Instrumentos da política urbana à luz da proteção ambiental

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas591-607
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INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA
À LUZ DA PROTEÇÃO AMBIENTAL
38.1 PLANEJAMENTO
Planejar o desenvolvimento da cidade tem por objetivo evitar e corrigir as distorções
do crescimento urbano e seus impactos, inclusive sobre o meio ambiente. A ordenação e
o controle do uso do solo disciplinam a instalação e o desenvolvimento dos empreendi-
mentos e atividades no espaço da cidade, a fim de conter o avanço da poluição e de outros
danos ambientais. Não se trata de estabelecer modelos ideais de funcionamento das cidades.
O planejamento deve contemplar os conflitos, buscando a correção dos desequilíbrios detec-
tados.1
O planejamento municipal ocupa importante papel entre os instrumentos da política
urbana, orientando a atuação do Poder Público, que deverá observar, como diretriz, “o
planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das
atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a
evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente”. 2
Os instrumentos de planejamento previstos no art. 4º do Estatuto da Cidade consti-
tuem
planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico
e social;
planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;
planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocu-
pação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento
anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de
desenvolvimento econômico e social.
Planejar não é uma atividade autônoma, desvinculada de obrigações, a ser efetuada
discricionariamente pelo Poder Público, ou seja, se for conveniente e oportuno. Ao con-
trário, de acordo com os princípios gerais da atividade econômica, o planejamento não
só é obrigatório, como também vincula a Administração Pública. Segundo dispõe a
Constituição Federal, o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica,
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
1. COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO URBANO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS; MINISTÉRIO DAS CIDADES; CAIXA ECO-
NÔMICA FEDERAL; INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da Cidade: guia de implementação pelos municípios e cidadãos. 3. ed.
Brasília: Câmara dos Deputados, 2005, p. 33.
2. Lei nº 10.257/01, art. 2º, IV.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.3 Ou seja, não só é obri-
gatório planejar, mas as ações do setor público são vinculadas aos planos estabelecidos, o
que nem sempre ocorre na prática.
Paradoxalmente, muitos dos problemas urbanos, inclusive os ambientais, são fruto
da falta de planejamento. Dos problemas verificados, que prejudicam a sustentabilidade
urbana, podem-se citar:
a descontinuidade dos programas. A cada mudança do Executivo municipal, não é raro o cancelamen-
to dos programas em vigor e sua substituição por outros, com demora na respectiva implantação;
a falta de aparato administrativo (pessoas treinadas e equipamentos), para fazer frente às necessida-
des da população, impedindo abusos, mantendo áreas verdes, evitando novas invasões, com a utiliza-
ção de técnicas de negociação com a população;
a falta de vontade política de realmente melhorar a qualidade de vida da população urbana.
O Estatuto da Cidade traz para o direito em vigor alguns princípios relativos à ne-
cessidade de planejar as cidades de forma séria e concreta. Não apenas planejar, mas tam-
bém garantir que a cidade, na implantação dos planos, alcance efetivamente a desejada
sustentabilidade. Mas as diretrizes definidas na lei, por si apenas, não mudam o quadro
das cidades brasileiras: é cada Município, na elaboração e execução de sua política urbana,
ouvindo a sociedade, o ente responsável por essas mudanças.
A racionalização dos gastos, decorrente de um planejamento bem efetuado e devi-
damente cumprido, é uma condicionante não apenas do equilíbrio ambiental, mas tam-
bém da própria sustentabilidade do Poder Público e da melhoria da qualidade de vida das
pessoas. Os recursos orçamentários devem ser utilizados em conformidade com a Lei do
Orçamento do Município, em projetos e obras que possam melhorar as condições da vida
na cidade. O princípio da eficiência, fixado no art. 37 da Constituição Federal,4 tem esse
caráter: o da boa administração.5 A aplicação de recursos deve ser feita considerando o pla-
nejamento, fase em que se estudam alternativas, buscando a melhor e mais eficiente forma
de, em última análise, aplicar os recursos públicos, visando ao bem-estar da população.6 A
inobservância dessa regra implica a sujeição do agente às penalidades previstas na Lei de
Improbidade Administrativa,7 na Lei de Ação Civil Pública8 e na Ação Popular.9
Todavia, não se trata de tarefa simples. É tradicional a incapacidade do Estado brasi-
leiro para proceder ao planejamento e implantar, de fato, as atividades planejadas, contra-
riando a própria Constituição Federal. É verdade que planos são elaborados. Mas entre sua
formulação e sua implantação ainda existe uma distância às vezes abissal.
Em relação à sustentabilidade do meio ambiente, o planejamento, pelo Município,
deve levar em conta sua expansão proporcionalmente à quantidade de recursos naturais
disponíveis, além, é claro, da capacidade financeira do Poder Público para fazer frente às
demandas de equipamentos urbanos, transporte, saúde, educação etc. de sua população.
3. CF/88, art. 174.
4. O princípio da eficiência foi introduzido pela EC nº 19, de 4-6-1998.
5. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 125.
6. Ver capítulo sobre os Meios Processuais de Defesa do Meio Ambiente.

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