Interface entre o Direito e a Psicanalise: a indenização por Abandono Afetivo nas Relações de Filiação no âmbito do Direito de Família

AutorGita Goldenberg
Ocupação do AutorProfessora Doutora da Faculdade de Direito da UERJ
Páginas563-581
Interface entre o Direito e a Psicanalise: a
indenização por Abandono Afetivo nas Relações
de Filiação no âmbito do Direito de Família
Gita Goldenberg1
O presente artigo visa expor uma interface entre Direito e
Psicanálise, buscando mostrar esses dois vieses acerca da afetivi-
dade, questão que tem ganhado grande relevo no mundo jurídi-
co hodierno.
Em termos psicanalíticos será analisado conceitos relevantes
sobre Afetividade segundo o psicanalista Winnicott2. As rela-
ções afetivas primitivas ‘mãe-bebê’, dando ênfase à mãe sufi-
cientemente boa e como suas falhas no cuidado podem gerar se-
quelas psíquicas, podendo causar danos irreparáveis futuros
para o indivíduo.
A afetividade para a psicanalise é algo primordial desde os
primeiros meses de vida e, segundo o psicanalista Winnicott, as
relações primitivas entre as mães e seus bebês serão o pilar de
todo o desenrolar do desenvolvimento emocional do indivíduo.
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1 Professora Doutora da Faculdade de Direito da UERJ, Autora e Coor-
denadora do Curso de Extensão: Direito e Psicanalise :Com Ênfase Em
Casos Judiciais Complexos à luz do Novos Paradigmas da Lei. Doutora em
em Psicanalise pela Fundação Getulio Vargas , Psicanalista da SPRJ (Socie-
dade Psicanalítica do Rio de Janeiro).Mediadora Judicial e Extrajudicial de
Família pelo NUPEMEC). Pesquisadora do NPJ da Faculdade de Direito da
UERJ sobre Mediação à luz do Direito e Psicanalise em especial em Ações de
Família.
2 WINNICOTT, Donald Woods. Pediatra e psicanalista inglês. (1896-
1971)
O ser humano saudável na sua “pisco soma” passa pelas fases
de dependência absoluta, dependência relativa e independência
relativa –de acordo Winnicott e é sempre dependente das pes-
soas e do ambiente em que vive.
Para que o bebê vivencie a fase de dependência absoluta de
forma salutar, é fundamental que ele tenha todas as suas neces-
sidades e desejos supridos pela mãe, pois, assim, ele estará apto
a vivenciar a ‘Ilusão de Onipotência Primária’, isto é, o bebê pas-
sará a crer que o mundo – é criação sua, como se tivesse uma
espécie de controle mágico e que a mãe ou quem ocupa este lu-
gar poderá satisfazer suas necessidades e desejos. Isto porque a
mãe ou substituto supre todas as suas demandas – físicas e afeti-
vas – em decorrência da sua capacidade emocional de se identi-
ficar totalmente com o seu bebê, devido à sua ‘Preocupação Ma-
terna Primária’.
A mãe não é somente a genitora biológica, mas outras pes-
soas podem exercer esta função materna como o pai e a família
substituta sob a forma de adoção.
Entretanto, em prol do progresso individual do bebê, é ne-
cessário que a mãe se ausente paulatinamente, o que propiciará
a entrada do infante na fase de dependência relativa, mas tal
passagem não pode ser abrupta, ela deve ser gradual. Nesse es-
tágio de amadurecimento, a mãe introduzirá, aos poucos, a ‘de-
silusão’ ao bebê, ao retirar os cuidados perfeitos – sempre de
acordo com a capacidade do bebê percebida por sua sensibilida-
de e aos poucos se ausentando, de maneira a tornar esse proces-
so suportável para o bebê e assegurando que ela retornará em
termos físicos e emocional.
Para tolerar essa angústia proveniente da separação – ainda
que temporária – da mãe, é comum que o bebê utilize nos mo-
mentos de sua ausência objetos ou fenômenos denominados por
Winnicott de ‘transicionais’. Eles representam tanto o próprio
bebê, como sua mãe, não podendo ser substituídos ou retirados
da criança, deve-se entender seu significado e respeitar o víncu-
lo criado, caso contrário, o processo de assentamento da ‘conti-
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