Inteligência artificial e big data no diagnóstico e tratamento de doenças: novos desafios ao dever de informação e à proteção de dados sensíveis

AutorRodrigo da Guia Silva e Rafaella Nogaroli
Páginas357-380
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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E BIG DATA
NO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE
DOENÇAS: NOVOS DESAFIOS AO DEVER
DE INFORMAÇÃO E À PROTEÇÃO
DE DADOS SENSÍVEIS
Rodrigo da Guia Silva
Rafaella Nogaroli
Sumário: 1. Notas introdutórias: a revolução digital no setor da saúde e o implemento da
inteligência articial na medicina contemporânea. 2. Benefícios e riscos dos algoritmos de
inteligência articial para auxiliar o diagnóstico e a escolha de tratamento médico. 3. Ressig-
nicação do dever de informar o paciente no contexto da inteligência articial. 4. Aspectos
ético-jurídicos no tratamento de dados pessoais sensíveis do paciente por algoritmos de
inteligência articial. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: A REVOLUÇÃO DIGITAL NO SETOR DA
SAÚDE E O IMPLEMENTO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA MEDICINA
CONTEMPORÂNEA
As novas tecnologias têm alterado profundamente a relação médico-paciente.
Do diagnóstico médico ao cuidado holístico do paciente, a inteligência artif‌icial1 está
transformando mundialmente todo o setor da saúde.2 Há diversos estudos que revelam
o grande potencial dessa tecnologia no aprimoramento de diagnósticos e cuidados mé-
dicos.3 A medicina, como muitos outros campos, está passando por uma conf‌luência de
1. Para uma análise do conceito e da evolução da inteligência artif‌icial, com destaque para a centralidade assumida na
matéria pelos algoritmos, v., por todos, FLASISKI, Mariusz. Introduction to Artif‌icial Intelligence. Cham: Springer,
2016, passim; TEGMARK, Max. Life 3.0: Ser-se Humano na Era da Inteligência Artif‌icial. Trad. João Van Zeller.
Alfragide: Dom Quixote, 2019, passim; LEE, Kai-Fu. As Superpotências da Inteligência Artif‌icial: a China, Silicon
Valley e a Nova Ordem Mundial. Trad. Maria Eduarda Cardoso. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2018, passim; e
TURNER, Jacob. Robot Rules: Regulating Artif‌icial Intelligence. Cham: Palgrave Macmillan, 2019, passim.
2. Ao propósito, no que diz respeito à transformação da área da saúde com a nova era de informação tecnológica e de
inteligência artif‌icial, v. GARCIA, Christine; UZBELGER, Georges. Artif‌icial Intelligence to Help the Practitioner
Choose the Right Treatment: Watson for Oncology. In: NORDLINGER, Bernard; VILLANI, Cédric; RUS, Daniela
(Coords.). Healthcare and Artif‌icial Intelligence. Cham: Springer, 2020, p. 81.
3. Nesse sentido, v. SHABAN-NEJAD, Arash; MICHALOWSKI, Martin. Precision Health and Medicine. A Digital
Revolution in Healthcare. Cham: Springer, 2020, p. V; DANIEL, Christel; SALAMANCA, Elisa. Hospital Databases.
RODRIGO DA GUIA SILVA E RAFAELLA NOGAROLI
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dois desenvolvimentos recentes: a ascensão do Big Data4 e o crescimento de sof‌isticados
sistemas de inteligência artif‌icial, que podem ser usados para encontrar padrões com-
plexos nesses dados.5
O surgimento do Big Data é um fenômeno caracterizado, segundo Nicholson
Price, pelos “três V’s”: volume (grandes quantidades de dados), variedade (hetero-
geneidade dos dados) e velocidade (acesso rápido aos dados).6 Esses dados vêm de
várias fontes: registros eletrônicos de saúde, literatura médica, ensaios clínicos, dados
de solicitações de seguros, registros de farmácia e até mesmo os dados inseridos pelos
pacientes em seus smartphones ou gravados em aplicativos de f‌itness. Diante dessa
vasta quantidade de dados, os algoritmos de inteligência artif‌icial ganham espaço
para prover, por exemplo, diagnósticos e alternativas de tratamento de algumas do-
enças, por meio de referência cruzada dos dados da saúde de um paciente específ‌ico
com toda a sua base de dados.7
Jacob Turner, no livro “Robot Rules: Regulating Artif‌icial Inteligence” (2019), def‌ine
inteligência artif‌icial (IA) como “a capacidade de uma entidade não humana de fazer
escolhas por um processo avaliativo”.8 De acordo com a Comissão da União Europeia, a
inteligência artif‌icial refere-se a “sistemas que revelam comportamento inteligente, ana-
lisando seu ambiente e realizando ações – com algum grau de autonomia – para atingir
objetivos específ‌icos. Os sistemas baseados em IA podem ser puramente baseados em
software, agindo no mundo virtual (por exemplo, assistentes de voz, software de análise
de imagem, mecanismos de busca, sistemas de reconhecimento de voz e expressão) ou
podem ser incorporados em dispositivos de hardware (por exemplo, robôs avançados,
carros autônomos, drones ou aplicações de Internet das coisas)”.9
Para funcionamento da inteligência artif‌icial são utilizados algoritmos, que repre-
sentam um conjunto de instruções ou sequência de regras que, aplicando-se a um nú-
mero de dados, permitem solucionar classes semelhantes de problemas. Na essência, os
algoritmos são as diretrizes seguidas por uma máquina.10 Um algoritmo de inteligência
artif‌icial funciona com base no cálculo de uma probabilidade, sendo esta o resultado da
AP-HP Clinical Data Warehouse. In: NORDLINGER, Bernard; VILLANI, Cédric; RUS, Daniela (Coords.). Healthcare
and Artif‌icial Intelligence. Cham: Springer, 2020, p. 65.
4. V., por todos, GOMES, Rodrigo Dias de Pinho. Big Data: desaf‌ios à tutela da pessoa humana na sociedade da
informação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, passim.
5. PRICE, William Nicholson. Artif‌icial Intelligence in Health Care: Applications and Legal Issues. University
of Michigan Public Law Research Paper, n. 599, 2017. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.
cfm?abstract_id=3078704. Acesso em: 20 jun. 2020.
6. PRICE, William Nicholson. Artif‌icial Intelligence in Health Care, cit.
7. Em 2015, um grupo de cientistas no Mount Sinai Hospital (Nova Iorque – EUA) desenvolveu o Deep Patient,
software inteligente que prevê futuras doenças dos pacientes, a partir de uma base de dados composta por cerca
de setecentos mil prontuários eletrônicos. Para o desenvolvimento da análise acerca do Deep Patient, remete-se
a MIOTTO, Riccardo; LI, L.; KIDD, Brian A.; DUDLEY, Joel T. Deep Patient: An Unsupervised Representation to
Predict the Future of Patients from the Electronic Health Records. Nature Scientif‌ic Reports, v. 6, maio 2016.
8. TURNER, Jacob. Robot Rules, cit., p. 16.
9. Communication from the Commission to the European Parliament, the European Council, the Council, the
European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions on Artif‌icial Intelligence for Europe,
Brussels, 25.4.2018 COM (2018) 237 f‌inal.
10. FLASISKI, Mariusz. Introduction to Artif‌icial Intelligence. Cham: Springer, 2016, p. 16.

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