forma absurdamente resumida, e bem a grosso modo, que as políticas redistributivas são aquelas voltadas para taxar mais os ricos e menos os pobres. Isso significa que quanto maior for o lucro, maior o imposto, mas na prática o imposto é repassado para o consumidor final. Isto acontece porque essa política atinge a fatia da sociedade que é mais organizada politicamente e que encontra caminhos para desonerar-se. Essas taxações devem prover aos fundos públicos recursos para o financiamento dos serviços e créditos necessários aos cidadãos. Como os impostos são repassados para o produto ou serviço final, toda a sociedade é penalizada por um processo que incide em sistema de cascata. Portanto, todos pagam, mas proporcionalmente em relação a renda, os que mais pagam, são os que menos usufruem do serviço público de qualidade.

Já a política distributiva de fato gera um impacto imediato, tanto na economia local, quanto nas condições de vida dos cidadãos por ela beneficiados. Ela é fundamental para a sobrevivência de muitas pessoas e é terrivelmente mal compreendida pelos meios de comunicação e pela sociedade em geral.

Apenas para estabelecer um parâmetro, em países como os Estados Unidos, um cidadão americano não pode viver em condições dignas com renda per capta inferior ao padrão digno e o Estado complementa a renda. Como lá o padrão é mais alto o valor é expressivo. Isso não impede que mesmo lá pessoas tentem burlar o sistema e continuar recebendo o benefício, mesmo quando não precisam. Isso ocorre em todas as esferas das políticas públicas, mas isso não indica que ela deve ser suspensa e sim que as pessoas que dela necessitam precisam ser mais bem acompanhadas, para a superação desse nível de dependência.

O grande receio da sociedade é o clientelismo e o populismo pelos quais os partidos políticos se mantêm no poder. De fato, não há como negar essas duas dimensões desse tipo de política pública e cabe à sociedade exercer pressão e controle para que as políticas públicas realizem o papel para o qual vieram a existir, ou seja, meio para que as pessoas possam sair da vulnerabilidade com dignidade. O caráter clientelista e populista somente será extirpado quando o cidadão entender isso como direito e não como favor deste ou daquele partido, portanto, toda política distributiva deve ser aprovada como lei, o que ainda não ocorreu no Brasil.

A maioria das pessoas acaba deduzindo que os que dependem dos auxílios do governo o...

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