Insegurança, desperdício e ajuda alimentar na Europa do Século XXI

AutorCristina Almeida Cunha Filgueiras
CargoDoutora em Sociologia (EHESS), docente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Páginas432-458
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n35p432
432 432 – 458
Insegurança, Desperdício
e Ajuda Alimentar na
Europa do Século XXI1
Cristina Almeida Cunha Filgueiras2
Resumo
O artigo examina aspectos sociológicos e políticos da insegurança alimentar e da ajuda em ali-
mentos destinada a milhões de pessoas na Europa. É abordada, inicialmente, a situação de in-
segurança alimentar associada à pobreza. Em seguida, menciona-se que o grave problema do
desperdício de alimentos, o qual tem exigido cada vez mais atenção de governos, organismos
internacionais e sociedade, e não pode ser considerado atualmente como causa da falta de acesso
à alimentação. Posteriormente, analisa-se o principal programa europeu de ajuda, dando especial
atenção ao seu funcionamento na França.
Palavras-chave: Segurança alimentar. Pobreza. Ajuda em alimentos. Desperdício. Política pública.
Insegurança alimentar e pobreza
Os seres humanos vivem em segurança alimentar quando têm a todo mo-
mento o acesso físico e econômico a alimentação suciente, sadia e nutritiva
que lhes permita satisfazer suas necessidades energéticas e suas preferências
alimentares para levar uma vida sadia e ativa. Essa noção de segurança alimen-
tar foi difundida a partir do encontro mundial de alimentação realizado em
Roma em 1996 (FAO, 1996).
A penúria de gêneros alimentícios, o baixo poder aquisitivo, os problemas
de distribuição e a má utilização dos alimentos são fatores que impedem a se-
gurança alimentar. Em 2014, a nona parte da população mundial estava em si-
tuação de subalimentação crônica. O problema atinge com maior intensidade
1 O artigo é resultado de projeto de pesquisa desenvolvido com os apoios da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES)/Ministério da Educação, da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (PUC-Minas) e do Centre Max Weber/Université Lyon 2.
2 Doutora em Sociologia (EHESS), docente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (Pucminas).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 35 - Jan./Abr. de 2017
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os países pobres; porém, no conjunto dos países desenvolvidos é de cerca de
5% a taxa de prevalência de subalimentação (FAO, 2014).
A principal causa da subalimentação políticos alertaram para o surgimen-
to da “nova pobreza” e estudiosos assinalaram consequências negativas desse
processo sobre a coesão social (CASTEL, 1998). Segundo as estatísticas o-
ciais, em 2010, 23,4% da população da União Europeia (UE) se encontravam
em risco de pobreza ou exclusão social (ANTUOFERMO; DI MEGLIO,
2012, p. 1)3. Na França, país que será destacado neste artigo, encontrava-se
em situação de pobreza 13% da população, isto é, cerca de oito milhões de
pessoas. O fato de uma pessoa viver com renda considerada abaixo da linha
de pobreza é um forte indicador de que ela pessoa pode estar em insegurança
alimentar (CONSEIL NACIONAL DE L’ALIMENTATION, 2012). Não
surpreende, portanto, que nesse contexto existam ações públicas e privadas de
socorro às pessoas necessitadas.
A ajuda alimentar é presença constante na história da na Europa oci-
dental é a pobreza. Desde os anos 1980, atores sociais, econômicos e França.
Desde a metade do século XIX, praticamente a cada 30 anos, em períodos
de diculdades econômicas e de pobreza, ocorreu o ressurgimento desse tipo
de ajuda (LEGROS, [s. d.]). Foi o que aconteceu nos anos 1850-1870, nos
anos seguintes à Primeira Guerra Mundial, nos anos 1930 e nos anos 1950.
Também em épocas de crescimento da economia a ajuda esteve presente no
país, como ocorreu entre 1960-1975, quando ela estava focalizada nas pessoas
idosas com escassos recursos.
As relações entre alimentação e pobreza estão inscritas em ciclos econô-
micos de longa duração, sendo equivocada a ideia de que a ajuda alimentar
existiria apenas para enfrentar situações isoladas ou conjunturais. Ao contrá-
rio, nos últimos 30 anos a ajuda está estreitamente relacionada na França a
um patamar estável de pobreza, composto principalmente por famílias mo-
noparentais, famílias com mais de dois lhos, pessoas idosas, desempregados
e trabalhadores pobres.
Diculdades relacionadas ao acesso à alimentação permanecem, pois, no
centro da pobreza, apesar da situação de abundância em que vive a maior
3 Segundo o indicador utilizado pela UE, estão abaixo da linha de pobreza aquelas pessoas com renda inferior
a 60% da mediana em cada país (ANTUOFERMO; DI MEGLIO, 2012).

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