Interesse público

AutorWilliam Junqueira Ramos
Páginas65-100
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1 O INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO E O
SECUNDÁRIO: DEFINIÇÕES
É próprio de um Estado Democrático de Direito que as
ações e os objetivos do poder público atendam aos anseios e in-
teresses da coletividade. Entretanto, é difícil a tarefa de concei-
tuar os interesses públicos que devem permear a atuação estatal,
cujo conceito jurídico é, deveras, indeterminado.
Com propriedade, adverte Hugo Nigro Mazzilli68 que em-
bora não haja consenso sobre a noção de interesse público, essa
expressão tem sido predominantemente utilizada para alcançar
o interesse de proveito social ou geral, ou seja, o interesse da co-
letividade em seu todo. Na verdade, como explica o citado autor,
num Estado Democrático de Direito, no momento em que o le-
gislador edita a lei e o administrador ou o juiz a aplicam, colima-se
para alcançar o interesse da sociedade.
A administração pública, como aponta Hely Lopes
Meirelles69, tem por objetivo o bem comum da coletividade
68 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio
ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros in-
teresses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47.
69 MEIR ELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 87.
INTERESSE PÚBLICO 2
CAPÍTULO
william junqueira ramos
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administrada. Toda atividade do administrador público deve ser
orientada para esse objetivo. As atividades do Estado, por meio
de seus órgãos, devem ser exercidas no interesse da coletividade.
Para o professor Celso Antônio Bandeira de Melo70, o in-
teresse público é a dimensão pública dos interesses individuais,
ou seja, dos interesses do indivíduo enquanto partícipes da so-
ciedade. É o interesse pessoal de pessoas ou grupos, mas que
comparecem enquanto partícipes de uma coletividade maior na
qual estão inseridos, tal como nela estiveram os que os precede-
ram e nela estarão os que virão a sucedê-los nas gerações futuras.
De seu turno, Giogenes Gasparini71 explica que interesse
público é o que se refere a toda sociedade, o interesse do todo
social, da comunidade considerada por inteiro.
Acontece que esse interesse que atinge o centro maior da
sociedade pode, eventualmente, não corresponder ao interesse
do Estado. Isso porque, na condição de pessoa jurídica, o Estado
pode assumir interesses que se igualam ao de particulares, isto é,
interesses individuais.
Essa tentativa de distinguir em níveis o interesse públi-
co decorre de uma teoria surgida no contexto do pós-guerra na
Itália, um país impregnado de estruturas fascistas, nas quais o
interesse público era açambarcado pelo interesse da máquina es-
tatal e das ideologias da época. Por isso, Renato Alessi classicou
os interesses públicos do Estado em primários ou secundários,
conforme explica André de Vasconcelos Dias72:
70 BA NDEI DE MELLO, Celso Antonio. Op. cit., p. 60.
71 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 8. ed. rev. e atual. São Pau-
lo: Saraiva, 2003, p. 14.
72 DIAS, André de Vasconcelos. Ministério público e patrimônio público:
uma abordagem em torno da unidade do interesse público. Disponível em:
a advocacia-geral da união e a defesa do interesse público primário
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Tema envolto de nebulosidade, a concepção de interes-
se público, ao longo os anos, tem suscitado, aqui e alhu-
res, a elaboração de diversos estudos pelos publicistas.
Dentre eles, tornou-se célebre a doutrina engendrada
em meados do século passado, na Itália, sob o inuxo de
Carnelui e Piccardi, e sistematizada por Renato Alessi,
então Professor de Direito Administrativo da Universi-
dade de Parma. Trata-se da conhecida distinção entre
interesses públicos primários e secundários.
Em sua obra, Renato Alessi73 sustentava:
Questi interessi pubblici, colleivi, dei quali
l’amministrazione deve curare Il soddisfacimento,
non sono, si noti bene, semplicemente l’interesse
dell’amministrazione intesa come soggeo giuridico a
sè stante, sibbene quello che è stato chiamato l’interesse
www.prpe.mpf.gov.br/internet/content/download/1629/.../Andre.pdf. Acesso
em 2012.
73 ALESSI, Renato apud DIAS, André de Vasconcelos, ibid. Tradução livre:
“Esses interesses públicos, coletivos, cuja satisfação a administração deve
buscar, não são, observe-se, simplesmente o interesse da administração como
sujeito jurídico em si, mas aquilo que se convencionou chamar de interesse
coletivo primário, formado pelo conjunto de interesses prevalentes de uma
determinada organização jurídica da coletividade, enquanto o interesse do
sujeito administrativo refere-se aos interesses secundários, que se fazem pre-
sentes na coletividade e que podem ser efetuados somente na hipótese de
coincidência – e nos incontáveis limites dela – com o interesse coletivo pri-
mário. A peculiaridade da situação jurídica da administração pública reside
precisamente em que, embora seja ela, como qualquer outro sujeito jurídico,
titular de um direito secundário próprio e pessoal, sua função não é a de ma-
terializar esse interesse secundário e pessoal, mas atender ao interesse coleti-
vo, público, primário. O interesse secundário e pessoal do sujeito administra-
tivo pode realizar-se, como qualquer outro interesse secundário do particular,
apenas no caso de coincidência, e nos limites desta, com o interesse público.”

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