Informações de defesa e segurança nacional: entre a legitimidade do segredo e o direito à informação

AutorKarina Furtado Rodrigues
Páginas302-319
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INFORMAÇÕES DE DEFESA E SEGURANÇA
NACIONAL: ENTRE A LEGITIMIDADE DO
SEGREDO E O DIREITO À INFORMAÇÃO
KARINA FURTADO RODRIGUES
INTRODUÇÃO
De onde vem o direito dos Estados de gerar e guardar segredos? Se os
segredos não podem ser evitados e, por conseguinte, os quisermos “de-
mocráticos”, quais serão os processos pelos quais um segredo se torna
legítimo? Este estudo pretende explorar as nuances que envolvem o sigilo
e a transparência no campo da defesa nacional – envolvendo, por conse-
guinte, as Forças Armadas.
De maneira geral, as leis de acesso à informação vêm estabelecendo no-
vos limites para restrições de acesso a documentos públicos. Começa-se
a implementar a transparência como regra e o sigilo como exceção, res-
tringindo-o ao mínimo necessário através de medidas de jure e de facto.
Em termos de jure, diversos padrões internacionais para o acesso à in-
formação vêm surgindo, como nos Princípios em Legislação de Liberdade
de Informação da Artigo 19 (1999), e nos Tshwane Principles (OPEN
SOCIETY JUSTICE INITIATIVE, 2013), tratando especificamente da área
de defesa e segurança nacional.
Contudo, se para estabelecer a regra da transparência há que se modificar
o sigilo como regra, torna-se mister compreender as facetas que envolvem
o sigilo de informações em sua prática cotidiana: de facto, o que ainda
impera para informações de defesa e segurança nacional é o direito ao
sigilo. O ônus da prova de que uma informação deveria ser transparente
ou não ainda é do cidadão.
Os vazamentos de informações sigilosas do governo americano sobre
monitoramento de comunicações, sem mandado judicial, levantaram um
intenso debate sobre a prática do sigilo e sobre até que ponto as agências
de defesa nacional se inserem nos princípios democráticos. Fato é que as
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 303
agências de defesa nacional escondem informações muito facilmente, sem
pesos e contrapesos eficientes até mesmo em democracias ditas avançadas
(KATYAL; CAPLAN, 2008; KLAUS, 2016).
Isto nos remonta aos trabalhos de Bentham – em Thompson (1999) – e
Colaresi (2014), que exploram a capacidade do Estado em gerar segredos
além do que se pode acessar através das leis; e também ao de Sagar (2013),
que defende que não há formato institucional capaz de evitar o abuso do
sigilo, e que o receio de que haja vazamentos de informação seria a única
forma de conter esses abusos.
A era da informação também traz muitos e desconhecidos desafios para
a defesa nacional, e um coadjuvante essencial é a tecnologia. Através dela
é possível promover o compartilhamento instantâneo e sem custos de um
sem número de informações. Do ponto de vista da teoria do mosaico,
1
in-
formações contidas em plataformas de dados abertos, transparência ativa,
passiva ou quaisquer outros registros on-line também podem ser usados
contra os Estados e, consequentemente, contra seus cidadãos.
Ao mesmo tempo, ela abre portas para o engajamento da sociedade com
a eficiência e efetividade das políticas públicas. A crise da democracia re-
presentativa gerou a necessidade de novos arranjos em que a participação
é muito mais direta. Pode-se tentar contestar os benefícios resultantes
desta participação, mas fato é que governos têm de lidar com isso e com
repercussões públicas muito maiores do que se podia imaginar há alguns
anos atrás (KEANE, 2011; MICHENER, 2012).
Se as relações de poder historicamente construídas se baseiam no Estado
como “principal” e os cidadãos como “agentes”, a tecnologia também
trabalha para o inverso – e ao que realmente se propõe a democracia. A
mesma lógica da teoria do mosaico, focada nos inimigos do estado pode
ser aplicada à militância da sociedade civil em utilizar estes dados para
expor casos de corrupção, má gestão e violação de direitos, obrigando o
poder constituído a dar satisfações.
Posto isto, este estudo se divide em cinco seções, além desta introdução.
A segunda seção trata sobre a lógica por detrás do Estado como definidor
do que é “bem-comum” e, por conseguinte, definidor de qual informação
deve ser secreta ou não, e como ela é desafiada pela visão corporativista
do Estado. A terceira seção explora os pesos e contrapesos relativos à ca-
pacidade de segredo existentes, seja pela via institucional, seja pelo medo
de exposição – vazamentos de informação.
1 Teoria do Mosaico: a partir de pequenos fragmentos de informação, atores tidos
como inimigos podem compreender estratégias maiores de defesa de um Estado,
resultando em risco para a segurança nacional. Tratarei mais deste tópico na seção 2.

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