A influência do 'modelo centrado na doença' no uso de medicamentos para problemas de aprendizagem na escola

AutorFabíola Stolf Brzozowski
Páginas242-268
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2020.e75147
242242 – 268
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A inuência do “modelo centrado na
doença” no uso de medicamentos para
problemas de aprendizagem na escola
Fabíola Stolf Brzozowski1
Resumo
Nosso objetivo é reetir como o “modelo centrado na doença” para o efeito dos fármacos em
psiquiatria, elaborado por Joanna Moncrieff, pode inuenciar o uso de medicamentos. Desta-
camos o caso do metilfenidato (Ritalina®), utilizado no tratamento do Transtorno de Décit de
Atenção com Hiperatividade (TDAH), identicado a partir de problemas de comportamento ou
aprendizagem na escola. Esse diagnóstico costuma ser explicado como resultado de um desequi-
líbrio cerebral, e o metilfenidato seria um tratamento especíco para corrigir esse desequilíbrio,
caracterizando o “modelo centrado na doença” para a ação de fármacos no organismo. Argu-
mentamos que esse modelo amplia o processo de medicalização da infância e da aprendizagem
escolar, tornando banal a utilização de medicamentos para “corrigir” comportamentos e melhorar
o desempenho acadêmico.
Palavras-chave: Medicalização da infância. Metilfenidato. Escola. Modelo centrado na doença.
1 Introdução
Denimos medicalização como o processo no qual problemas que não
eram considerados de ordem médica passaram a ser vistos e tratados como
problemas da área da saúde (ILLICH, 1975; CONRAD; SCHNEIDER,
1992). E isso signica que algumas condições passaram a ser identicadas
como doenças ou transtornos que necessitam de cuidados especializados,
1 Doutora em Saúde Coletiva, pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas da Univer-
sidade Federal de Santa Catarina. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiço-
amento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. E-mail: fabiola.stolf@
gmail.com.
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bem como de tratamentos adequados. Como exemplos, podemos citar a
medicalização da sexualidade, do nascimento, do envelhecimento, do so-
frimento, da loucura, dentre outros.
Nesse universo, a infância também é alvo de intervenções médicas.
Muitos diagnósticos realizados nessa fase da vida iniciam com demandas
escolares. As diculdades na escola com frequência recebem diagnósticos,
com destaque para o Transtorno de Décit de Atenção com Hiperativida-
de (TDAH), o Transtorno Desaante Opositor (TDO), os transtornos de
ansiedade etc. (SIGNOR; BERBERIAN; SANTANA, 2017).
As queixas escolares para os prossionais de saúde geralmente se rela-
cionam com comportamentos, falta de atenção e problemas de aprendiza-
gem. Signor, Berberian e Santana (2017) citam expressões que os profes-
sores costumam utilizar para descrever os estudantes encaminhados: “não
conseguem permanecer sentados por muito tempo”, “não se engajam nas
atividades”, “têm diculdades para aprender”, “não conseguem ler”, “não
aceitam regras”, dentre outras. Como resultado, muitos desses encaminha-
mentos geram prescrições de medicamentos.
O principal tratamento do TDAH, foco desse texto, é composto por
medicamentos estimulantes do Sistema Nervoso Central (SNC), que inclui
as anfetaminas e o metilfenidato. Os produtos à base de metilfenidato co-
mercializados no Brasil são a Ritalina®, a Ritalina® LA e o Concerta®. É con-
siderado o tratamento de primeira escolha e o mais utilizado em casos de
TDAH desde o início de sua comercialização, no nal dos anos de 1950.
No Reino Unido e nos Estados Unidos, assim como é tendência no
mundo inteiro, têm havido um aumento exponencial no número de jovens
diagnosticados com TDAH, o que pode ser visualizado a partir do número
de pessoas recebendo medicamentos para o transtorno: um aumento de
0,5 usuários para cada 1.000 pessoas (0,5/1.000) para 3/1.000 nos últimos
30 anos do Reino Unido e de 12/1.000 para 35/1.000 no mesmo período
nos Estados Unidos (SINGH et al., 2010).
As explicações biológicas são muito utilizadas para justicar e legiti-
mar as intervenções diagnósticas e terapêuticas em crianças com problemas
escolares. A biologização, ou seja, a explicação de comportamentos por

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