Inteligência artificial e responsabilidade civil pelos riscos do desenvolvimento: um estudo comparado entre as propostas de regulamentação da matéria na união europeia e o ordenamento vigente brasileiro
Autor | Tula Wesendonck |
Ocupação do Autor | Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2013) |
Páginas | 195-217 |
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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
E RESPONSABILIDADE CIVIL
PELOS RISCOS DO DESENVOLVIMENTO:
UM ESTUDO COMPARADO ENTRE AS
PROPOSTAS DE REGULAMENTAÇÃO
DA MATÉRIA NA UNIÃO EUROPEIA E O
ORDENAMENTO VIGENTE BRASILEIRO
Tula Wesendonck
Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2013).
Professora Permanente do Programa em Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta de Direito Civil na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do Instituto de Estudos Culturalistas, da Rede
de Direito Civil Contemporâneo e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade
Civil. Líder do Grupo de Pesquisa certicado no CNPq: Direitos da Personalidade e
Responsabilidade Civil no Direito Civil Contemporâneo.
Sumário: 1. Introdução. 2. O impacto da Inteligência Articial na sociedade contemporânea.
3. Responsabilidade pelos danos derivados do uso da Inteligência Articial. 4. Conclusão.
5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Algumas produções cinematográficas po-
dem facilmente gerar esse questionamento, em razão de problemas que fazem parte dos
enredos apresentados na tela e que podem ser considerados como uma previsão hipoté-
tica de fatos que poderão ocorrer no futuro ou como descrição de fatos que já ocorrem.
O filme “Exterminador do Futuro”, de 1984, reuniu numa só produção os
gêneros ficção científica, ação e suspense e foi um grande sucesso que certamente
marcou as gerações daquela época e continua impressionando as posteriores. O fil-
me é reconhecido como um dos precursores do gênero ficção científica do final do
século XX e é embalado por um enredo que envolve dois elementos que aguçam a
curiosidade e a imaginação humanas: a possibilidade de viajar no tempo e os riscos
da Inteligência Artificial (IA).
A história retratada no filme gira em torno da batalha que é travada entre máquinas
e homens, depois que é criada, no ano de 2029, a Inteligência Artificial Skynet, uma rede
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de defesa americana. A Skynet sai de controle e passa considerar a humanidade como
ameaça, atacando-a incansavelmente com a finalidade de exterminá-la. Para controlar
as ações das máquinas, é formada uma resistência comandada sob a liderança de John
Connor. Quando a Skynet está prestes a ser destruída pela força da resistência, envia
um ciborgue para o passado (que seria o tempo presente de 1984, ano de lançamento
do filme) para matar Sarah Connor, mãe de John, e assim evitar o nascimento do líder
da resistência.
Depois do primeiro filme, mais outros cinco foram lançados sempre apresentando
a mesma problemática: os riscos do descontrole da Inteligência Artificial para a humani-
dade, a batalha constante entre máquinas e homens e a possibilidade de viajar ao passado
para mudar o presente e o futuro.
No ano de 1984 a Inteligência Artificial estava no mesmo patamar de ficção que a
possibilidade de viagem no tempo. Do mesmo modo o ano era distante do retratado no
livro 1984 de George Orwell, porém foi o ano de aprovação do Código Civil vigente na
Câmara dos Deputados, após mais de uma década de tramitação naquela casa.
Passados mais de 35 anos do primeiro filme, vê-se que, muito embora não seja
plausível acreditar numa ficção na qual os androides e algoritmos irão dominar a
humanidade, a Inteligência Artificial é uma realidade mais palpável do que a viagem
no tempo.
Os riscos atuais da Inteligência Artificial talvez não possam mais ser representados
por robôs materializados como o ciborgue vivido por Arnold Schwarzenegger. Os riscos
são mais sutis e invisíveis, como é possível ver no documentário “O dilema das Redes”
(The Social Dilemma) que mostra como a Inteligência Artificial e algoritmos são usados
para identificar e direcionar os interesses das pessoas, e também no documentário “Co-
ded Bias”, no qual é possível ver uma face tendenciosa, preconceituosa e discriminatória
da Inteligência Artificial que se materializa a partir do momento em que a maioria dos
softwares de reconhecimento facial, por exemplo, não identificam com precisão rostos
de pele mais escura e de mulheres.
Seja como for, as inquietações em torno das perturbações que a Inteligência Artificial
pode gerar, têm se apresentado como campo fértil para a responsabilidade civil.
Situações que antes habitavam somente os estúdios de filmagens ou as obras de
literatura como a obra de Orwell, restritas ao imaginário humano, passaram a ser objeto
de notícias e também a ocupar debates acadêmicos, nos quais se questiona: é possível
cogitar alguma modalidade de responsabilidade civil pelos danos provocados pelo uso
de Inteligência Artificial? Sendo possível essa responsabilidade, as regras contempo-
râneas de responsabilidade civil são suficientes para justificar a sua incidência? Con-
siderando a característica própria da Inteligência Artificial, consistente na tomada de
decisões autônomas, em certa medida até mesmo imprevisíveis1, seria possível imputar
1. Caitlin Mulholland refere que os mecanismos decisionais de Inteligência Artificial caracterizam-se por: “(i) a absoluta
independência da interferência humana para alcançar resultados e, como consequência, (ii) a imprevisibilidade dos
efeitos obtidos.” MULHOLLAND, Caitlin. Responsabilidade civil e processos decisórios autônomos em sistemas
de Inteligência Artificial (IA): autonomia, imputabilidade e responsabilidade. In: FRAZÃO, Ana; MULHOLLAND,
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