Conciliação - Justiça Interativa: as Perspectivas da Advocacia, do Ministério Público e da Magistratura

AutorRicardo Tadeu Marques da Fonseca
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Professor Universitário, Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, Especialista e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo.
Páginas113-125

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Introdução

Tive a oportunidade de percorrer os caminhos do Magistério, da Advocacia, do Ministério Público e da Magistratura. Em quase trinta anos de carreira, vivenciei, portanto, uma larga gama de experiências que propiciou a constatação de que, em todos os estudos em que pude empenhar-me, jamais me submeti à formação técnica para a mediação de conflitos. Observei, entretanto, que, em cada um dos momentos ou das perspectivas pelas quais atuei na administração da justiça, os melhores resultados em termos de realização profissional e política - no sentido suprapartidário da palavra - foram obtidos pelo que aprendi ao ouvir as partes, ao sentir suas emoções, podendo vertê-las para os aspectos jurídicos e econômicos que delas decorriam, a fim de lhes proporcionar o apaziguamento do espírito.

Aprendi, portanto, que a atividade do profissional do direito é, sobretudo, pedagógica, na exata acepção da palavra, uma vez que, ao encetar esforços para mediar conflitos e conciliá-los, cresci interior-mente e observei que as soluções alcançadas por essa interação entre mim e os litigantes acarretavam-lhes profunda felicidade, direito já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como emanação direta do princípio da dignidade humana, basilar no ordenamento constitucional (a exemplo das decisões proferidas na ADPF n. 132/RJ e na ADI n. 4.277/DF, julgadas em conjunto e relatadas pelo Exmo. Ministro Carlos Ayres Britto1).

A ação intersubjetiva possível e necessária para a obtenção da solução mais justa para as partes e delas emanada deflui da importância e do respeito às verdades de cada um, nos moldes do que Emmanuel Levinas2 imagina para maturação da democracia e para o aperfeiçoamento do relacionamento humano:

O meu ser produz-se ao produzir-se para os outros no discurso, é o que se revela aos outros, mas participando na sua revelação, assistindo

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a ela. Eu sou em verdade ao produzir-me na história sob o juízo que sobre mim ela faz, mas sob o juízo que ela faz sobre mim na minha presença - ou seja, dando-me a palavra.

Esse trabalho visa a evidenciar a importância da conciliação - sobretudo do ponto de vista metodológico - para que se obtenha, pelas ações efetivas de mediação, a solução mais justa para as partes em conflito, justiça essa que é por elas mesmas alcançada, tomando por referência a atividade do Juiz, do Advogado e do membro do Ministério Público ao conduzi-las pelos caminhos do direito e da justiça a elas mais adequada.

Abordam-se os aspectos da natureza jurídica da conciliação, visando-se a demonstrar que ela se dá interna ou externamente à relação processual; os fundamentos administrativos, sociais e políticos, a fim de se verificar sua importância para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito; bem como a relação entre jurisdição e conciliação, para que se compreenda o argumento aqui defendido no sentido de que a interação entre as partes e o Juiz pode desarmar os espíritos daquelas e produzir resultados mais eficazes em relação à justiça que lhes caiba, sob a medida por elas mesmas delineadas como protagonistas da própria cidadania.

Natureza jurídica, fundamentos e conceituação

NATUREZA JURÍDICA DA CONCILIAÇÃO - DÚPLICE, HETEROCOMPOSITIVA, AUTOCOMPOSITIVA. NATUREZA DÚPLICE

Analisando doutrinariamente as classificações acerca da natureza jurídica da conciliação, observei três correntes centrais, havendo aqueles que a incluem entre as formas de autocomposição e/ou heterocomposição, como Maria Inês Targa3, que assim se pronuncia:

Preliminarmente, torna-se necessário desfazer equívocos, efetivados por mim, em passado recente, por causa da doutrina e da legislação existentes, decorrentes do pouco estudo que esse tema tem merecido do Brasil. Trata-se da árdua tarefa de distinguir os termos conciliação, mediação e transação e de conceituá-los corretamente, em face de suas características.

A conciliação é tanto uma atividade destinada a harmonizar os litigantes, como é o resultado de qualquer processo de harmonização de espíritos realizado pelas próprias partes, por meio da negociação por elas próprias encetada ou com ajuda de um terceiro.

Conciliação é, portanto, palavra bissemântica, que tanto designa atividade quanto resultado, que "[...] tanto se emprega com sentido de procedimento...visando a obter o ajuste entre os interessados, como equivale ao próprio acerto efetuado entre as partes".

Natureza heterocompositiva

Há também aqueles que a consideram uma forma de heterocomposição judicial, porque a solução do conflito dá-se por intervenção direta do Juiz e só produz efeitos após a homologação judicial, que no processo do trabalho outorga ao acordo força de coisa julgada (art. 831, parágrafo único, da CLT e Súmula n. 259 do TST).

É nessa linha o pensamento de Mauricio Godinho Delgado4, que afirma ser a conciliação o método de interação das partes, protagonizada, no entanto, pelo Juiz, cuja atuação pode imprimir ao conflito um direcionamento absolutamente inusitado em face das expectativas iniciais dos litigantes, o que, certamente, dependerá do maior ou menor empenho do Magistrado. E conclui:

A conciliação judicial trabalhista é, portanto, ato judicial, através do qual as partes litigantes, sob interveniência da autoridade jurisdicional, ajustam solução transacionada sobre matéria objeto de processo judicial. Embora próxima às figuras da transação e da mediação, delas distingue-se em três níveis: no plano subjetivo, em virtude da interveniência de um terceiro e diferenciado sujeito, a autoridade judicial; no plano formal, em virtude de realizar-se no corpo de um processo judicial, podendo extingui-lo parcial ou integralmente; no plano de seu conteúdo, em virtude de poder a conciliação abarcar parcelas trabalhistas não transacionáveis na esfera estritamente privada.

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Natureza autocompositiva

Para Amauri Mascaro Nascimento5, a conciliação é uma forma de autocomposição, que se dá no interior do processo judicial. Considera-a como uma espécie do gênero da autocomposição, como a renúncia e a transação, em que, na primeira, uma das partes apenas cede, ao passo em que na segunda, ambas o fazem, extrajudicialmente, por óbvio. A conciliação, a seu turno, segundo o mestre paulista, somente ocorre no bojo do processo. Para ele, deste modo, o Juiz atua como coadjuvante.

Síntese

Essa classificação não é apresentada como mero exercício científico doutrinário; visa, ao contrário, a propor uma visão mais consentânea com a perspectiva da constitucionalização do direito processual. Refiro-me aos arts. 1º e 5º, XXXV, da Carta Política, que primam pela dignidade da pessoa humana como princípio fundante e pela ampla garantia de acesso ao Judiciário. Quero ressaltar que a atividade conciliatória é parte nuclear da apreciação jurisdicional dos conflitos, diferentemente do que aprendemos nas universidades, onde se ensina a ajuizar ações e julgá-las. Ao que sei, pouquíssimos são os cursos de direito que apresentam cadeiras concernentes a formas distintas de solução de conflito, que não o processo.

A conciliação, como dizia, imprime eficácia pedagógica à atividade jurisdicional e se materializa no convencimento sincero que pode ser ofertado pelo Juiz, quando, sem prejulgar exatamente a lide, enfoca-a dos pontos de vista afetivo, econômico, social, tomando em conta, portanto, o que subjaz a partir das palavras postas na petição inicial, na contestação ou diretamente do que se observa no tom da voz dos contendores e dos advogados; em seus olhares; em suas expressões; em suas gestualidades. Parece-me que o excesso de trabalho e a pletora de informações, que se multiplica em cada um dos autos postos à apreciação, findam por "hipnotizar" as partes e o Magistrado, a partir, é claro, da cantilena contábil representada pela pressão estatística e até mesmo pela premência do sistema informatizado.

É de minha opinião que, em qualquer hipótese, a conciliação revela uma atividade tanto autocompositiva quanto heterocompositiva, eis que decorre tanto da conflitividade expressa na petição inicial e na defesa, quanto da habilidade dos advogados e dos juízes em projetá-las na "vida real". Deve-se buscar extrair das impressões humanas, contidas nas entrelinhas, uma alternativa jurídico-econômica e socialmente adequada à composição, a qual deve ser recolhida da vontade das partes e do ajuste possível diante da conjuntura jurídica e da circunstância metajurídica que peculiariza a situação apresentada.

Se, por um lado, o arcabouço legal é imprescindível para que cada um dos sujeitos em conflito possa aquilatar os limites de suas pretensões e os riscos decorrentes da res dubia, por outro, deve ser aplicado pelo Juiz efetivamente, não para intimidar as partes, mas para o exercício da versão pedagógica da atividade jurisdicional. A dicção do direito nessa instância não é peremptória, por óbvio, até porque não se tem clareza do que se apurará durante a instrução, tampouco de qual é o entendimento jurídico dominante sobre muitos dos pontos deduzidos pelas partes. Não se tem, destarte, a mínima possibilidade de se antever o resultado que advirá da coisa julgada.

Fundamentos da conciliação

Insta, deste modo, averiguarem-se quais os fundamentos que justificam o aprendizado e o exercício da conciliação pelos estudantes e profissionais do direito nas salas de aula, nos estudos científicos, nos escritórios de advocacia, na sede do Ministério...

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