Inteligência artificial nas decisões clínicas e a responsabilidade civil médica por eventos adversos no contexto dos hospitais virtuais

AutorMiguel Kfouri Neto e Rafaella Nogaroli
Ocupação do AutorPós-Doutor em Ciências Jurídico-Civis junto à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Assessora de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR)
Páginas1079-1107
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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS DECISÕES
CLÍNICAS E A RESPONSABILIDADE CIVIL
MÉDICA POR EVENTOS ADVERSOS NO
CONTEXTO DOS HOSPITAIS VIRTUAIS
Miguel Kfouri Neto
Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Civis junto à Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Estadual de
Londrina. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Licenciado em
Letras-Português pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor-Doutor
integrante do Corpo Docente Permanente do Programa de Doutorado e Mestrado em
Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.
Coordenador do grupo de pesquisas “Direito da Saúde e Empresas Médicas” (UNICU-
RITIBA). Membro da Comissão de Direito Médico do Conselho Federal de Medicina
(CFM). Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC).
Desembargador no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).
Rafaella Nogaroli
Assessora de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR). Mes-
tranda em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP) e em
Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Bacharel em
Direito e pós-graduanda em Direito Médico pelo Centro Universitário Curitiba (UNI-
CURITIBA). Coordenadora do grupo de pesquisas em “Direito da Saúde e Empresas
Médicas” (UNICURITIBA). Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabi-
lidade Civil (IBERC) e do grupo de pesquisas em direito civil-constitucional “Virada
de Copérnico” (UFPR). Pesquisadora e escritora na área de responsabilidade civil e
direito médico e da saúde, com foco em medicina robótica, inteligência articial e
telemedicina. Participou de diversos cursos de extensão nacionais e internacionais
em bioética, novas tecnologias e proteção de dados, dentre eles: curso “Articial
Intelligence for Healthcare: Opportunities and Challenges”, da Taipei Medical Uni-
versity (Taiwan); curso “Inteligência Articial e Big Data”, do Hospital Albert Einstein
(São Paulo); curso “Proteção de Dados, Tecnologia e Saúde”, da PUC-Rio; e curso
em “Bioética e Direito Médico”, da Universidade de Coimbra (Portugal). Endereço
eletrônico: nogaroli@gmail.com
Sumário: 1. Notas introdutórias: a transformação da medicina e da relação médico-paciente
causada pelo implemento de novas tecnologias. 2. Conceitos basilares e reexões ético-jurídi-
cas sobre Telemedicina e Inteligência Articial na saúde. 3. Responsabilidade civil no atendi-
mento médico em hospitais virtuais: uma análise a partir de hipóteses fáticas deagradoras do
dever de indenizar. 4. Violação ao dever de informar o paciente e obter o seu consentimento
livre e esclarecido em hospitais virtuais. 5. Conclusão. 6. Referências.
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MIGUEL KFOURI NETO E RAFAELLA NOGAROLI
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1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: A TRANSFORMAÇÃO DA MEDICINA E DA
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE CAUSADA PELO IMPLEMENTO DE NOVAS
TECNOLOGIAS
O século XXI será dominado por algoritmos1 e, mais do que nunca, a área da saúde
vivif‌icará a conhecida frase de Leonardo Da Vinci de que “os olhos são a janela da alma
e o espelho do mundo”. Com imagens do fundo de olho e da retina de um paciente, já é
possível prever doenças cardiovasculares que ele pode ter no futuro, por meio de um
algoritmo de inteligência artif‌icial (IA)2 criado a partir de um banco de dados com milha-
res de exames médicos. A doença cardíaca é a maior causa de morte em diversos países
e os algoritmos surgem com a promessa de, cada vez mais, serem capazes de, a partir da
leitura de um exame médico, prever e diagnosticar doenças, salvando inúmeras vidas,
muito antes das complicações cardíacas se tornem sérias.3
O papel dos exames de imagem na prática médica está passando por uma fase
de transformação, haja vista a possibilidade de implemento de algoritmos de IA para
diagnosticar as mais variadas enfermidades. A vida humana, no despertar do terceiro
milênio, estará condicionada aos algoritmos para resolução de problemas e tomada de
decisões mais precisas. Na área da saúde, nota-se que essa tendência – de “uma corrida
pelos algoritmos mais ef‌icazes e capazes de f‌iltrar os mais variados acervos de dados”4
apresenta-se de forma acentuada.
Eric Topol, em suas célebres obras sobre o futuro da Medicina,5 indica que a socie-
dade caminha para um cenário, cada vez mais presente, de democratização do acesso à
saúde e revolução da relação médico-paciente, devido ao empoderamento do paciente
via novas tecnologias. A isto, o autor denomina “the new era of patient engagement”.6 De-
senvolveram-se, nos últimos anos, inúmeras soluções de big data7 e inteligência artif‌icial
1. HARARI, Yuval Noah. Homo Deus. Uma breve história do amanhã. Trad. Paulo Geiger. Versão Kindle. São Paulo:
Companhia das Letra, 2016.
2. Os sistemas baseados algoritmos de inteligência artif‌icial podem ser puramente baseados em software, agindo no
mundo virtual (por exemplo, assistentes de voz, softwares de análise de imagem, mecanismos de busca e sistemas
de reconhecimento de voz e expressão) ou podem ser incorporados em dispositivos de hardware (por exemplo,
robôs avançados, carros autônomos, drones ou aplicações de Internet das coisas)”. (COMISSÃO EUROPEIA.
Artif‌icial intelligence for Europe. Disponível em: https://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2018/EN/COM-
2018-237-F1-EN-MAIN-PART-1.PDF. Acesso em: 27 set. 2020). Para uma análise pormenorizada do conceito
de algoritmo e da evolução da inteligência artif‌icial, com destaque para a centralidade assumida na matéria pelos
algoritmos, v., por todos, FLASILSKI, Mariusz. Introduction to Artif‌icial Intelligence. Cham: Springer, 2016, passim;
TURNER, Jacob. Robot Rules: Regulating artif‌icial intelligence. Cham: Palgrave Macmillan, 2019, passim.
3. POPLIN, Ryan. Prediction of cardiovascular risk factors from retinal fundus photographs via deep learning. Nature
Biomedical Engineering, Londres, v. 2, p. 158-164, 2018.
4. FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. Administração pública digital. Proposições para o aperfeiçoamento do
regime jurídico administrativo na sociedade da informação. Indaiatuba: Foco, 2020, p. 84.
5. The Creative Destruction of Medicine (2010), The Patient Will See You Now (2015), and Deep Medicine: How
Artif‌icial Intelligence Can Make Healthcare Human Again (2019).
6. TOPOL, Eric. The patient will see you now: the future of medicine is in your hands. Nova Iorque: Basic Book, 2015,
p. 159-179.
7. O big data in healthcare (“big data na área de saúde”) refere-se a uma enorme quantidade de dados de saúde acu-
mulados de várias fontes, como, por exemplo, registros eletrônicos de saúde, imagens médicas, sequenciamento
genômico, pesquisas farmacêuticas, wearables e dispositivos médicos. Três características distinguem o big data
in healthcare dos dados médicos eletrônicos tradicionais usados para a tomada de decisões: 1) está disponível
em um volume extraordinariamente alto; 2) move-se em alta velocidade e abrange o enorme universo digital da
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