Integração e Interpretação

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas65-81

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Para torná-lo útil, a doutrina constrói diferentes visualizações do texto da lei. São métodos universais, empregados nos diversos ramos. Eviscerando o seu âmago, convencionadamente, a par da aplicação no espaço e no tempo, dividem-se sob duplo aspecto: integração e interpretação. Na verdade, são de efetivação, mas esses dois enfoques ressaltados ensejam versões típicas.

Igual ao procedido na aplicação, convém considerar tão somente as mutações desses procedimentos quando translacionados para o Direito Previdenciário e aí adquirem feições típicas e, em especial, os concebidos por ele, por sua melhor adequação à realidade disciplinada.

Dá-se exemplo inicial com a posição diante do conhecimento da lei. Regra de ouro em quase todo o Direito, no previdenciário assume singularidade; discute- -se poder se exigir do hipossuficiente a mesma acuidade do cidadão autossuficiente. O ferramental principal será a imprescindível prevalência da técnica em si mesma sobre o ramo formal, embora isso não passe de raciocínio jurídico. Caberá ao usuário distinguir, com os cuidados necessários indicados pela ciência social, quais os itens da ciência serão minimamente exigidos (v. g., requisitos legais definidores das prestações) e aqueles cujo direito não será influenciado pelo tecnicismo legal.

Integrar e interpretar são esforços intelectuais eminentemente jurídicos, talvez, os mais perigosos e atraentes deles. Pressupõem profundo domínio da matéria, bom-senso e alguma sabedoria. Exegese é tarefa árdua e espinhosa e, em razão disso, os especialistas desenvolveram recomendações úteis. E, algumas, nem tanto ou suficientes. O clássico livro de Carlos Maximiliano é recomendado ("Hermenêutica e Aplicação do Direito"), necessitando ser atualizado, enriquecido de exemplos e trazido mais próximo do Direito Social e seus sub-ramos.

Neste desenvolvimento, tentar-se-á propiciar alguns exercícios práticos do alegado, pois conselhos, bem recebidos e compreendidos quando assimilados, às vezes se revelam de nenhuma utilidade na prática do dia a dia. Especialmente, se o objeto de consideração não é a redação, mas o instituto retratado, a posição assumida, a intenção a ser apreendida. Por exemplo, avaliar a contribuição dos aposen-

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tados, a partir de 15.4.1994, sem direito ao pecúlio, reclama análise da previdência social como um todo, sua natureza e papel, constitucionalidade da medida, sua oportunidade histórica em relação às necessidades do custeio, enfim, um conjunto complexo de aspectos envolvendo amplo domínio do assunto.

Agora, dúvida menos difusa. A Lei n. 9.032/1995 alterou a redação do art. 57 do Plano de Benefícios, no tocante à aposentadoria especial, benefício nitidamente excepcional, per se merecendo interpretação restritiva. A redação anterior a 29.4.1995 não impedia a volta ao trabalho de aposentado e, como dito, recentemente a Lei n. 8.870/1994 havia posto fim ao pecúlio.

A primeira norma mencionada acresceu um § 6º: "É vedado ao segurado aposentado nos termos deste artigo continuar no exercício de atividade ou operações que o sujeitem aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei" (grifo nosso).

Parágrafo subordinado ao caput do art. 57 está se referindo apenas à aposentadoria especial; ipso facto, não impede a volta ao trabalho do aposentado por idade ou tempo de serviço (interpretação lógica), desprezando-se a cogitação de incluir-se nessa permissão, produto do raciocínio, o percipiente da aposentadoria por invalidez (interpretação sistemática, a impor noção da contingência deflagra-dora deste último benefício).

A alusão à aposentadoria especial ("deste artigo") não deve induzir o intérprete a pensar apenas em quem a obteve utilizando-se tão somente do tempo de serviço especial. O referido preceito, em outro parágrafo do mesmo comando, regula também a aposentadoria por tempo de serviço, deferida com conversão de tempo de serviço perigoso, penoso ou insalubre para o comum.

Eis afetada a conclusão inicial: quem contou tempo especial convertido e se aposentou por tempo de serviço não pode voltar a exercer a atividade especial.

O alcance do "continuar" igualmente há de ser atingido. A mens legislatoris era incluir não só quem estivesse mantendo o vínculo empregatício, mas também quem o tivesse rompido e pretendido voltar ao trabalho na mesma atividade. No entanto, a mens legis não disse o pensado.

Seu objetivo é só permitir a aposentadoria especial com volta ao trabalho em atividade comum ou aposentadoria por tempo de serviço e retorno ao labor em condições desgastantes, colimando a proteção do organismo do segurado. Concebendo-se restritivamente a ausência da mens legis, o "continuar" quer dizer também, após a rescisão contratual, reiniciar o trabalho. E, conforme recomendação final, antes de tudo, é preciso verificar se o dispositivo é constitucional.

Pelo menos, três escolas acadêmicas desenvolveram-se a respeito da interpretação, como instituto jurídico: a) exegética: segundo a qual o intérprete é escravo da lei e certo predomínio da mens legislatoris; b) histórica: na qual é relevante o estudo da consciência do povo; finalmente, c) direito livre: as normas são por natureza falhas e precisam ser aperfeiçoadas pelo usuário.

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A diferença entre mens legis e mens legislatoris é de grande importância neste tema. Uma, a vontade exteriorizada no corpo legal, a ser apreendida; outra, a vontade do legislador, o seu pensamento inicial, esboçado ou não na norma.

Por ocasião da edição da Medida Provisória n. 1.415/1996, o Poder Executivo não se apercebeu da distinção entre essas duas entidades. O redator pretendia dar 12% de reajuste aos benefícios, a partir de maio de 1996, e 15% em agosto do mesmo ano, quando entraria em vigor a majoração da alíquota dos contribuintes individuais situados nas Classes I/III da escala de salários-base - até, de certo modo, mas não necessariamente, atendendo ao princípio da precedência do custeio -, mas (eis aí a vontade da lei), ao aludir à vigência e não à eficácia ou exigibilidade das contribuições, acabou atribuindo a revisão dos valores a contar de 1º.5.1996. Tal conclusão é possível em face da redação dos textos, pois a diferença (3%) acabou sendo atribuída a ganho real... .

Levando-se em conta a entidade estudada e a realidade a ser atingida, é possível aproximar-se do animus do elaborador da norma. Somada a algumas observações ínsitas à exegese, pode-se compreender o significado do texto, especialmente se não se esquecer do resultado atingido com tal encaminhamento.

Isso pode ser evidenciado, na prática, com o disposto no caput do art. 58 do ADCT. Ele reza: "Os benefícios de prestação continuada, mantidos pela previdência social na data da promulgação da Constituição, terão seus valores revistos, a fim de que seja restabelecido o poder aquisitivo, expresso em número de salários mínimos, que tinham na data de sua concessão, obedecendo-se a esse critério de atualização até a implantação do plano de custeio e benefícios referidos no artigo seguinte" (grifos nossos).

Uma primeira leitura, a oficial, mandou tomar a importância da renda mensal inicial, dividi-la pelo valor do salário mínimo da data do início do benefício (interpretando corretamente a locução "data de sua concessão") e multiplicando-se o quociente pelo salário mínimo do mês de abril de 1989 (Portaria MPAS n. 4.426/1989).

Examinemos outra versão, convindo, ao final, comparar os resultados sob a ótica da igualdade e isonomia.

O caput do art. 58 é complexo; ele condensa várias ideias a serem decompostas pelo intérprete: a) mandou rever o nível pecuniário dos benefícios em manutenção - a partir de certa data em diante (abril de 1989); b) nessa operação, o resultado deveria observar equivalência entre o poder aquisitivo da data do início do benefício e de abril de 1989; c) o mensurador deveria ser o salário mínimo.

Esse texto tem núcleo (restabelecimento do poder aquisitivo perdido no curso do tempo), prazo operacional e unidade monetária. Como o salário mínimo de abril de 1989 era um só (Cr$ 46,80), com capacidade econômica de compra definida nesse mês, e o da data do início dos benefícios variava e tinha seu poder de aquisição, dependendo de cada caso, subordinado ao mês de começo, a primeira leitura tinha de ser rejeitada; o produto final da operação matemática não satisfazia a alma do comando.

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Vejamos números exemplificativos. Supondo-se dois irmãos univitelinos trabalhando 35 anos para a mesma empresa e recebendo o mesmo salário, um deles tendo se aposentado em 30 de abril de 1985 (salário mínimo: Cr$ 166.560,00) e o outro, em 1º de maio de 1985 (salário mínimo: Cr$ 333.120,00). A diferença entre os dois, em termos de custeio - e poderia não existir se o segundo segurado tivesse entrado na empresa no mês seguinte à admissão do irmão -, é da ordem de 1/420 avos. Isto é, para efeitos jurídicos, eles são os iguais, objeto do postulado constitucional fundamental da igualdade.

Atribuindo-se ao primeiro segurado uma renda mensal inicial de Cr$ 1.665.600,00 ou dez salários mínimos; ao irmão, aposentado no mês seguinte, com renda mensal inicial igual (ou, atendendo aos preciosistas, 1/420 maior), ou cinco salários mínimos. Os dois, aposentados com benefícios iguais (ou praticamente iguais, a diferença de 1/420 é insignificante), tiveram a recomposição em abril de 1989, atendendo à primeira leitura, da seguinte forma: 10 x 46,80 = Cr$ 468,00 e 5 x Cr$ 46,80 = Cr$ 234,00!

João Antônio Guilhern-Bernard Pereira Leite discorreu sobre a matéria ("Da interpretação das Leis da Previdência Social", in RPS n. 19/ 35). Reconhecendo ser única, apenas destacou dificuldades próprias de algumas delas, caso do Direito Previdenciário. Recomendou vários processos, partindo do sentido gramatical da lei. Ressaltou o elemento teleológico, adotando a exegese extensiva e a restritiva quando a redação assim o indicar (sic). Teve como importante não descurar da totalidade do texto. Repassou a...

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